segunda-feira, 18 de abril de 2011

Inflação aqui e acolá!

Paul Krugman - diretamente do ESTADÃO.

Algumas observações sobre os desdobramentos recentes da inflação.

A inflação é hoje um problema grande e crescente em economias emergentes. Por quê? Ela é a combinação da armadilha de liquidez em economias avançadas com a pouca disposição de países emergentes de permitirem a valorização de suas moedas.

A coisa funciona assim: em economias avançadas, o colapso de bolhas imobiliárias e o excesso de dívida acumulado durante a Grande Moderação está levando a uma demanda persistentemente deprimida, apesar da política de taxas de juros muito baixas. O resultado é retornos baixos sobre o investimento; está fora de questão aumentar a capacidade quando não se está usando a capacidade existente.

As economias emergentes, por sua vez, têm muita demanda, em parte porque estão emergindo, em parte porque não compartilham o grande endividamento. Então, o que a economia mundial “quer” fazer é ter grandes fluxos de capital do Norte para o Sul, e, correspondentemente, grandes déficits em conta corrente no mundo emergente – que ajudariam, é claro, as economias avançadas a se recuperarem.

Mas como a doutrina da transferência imaculada é falsa, o mecanismo de transmissão pelo qual fluxos de capitais se traduzem em equilíbrios comerciais precisa envolver um aumento dos preços relativos de bens e serviços produzidos nos países emergentes. A maneira fácil e natural de obter isso seria por meio da valorização da moeda; mas os governos não querem que isso ocorra. Assim, a mão invisível está na verdade obtendo o mesmo resultado – gradualmente – empurrando para cima os preços nominais nesses países.

Vale observar que quando esses governos tentam controlar a inflação espremendo a demanda em vez de deixar que suas moedas subam, eles não estão simplesmente se engajando num esforço eventualmente condenado; estão também ajudando a perpetuar a recessão em países avançados. Bom trabalho a todos.

Enquanto isso, lá no Norte…

O núcleo da inflação em março ficou mais baixo que o esperado, e muito se tem falado sobre isso. Mas realmente, quando se consideram dados de alta frequência, coisas acontecem. As pessoas que ficaram muito agitadas com um aumento dos preços vendo isso como o prenúncio de uma grande escalada inflacionária, estavam ignorando as lições da história de que altas súbitas da inflação geralmente se revertem sozinhas.

Eu dei de examinar o Billion Price Index (BPI), que se parece bastante com o índice apenas de bens, mas com frequências muito mais altas. E neste momento o índice BBP (Billion Price Project) está claramente indicando que a grande alta dos preços do início de 2011 está desaparecendo:

E adotando uma perspectiva maior, não se pode ter uma espiral salário-preço se os salários se recusarem a subir em espiral; e todos indícios são de que os salários estão mantidos baixos pelo alto desemprego, a despeito dos preços de gasolina e alimentos:

O crescimento salarial não caiu tanto quanto eu esperava alguns anos atrás; agora ficou claro para mim que não dei peso suficiente à literatura sobre salários. Mas não há nada aqui para sugerir alguma razão para considerar a inflação um problema.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Ideologia: qual é a sua?

Paul Krugman e o seu comentário de hoje no ESTADÃO. Ideologia, eu quero é uma para viver!!!

Vários relatos sugerem que no discurso de hoje Obama tentará se posicionar como um pragmático, opondo-se aos ideólogos da direita e (provavelmente) da esquerda. Veremos se isto vai funcionar; pelo que me lembro, o último presidente dos EUA a enxergar a si mesmo primariamente como um administrador foi… Jimmy Carter.

Mas gostaria também de registrar um protesto filosófico. Há uma antiga piada sobre a questão de ser ou não um ideólogo; estou apenas sendo razoável. O fato é que todos têm uma ideologia – o que não passa de outra maneira de dizer que todos têm a) valores e b) uma opinião a respeito de como funciona o mundo. E não há nada de errado nisso.

