Gustavo H. B. Franco, O Estado de S.Paulo
30 de janeiro de 2022 | 05h00
Temos uma regra pela qual o presidente do BC precisa se explicar publicamente, através de uma carta aberta ao ministro, se a meta para a inflação não é cumprida.
Nesses termos, Roberto Campos Neto endereçou 15 páginas a Paulo Guedes em 11 de janeiro. A meta para 2021 era 3,75% com margem de 1,5% para os dois lados, e o IPCA variou 10,06%, 191% da meta.
A carta foi escrita no idioma neutro das atas do Copom. Muito mais poderia ser dito. Um rascunho da carta andou circulando, certamente fake, mas revelador:
“Excelentíssimo senhor ministro (caro Paulo),
Era mais fácil se lhe mandasse um zap, ou vários, mas é muito assunto e o corretor gramatical ia me deixar constrangido. Pensei em lhe mandar um áudio, mas a procuradoria desaconselhou. Primeiro de tudo, vamos lembrar que poderia ter sido muito pior. Está acompanhando a Argentina?
Lá, a inflação bateu 3,8% só em dezembro, depois de 2,5% em novembro. O acumulado no ano deu 50%, e mesmo assim com um bocado de inflação reprimida, pois eles estão com preços congelados. Eles não aprendem.
Pior, tem gente falando em congelamento, ainda que só de combustíveis, feito na época da Nova Matriz.
Há ideias ruins que nunca morrem, a despeito de ficarem meio estragadas. São ideias zumbis, como certa vez as designou Paul Krugman: ideias mortas-vivas que, quando menos se espera, devoram os cérebros dos políticos, um horror. Fica esperto.
Segunda observação: não perca de vista que eu vou ficar nesse emprego até o final de 2024, conforme a nova lei do BC. Eu tenho “estabilidade”, você não, independente de meta ou de mérito.
Em compensação, já estou me preparando para dois anos de chá de cadeira. Já parou para pensar como é trabalhar com um presidente que não gosta de você, mas não pode lhe demitir, e nem você pode sair?
Bacana essa coisa da independência do Banco Central, mas, convenhamos, o relacionamento com o Palácio, e mesmo com o novo ministro, vai ser uma guerra.
Terceiro, e antes que eu esqueça, a inflação: lembre que em agosto já tínhamos estourado a meta para o ano. O IPCA deu 0,87% no mês e 5,67% no acumulado do ano, para uma meta (limite) de 5,25%. Esse ano foi uma loucura mesmo, não?
A gente começou a subir os juros na reunião de março, quando passamos de 2% ao ano para 2,75%, e fomos subindo bem gradualmente. Só na reunião de dezembro chegamos a 9,25% com o IPCA para o ano já ultrapassando 10%.
Muitos criticaram a minha lentidão. OK, mas foi muito educativo manter juros de BNDES por um ano, não?
Mas agora acabou a moleza, tenho que correr atrás, e já tenho contratada essa encrenca quem quer que seja o meu chefe”. *Ex-presidente do Banco Central e sócio da Rio Bravo Investimentos.
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