Leia abaixo artigo do colega Eduardo José Monteiro da Costa, Doutor em Economia pela Unicamp, professor da UFPA e Presidente do Conselho Regional de Economia do Estado do Pará (CORECON-PA), publicado no Jornal do Economista pelos 60 anos da profissão de economista no Brasil.
O ano de 2011 é uma data simbólica para a profissão de economista no Brasil. Neste ano comemoraremos 60 anos da Lei 1.411, sancionada no dia 13 de agosto de 1951, que regulamenta o exercício profissional do economista no Brasil. É uma data comemorativa e simbólica que enseja um conjunto de reflexões sobre o exercício profissional. Desta forma, em comemoração a data, escreverei uma série de artigos reflexivos acerca da economia e do exercício profissional do economista no Brasil contemporâneo e especificamente no estado do Pará. Propositadamente escolhi para este ensaio inaugural o surgimento da Ciência Econômica.
Os livros clássicos de introdução a economia apresentam que a etimologia da palavra economia deriva do grego oikonomia, na qual oiko significa casa, propriedade, riqueza ou fortuna, e nomos significa regra, lei, organização ou até mesmo gestão. Neste sentido, na Grécia Antiga a economia era o ramo do conhecimento que cuidava da administração da comunidade doméstica, indo desde aspectos micro relacionados ao oikos até aspectos macro relacionados à Pólis (cidade, campo ou território). Convém ressaltar, entretanto, em que pese alguns poucos autores insistirem que Xenofontes (430-355 a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.) teriam sido os autores seminais desta ciência, que na Grécia Antiga não havia um estudo sistemático que observasse princípios autônomos neste ramo do conhecimento. A economia era apenas um campo do conhecimento integrante da “Ciência mãe”, a filosofia, estando integrada a um arranjo social e político mais amplo da qual não podia ser dissociada.
Um estudo mais aprofundado sobre a etimologia da palavra economista nos revela que ela deriva do latim oeconomus e esta do grego oikonomo, significando literalmente servo, mordomo ou dispensado, podendo ser entendida no sentido mais usual da época como o administrador de uma grande propriedade ou de uma instituição pública ou particular. Ou seja, em seus primórdios, na Grécia Antiga, o economista era claramente um servidor público, entendido este como aquele que serve aos outros ou a coisa pública. Esta visão mais de mil anos depois pode ainda ser encontrada em São Tomaz de Aquino (1225-1274), um clássico teólogo e filósofo da Idade Média que denominava de economos quem administrava bens, rendas e despesas do lar ou, como ele mais usualmente utilizava, monastérios.
No ano de 1615 um autor mercantilista francês denominado Antoine de Montchrétien (1575-1621) publicou a obra Tratado de Economia Política na qual pela primeira vez a expressão Economia Política aparece. Esta obra é simbólica na medida em que com ela pode-se perceber que a economia passa a figurar para os autores mercantilistas como um campo do conhecimento relacionado à gestão do Estado, inclusa, portanto, no campo de interesse das Ciências Políticas, sobrepujando desta forma as demais visões que denominavam este campo do conhecimento de “Crematística” ou “Catalactica”, palavras derivadas do grego khrema e katallactein que significam respectivamente Ciência da Riqueza e Ciência das Trocas.
Em 1755 foi publicada post-mortem a obra Ensaio sobre a Natureza do Comércio em Geral do irlandês residente na França Richard de Cantilon (1680-1734), escrita ainda na década de 1730. A obra de Richard de Cantilon permaneceu obscura até por volta de 1880 quando William Stanley Jevons (1835-1882), um renomado economista da Escola Neoclássica, deu os devidos créditos ao ineditismo deste livro destacando-o como a mais metódica e completa formulação econômica anterior a Adam Smith, chamando o autor inclusive de primeiro economista político. De fato é indiscutível a influencia que as idéias de Cantilon tiveram sobre as formulações da Escola Clássica, a começar por Adam Smith, e da Escola Fisiocrata, com destaque para a teoria dos salários relativos, a visão circular da renda, a teoria do valor da terra, o papel dos metais preciosos na economia internacional e a relação entre moeda e inflação.
Outra data importante para a história desta ciência é o ano de 1758 quando o autor fisiocrata francês François Quesnay publicou o tratado Tabela Econômica mostrando pela primeira vez que a atividade produtiva funcionava a partir de uma lógica sistêmica, com a economia nacional sendo formada por conjuntos interdependentes (agricultura, indústria e comércio) articulados pela formação, distribuição e consumo das riquezas.
Entretanto, o surgimento formal da Ciência Econômica é atribuído ao lançamento do livro Um Inquérito sobre a Natureza e as Causas das Riquezas das Nações do filósofo escocês Adam Smith no ano de 1776, obra que estabeleceu a economia como ramo do conhecimento independente da Filosofia e da Ciência Política. Nesta obra Smith construiu um modelo abstrato e relativamente coerente da natureza, estrutura e funcionamento do sistema capitalista, no qual havia importantes ligações entre as principais classes sociais, os vários setores da produção, circulação e distribuição, riqueza e renda, comércio, moeda, formação dos preços e dinâmica de crescimento econômico. Este sistema, para Smith, poderia ser explicado por sua própria lógica interna.
Sua formulação teórica foi o reflexo de três progênies. Em primeiro lugar foi enfaticamente influenciada pelo ambiente da Grã-Bretanha nos idos da Revolução Industrial, aonde a visão de mundo anteriormente apregoada iria ruir em prol de uma nova sociedade regulada pelo e para o mercado. O segundo pilar estrutural de sua análise fundamentava-se no pensamento sociológico influenciado diretamente pela doutrina do individualismo através do pensamento de Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704), Anthony Ashley-Cooper – Terceiro Conde de Shaftesbury – (1671-1713), Francis Hutcheson (1694-1746), Bernard Mandeville (1670-1733) e David Hume (1711-1776). A terceira fonte de influência foi o iluminismo, mais especificamente a concepção de “ordem natural” das coisas, importando a idéia de que o mundo é regido por “leis naturais” como arquitetada por Isaak Newton (1643-1727) para as ciências naturais. Tal fenômeno filosófico derivou-se, fundamentalmente, do surgimento na Europa do racionalismo embutido nos ideais iluministas no qual o homem começou a buscar explicações racionais para os acontecimentos, suplantando a idéia de “ordem natural”. Assim, influenciada pela filosofia das luzes, a sociedade passava de uma visão de mundo teocêntrica para outra racional, visando transpor leis comportamentais do mundo físico para o âmbito do social, dando início à Economia Política como disciplina autônoma na qual a preocupação com a “lei natural” pressupunha a identificação de um princípio unificador que reduzisse todos os fenômenos da vida econômica a um sistema inteligível e coerente.
Não há dúvida que a obra de Smith apresenta um conjunto teórico mais amadurecido e consistente que os seus antecessores, mas a alcunha de “Pai da Economia” certamente só lhe foi outorgada pelo fato do autor de A Riqueza das Nações ter participado do movimento das luzes, ter escrito na língua inglesa e em um período de intensas transformações pelo qual passava a Grã-Bretanha, posteriormente batizado de Revolução Industrial, no qual se tornava fundamental a formulação de modelos teóricos de referência que permitissem a explicação dos fenômenos econômicos e sociais. Assim, a partir de Adam Smith a economia passou a estudar a formação, distribuição e consumo das riquezas com base em modelos econômicos autônomos, estando este desiderato muito claro nas formulações de autores clássicos como Thomas Robert Malthus (1766-1834), John Stuart Mill (1806-1873), David Ricardo (1772-1823) e Jean Baptiste Say (1767-1832).