Permita-me ilustrar o que quero dizer: suponhamos que eu propusesse a redução do endividamento nacional por meio da oferta de oportunidades a empresas privadas que poderiam, mediante um processo de licitação, explorar a massa de quase 2 milhões de presidiários nas cadeias americanas, que se tornariam então trabalhadores em regime de semisservidão – em muitos casos por toda a vida. Ah, poderíamos também recorrer à servidão como substituta da falência pessoal. Como assim? Está dizendo que reintroduzir um regime análogo à escravidão é inaceitável? Bem, creio que isto decorra de sua ideologia – e um número expressivo de americanos parece não partilhar desta ideologia.

Assim sendo, admito que sou um ideólogo. Acredito mais ou menos numa visão da sociedade como a proposta por John Rawls – tratar os outros como se pudesse estar no lugar deles -, que implica numa robusta rede de segurança social. Acredito também que uma economia mais voltada para o modelo de mercado, com a propriedade pública e a oferta pública de serviços limitadas a certos setores, é a que funciona melhor. Outros podem discordar de meus valores, de minha opinião quanto ao funcionamento do mundo, ou de ambas as coisas. Não devemos fingir que partilhamos mais do que realmente temos em comum.

FHC - oposição de fato.

Repercutiu e continua, como não deveria deixar de ser, o ensaio divulgado pelo sociólogo FHC. Editorial da FOLHA DE S. PAULO de hoje, comenta conforme abaixo. FHC pode e deve, como ser humano, ter muitos defeitos, menos de ser um perfeito idiota. Para lê-lo deve-se entender o contexto, o que não é fácil para a maioria.

Três de cinco ex-presidentes brasileiros se encontram no Senado, sem que se tenha notícia de contribuições relevantes suas para o debate nacional. Luiz Inácio Lula da Silva, recém-saído do cargo, mantém temporário e bem-vindo silêncio, neste início de mandato da sucessora e correligionária petista, Dilma Rousseff.

Diante de tal pasmaceira, coube ao tucano Fernando Henrique Cardoso agitar a cena política. A contribuição veio com o artigo "O Papel da Oposição", publicado na revista "Interesse Nacional".

O foco do texto está em provocar a oposição -PSDB à frente- para sair da letargia diante do petismo. Para isso, ela precisa de uma estratégia, de um público-alvo e de um discurso (ou programa), que FHC se põe a alinhavar.

A situação atual seria análoga à do MDB no início dos anos 70, quando o "milagre econômico" angariava forte apoio popular à ditadura. Outro artigo de FHC, publicado na época com o mesmo título, apontou a necessidade de organizar uma frente antiautoritária para lutar pela redemocratização. Hoje, os êxitos do governo Lula parecem prostrar o PSDB e demais legendas oposicionistas. FHC, contudo, vislumbra uma plataforma para que superem a perplexidade, caso se mostrem capazes de transcender a política institucional e falar diretamente com a classe média em expansão.

O ex-presidente dá como inócua a tentativa da oposição de disputar com o PT o apoio das "massas carentes e pouco informadas". O governo, assinala com razão, dispõe de mecanismos de concessão de benesses mais eficazes que discursos no Congresso.

O trecho pode ser entendido como uma crítica velada à emulação de políticas sociais lulistas. Seria o caso de programas de renda como o do governador paulista Geraldo Alckmin, ou da defesa irresponsável, sob o ângulo fiscal, de um salário mínimo de R$ 600, na campanha eleitoral de José Serra ou por parlamentares tucanos.

A alternativa FHC é priorizar a nova classe média, cerca de 20 milhões de brasileiros incorporados nos últimos anos ao mercado de consumo. Esta seria mais receptiva a críticas da oposição à hegemonia petista, sobretudo às práticas de corrupção e cooptação de grupos econômicos escolhidos para receber benesses do BNDES.

Como bem lembrou o diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino, o acesso a uma renda um pouco mais elevada não garante adesão automática a novos valores. Além disso, quase metade da população permanece nos estratos inferiores de renda e consumo, contingente de votos que não pode ser desprezado.

