CARMEN REINHART, economista que estudou crises, aponta na FOLHA DE S. PAULO que entrada de capital externo pode ser perigosa a emergentes.
A crise global como vimos em 2008 e 2009 chegou ao fim, mas a "sombra" dela ainda vai permanecer por muitos anos.
Uma das consequências é que os países ricos, como os Estados Unidos, deverão ter anos sem brilho, com baixo crescimento.
Essa é a opinião de Carmen Reinhart, uma das mais importantes economistas americanas e autora, ao lado de Kenneth Rogoff, do elogiado livro "Oito Séculos de Delírios Financeiros", em que analisam diversas crises ao longo do tempo.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
Folha - Nos últimos meses, os mercados, especialmente nos EUA, têm se comportado como se a crise tivesse chegado ao fim. A crise acabou?
Carmen Reinhart - O drama que vimos no fim de 2008 e no início de 2009 chegou ao fim. Não se vê algo algo daquela dimensão muito frequentemente.
Mas uma solução duradoura ainda não foi atingida. As economias avançadas - a maioria das europeias, os EUA e o Japão - têm dívidas pesando sobre suas cabeças.
Você veio do Brasil, sabe que o grande drama da crise da dívida na América Latina foi quando o sistema começou a implodir no início dos anos 1980, mas levou um bom tempo até que fosse resolvido.
Os mercados sobem e descem. Para falar a verdade, os mercados começaram a contar com o ovo antes de a galinha pô-lo, antecipando uma recuperação mais forte do que o que ocorreu realmente.
Os mercados desenvolvidos vão enfrentar o mesmo problema que os latino-americanos nos anos 1980?
Eles não vão, eles estão. Em 2006, dava para imaginar uma conversa envolvendo a reestruturação da dívida de países europeus?
É preciso colocar as coisas sob perspectiva. Não acredito que as condições serão as mesmas, porque os emergentes perderam o acesso aos mercados internacionais de capital de uma maneira que os países desenvolvidos não perderam.
Não tenho dúvida de que, se a Grécia e a Irlanda não tivessem a União Europeia por trás, nós teríamos "default" (calote), reestruturação.
Se nós olharmos quem está comprando os títulos da dívida deles, é o BCE (Banco Central Europeu), e não investidores privados.
Então, quando você me pergunta se a crise já acabou, eu acho que a sombra que ela projetou é grande e que nós ainda não a superamos.
Então, a sra. não vê o desemprego nos Estados Unidos recuando nos próximos dez anos para o nível do fim de 2007, próximo a 5%?
Acho que vai demorar um tempo até voltarmos a 5%. A minha expectativa é de que o desemprego nos EUA permaneça teimosamente alto, acima de 8%.
Para começar, os preços do setor imobiliário estão muito longe da recuperação e o setor de construção é um que exige muita mão de obra.
Eu acho que os EUA e a maioria dos países avançados terão anos sem brilho, com crescimento abaixo da média.
As dívidas das famílias americanas estão perto do seu nível recorde e as empresas financeiras estão altamente endividadas.
Nos EUA, o único setor que está relativamente enxuto é o de empresas não-financeiras, mas, ao mesmo tempo, os planos de investimento delas, quanta gente mais pretendem empregar, dependem da expectativa de como será o consumo.
E isso nos traz de volta à questão das dívidas das famílias.
Voltando à questão fiscal, quais serão as consequências dessa crise na economia real dos Estados Unidos?
Não estamos ainda no nível de uma crise fiscal nos padrões de Portugal, da Grécia e da Irlanda, mas os efeitos serão mentais.
As expectativas das pessoas serão reduzidas, os valores de aposentadorias não serão os entregues em sua plenitude e os impostos também devem subir.
Qual é a sua avaliação sobre a atuação do governo Obama e do Fed [Federal Reserve, o banco central dos EUA]?
Eu acho que o Fed tem atuado de maneira bastante agressiva e rápida, mas ele precisa convencer o mercado e o setor privado de que, quando chegar o momento, também vai agir agressivamente e rapidamente para aumentar os juros.
Sobre a administração Obama, acho que já chegou a hora de apresentar um plano para reduzir a dívida.
Uma coisa é dizer que temos, com a crise, uma situação fora do comum e estímulo é necessário.
Mas é preciso estabelecer uma estratégia para reduzir a dívida. Dizer que a dívida vai se estabilizar em 77% [em 2021] é realmente medíocre.
E quais efeitos os países emergentes devem sofrer?
Ainda não acabou o ciclo de busca por rendimentos maiores nos países emergentes, neste momento de juros baixos nas economias avançadas.
A combinação do desemprego nas economias avançadas e de dívida alta nesses países inclina a política monetária para o afrouxamento e para a manutenção dos juros baixos.
Então acredito que os países emergentes terão provavelmente que continuar a lidar com essa faca de dois gumes que é a enorme entrada de capital estrangeiro.
Por que é uma faca de dois gumes?
Entrada de capital externo, como os brasileiros bem sabem, está geralmente associada à alta da moeda.
A valorização cambial pode ser tolerada até o ponto em que não começa a deteriorar a conta-corrente, o que já começou a ocorrer no Brasil. Ela também só pode ser tolerada enquanto não começa a afetar a capacidade competitiva de um país, especialmente do setor industrial, o que também já ocorre no Brasil.
O problema com a entrada de capital é que ou você não recebe nada ou recebe demais. Eu acho que essas questões de administração do ingresso de capital externo vão perdurar por mais algum tempo nos países emergentes.
Qual é a sua opinião sobre a forma como o Brasil está administrando a entrada de capital externo?
Tenho algumas preocupações. Acho que o Brasil está indo no caminho certo ao aumentar os tributos sobre o capital especulativo, mas temo que, se o país continuar com a intervenção esterilizada [no câmbio] e perpetuar o diferencial de juros, isso é um negócio perigoso.
Por quê?
Porque, com base na minha própria pesquisa, quando você tem políticas que perpetuam o diferencial de juros você tende a dar mais força para esse processo, ou seja, atrair mais capital.
A China está tentando conter a inflação. Quais são os riscos que ela pode trazer para a economia global?
Os riscos que a China traz têm a ver com o seu tamanho, é a segunda maior economia do mundo, e tem grande influência sobre os mercados de commodities.
A China enfrenta algumas questões parecidas com as do Brasil, mas não de maneira tão aguda, porque ela tem mecanismos de controle de capital.
O dilema que eles enfrentam é que, quanto mais tempo eles tentarem impedir a valorização do yuan, mais as pressões inflacionárias durarão e mais serão crônicas.
A China vai ter um período difícil, tentando conter a inflação sem tirar muito do crescimento. Eu preciso acrescentar, porém, que a questão da inflação na China é pior do que os dados oficiais mostram.
E a inflação no mundo? Os preços, especialmente nos emergentes, continuam a subir. É um problema que vai continuar?
Acho que é um problema para os emergentes agora, mas que deve se generalizar.
Porém, até isso ocorrer deve ser um período de longa gestação. A inflação é uma questão para os emergentes, devido à entrada de capital.
Para os desenvolvidos, é uma questão ainda menor, especialmente pela falta de força das suas economias. E é um problema ainda menor para os EUA, porque, ao contrário da libra e do euro, o dólar não teve um enfraquecimento sustentado.
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