FERNANDO SAMPAIO é consultor econômico. Integrou a equipe de editorialistas da Folha entre 2002 e 2009. CARLOS EDUARDO SOARES GONÇALVES é professor livre-docente da FEA/USP e escreveram na FOLHA de hoje o artigo “Por um debate econômico realista.”
O debate em torno da política econômica de curto prazo se intensificou no Brasil recentemente.
Após a definição do reajuste do salário mínimo e dos cortes no Orçamento, o foco da polêmica se deslocou. Inúmeros analistas passaram a centrar seus questionamentos na adoção de medidas macroprudenciais, que encarecem ou limitam o ímpeto de expansão do crédito.
O principal questionamento é dirigido aos objetivos dessas medidas (que receberam novo reforço significativo a partir da sexta-feira passada, dia 8 de abril).
Elas visam apenas evitar que segmentos do sistema financeiro assumam riscos exagerados na concessão de crédito? Ou estariam sendo adotadas para frear as vendas no mercado interno, e, portanto, como complemento à elevação da taxa de juros básica ou, ainda, como alternativa a um aumento mais pronunciado da Selic?
Este artigo não traz respostas a essas questões. Nosso objetivo é chamar a atenção para aspectos da conjuntura econômica que nem sempre têm sido devidamente considerados dentro do debate.
São dois os aspectos que não podem ser omitidos, nem tratados de maneira elíptica, na discussão sobre a atuação do Banco Central.
O primeiro é o caráter excepcional da conjuntura econômica global. Os efeitos da crise financeira iniciada em meados de 2007, bem como as respostas de política econômica que tal crise sem precedentes suscitou, ainda configuram um quadro absolutamente singular.
É preciso dar a devida importância, em particular, ao fato de que as autoridades em vários dos mais importantes países desenvolvidos vêm pondo em prática uma política ineditamente agressiva de relaxamento monetário, o chamado "quantitative easing", em curso (com evidentes peculiaridades em cada caso) tanto nos Estados Unidos como na Europa.
Nesse contexto, os investidores, tendo à disposição imenso volume de dinheiro barato e confrontando-se com taxas de juros perto de zero nos principais centros financeiros mundiais, procuram avidamente opções mais rentáveis (e mais arriscadas, desnecessário frisar).
Essa última consideração remete ao segundo aspecto que queremos salientar: no Brasil, a taxa de juros básica é muito mais alta do que nas economias cuja classificação de risco é comparável à nossa.
Tal fato condiciona, evidentemente, as opções da política econômica brasileira, numa conjuntura de enorme sobreliquidez global e pressões de valorização de ativos e moedas de economias "emergentes" (assim como as opções das nossas autoridades terão de ser reavaliadas à medida que os bancos centrais dos países desenvolvidos começarem a reverter as políticas extraordinárias adotadas no calor da crise, processo que, na Europa, acaba de começar, com o aumento da taxa de juros determinado neste dia 7 pelo BC europeu).
Reconhecer a relevância crucial desses aspectos não implica abonar nem condenar as opções do BC brasileiro, tampouco configura atitude "heterodoxa" ou "ortodoxa".
Mas poderia ajudar a discriminar, como convém num debate público, divergências doutrinárias (ou ideológicas) de divergências analíticas.
Economistas são animais polêmicos. A despeito disso, existe consenso de que o manejo da política econômica demanda tanto ciência como arte -uma vez que exige, inexoravelmente, saltar do imprescindível rigor dos textos acadêmicos para a concretude turva do quadro institucional, das disputas de interesse, do jogo político-parlamentar, dos riscos e oportunidades que se apresentam naquela conjuntura global e local específica.
Por que razão não seriam idênticas as exigências sobre quem abraça o ofício de avaliar a política econômica e seus efeitos?
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