Em outras palavras, a estratégia delineada por FHC demanda ousadia e implica risco eleitoral. É uma aposta em discurso que, diante dos limites e contradições da política petista, pode até provar-se correto. Fazer oposição de fato, alerta o ex-presidente, seria a única chance de sobrevida para o PSDB e os poucos partidos ainda não alinhados com Dilma

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Por um debate econômico realista

FERNANDO SAMPAIO é consultor econômico. Integrou a equipe de editorialistas da Folha entre 2002 e 2009. CARLOS EDUARDO SOARES GONÇALVES é professor livre-docente da FEA/USP e escreveram na FOLHA de hoje o artigo “Por um debate econômico realista.”

O debate em torno da política econômica de curto prazo se intensificou no Brasil recentemente.

Após a definição do reajuste do salário mínimo e dos cortes no Orçamento, o foco da polêmica se deslocou. Inúmeros analistas passaram a centrar seus questionamentos na adoção de medidas macroprudenciais, que encarecem ou limitam o ímpeto de expansão do crédito.

O principal questionamento é dirigido aos objetivos dessas medidas (que receberam novo reforço significativo a partir da sexta-feira passada, dia 8 de abril).

Elas visam apenas evitar que segmentos do sistema financeiro assumam riscos exagerados na concessão de crédito? Ou estariam sendo adotadas para frear as vendas no mercado interno, e, portanto, como complemento à elevação da taxa de juros básica ou, ainda, como alternativa a um aumento mais pronunciado da Selic?

Este artigo não traz respostas a essas questões. Nosso objetivo é chamar a atenção para aspectos da conjuntura econômica que nem sempre têm sido devidamente considerados dentro do debate.

São dois os aspectos que não podem ser omitidos, nem tratados de maneira elíptica, na discussão sobre a atuação do Banco Central.

O primeiro é o caráter excepcional da conjuntura econômica global. Os efeitos da crise financeira iniciada em meados de 2007, bem como as respostas de política econômica que tal crise sem precedentes suscitou, ainda configuram um quadro absolutamente singular.

É preciso dar a devida importância, em particular, ao fato de que as autoridades em vários dos mais importantes países desenvolvidos vêm pondo em prática uma política ineditamente agressiva de relaxamento monetário, o chamado "quantitative easing", em curso (com evidentes peculiaridades em cada caso) tanto nos Estados Unidos como na Europa.

Nesse contexto, os investidores, tendo à disposição imenso volume de dinheiro barato e confrontando-se com taxas de juros perto de zero nos principais centros financeiros mundiais, procuram avidamente opções mais rentáveis (e mais arriscadas, desnecessário frisar).

Essa última consideração remete ao segundo aspecto que queremos salientar: no Brasil, a taxa de juros básica é muito mais alta do que nas economias cuja classificação de risco é comparável à nossa.

Tal fato condiciona, evidentemente, as opções da política econômica brasileira, numa conjuntura de enorme sobreliquidez global e pressões de valorização de ativos e moedas de economias "emergentes" (assim como as opções das nossas autoridades terão de ser reavaliadas à medida que os bancos centrais dos países desenvolvidos começarem a reverter as políticas extraordinárias adotadas no calor da crise, processo que, na Europa, acaba de começar, com o aumento da taxa de juros determinado neste dia 7 pelo BC europeu).

Reconhecer a relevância crucial desses aspectos não implica abonar nem condenar as opções do BC brasileiro, tampouco configura atitude "heterodoxa" ou "ortodoxa".

Mas poderia ajudar a discriminar, como convém num debate público, divergências doutrinárias (ou ideológicas) de divergências analíticas.

Economistas são animais polêmicos. A despeito disso, existe consenso de que o manejo da política econômica demanda tanto ciência como arte -uma vez que exige, inexoravelmente, saltar do imprescindível rigor dos textos acadêmicos para a concretude turva do quadro institucional, das disputas de interesse, do jogo político-parlamentar, dos riscos e oportunidades que se apresentam naquela conjuntura global e local específica.

Por que razão não seriam idênticas as exigências sobre quem abraça o ofício de avaliar a política econômica e seus efeitos?

A importância de debater o PIB nas eleições 2022.

Desde o início deste 2022 percebemos um ano complicado tanto na área econômica como na política. Temos um ano com eleições para presidente, ...