quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Ainda sobre o Dia do Economista.


José Maria Alves da Silva, doutor em economia, professor da Universidade Federal de Viçosa, escreveu este texto na FOLHA DE S. PAULO no Dia do Economista, 13.08.2012.

Hoje, formamos técnicos sem sintonia com questões sociais. Livros americanos que usamos não ensinam economia política e não servem para a soberania.

Ainda na vigência da ditadura militar, houve no Brasil um grande movimento reivindicatório de reforma curricular do ensino de economia.

Ansiava-se por escolas que também contribuíssem para a formação de massa crítica e atenta à realidade nacional, em vez de meramente formar técnicos para empresas ou burocratas estatais alienados, como se acreditava ser o intento da ditadura.

Depois de intensas discussões, a reforma foi implementada, em meados dos anos 1980. Como parte dela, introduziu-se a economia política no currículo mínimo, junto com distribuição mais equilibrada entre disciplinas de história, teóricas e instrumentais, e a obrigatoriedade da monografia de conclusão de curso, para iniciar os alunos na pesquisa aplicada a problemas nacionais.

Mas, após tantos anos, temos a impressão de que a formação dos nossos economistas está pior que antes.

As economias políticas estão aí nos currículos, só que marginalizadas. Servem mais para adornar grades curriculares e preencher a carga horária exigida do que cumprir o papel que se esperava delas.

O núcleo duro dos cursos mais conceituados é pleno de teorias e modelos difundidos por manuais norte-americanos, do chamado "mainstream economics", com seus acessórios matemáticos, econométricos e tudo aquilo que, como diria o filósofo Álvaro Vieira Pinto, pode servir para formar "serventuários do poder supremo", mas não "agentes de desenvolvimento econômico", sintonizados com a nossa história e com nossos grandes problemas sociais.

Até o curso economia brasileira serve mais de pretexto para a aplicação de técnicas do que para a análise histórica do país. A monografia se tornou atividade burocrática extremamente vulnerável à corrupção. A despeito das dificuldades crescentes de leitura e escrita, ninguém deixa de tirar o diploma por falta dela.

Antes, ao menos existiam grandes polêmicas, como o célebre debate entre monetaristas e estruturalistas, com posições pró- EUA e pró-América Latina. No time dos estruturalistas, muitos não tinham pós-graduação, mas eram intelectuais de notório saber. Paradoxalmente, de lá para cá o número de doutores aumentou muito, mas o debate foi se esvaziando à medida que íamos sendo arrastados pelo que Mário Possas chamou de "cheia do mainstream".

O que motivou a reforma curricular nos anos 1980 foi a crença de que o Brasil precisava de um ensino de economia menos teórico-abstrato e mais político-normativo.

Mas, por incrível que pareça, depois de quase 20 anos de partidos no poder que se declaravam de esquerda ou centro-esquerda, nos quais ocupam lugares de destaque muitos dos que haviam ardentemente lutado pela reforma, a situação do ensino de economia é causa de profunda frustração entre aqueles que depositaram grandes esperanças nela -e ainda sonham com um país soberano e socialmente progressista.

Para esses objetivos, o "mainstream economics" é totalmente contraindicado. Não serve para orientar a saída do subdesenvolvimento e, como a crise econômica mundial tem demonstrado, nem mesmo para a compreensão dos graves defeitos do capitalismo contemporâneo.

Essas impropriedades, descortinadas por Hyman Minsky há mais de duas décadas, estão em processo de amplo reconhecimento, como bem indica episódio recente envolvendo o curso de economia oferecido por Gregory Mankiw, em Harvard.

Depois da leitura de um manifesto no qual o acusavam de "apresentar uma visão específica e limitada da economia, que contribui para perpetuar um sistema problemático e ineficiente de desigualdade econômica", os alunos abandonaram a sala de aula, em solidariedade ao movimento Occupy Wall Street.

Mankiw, ex-assessor econômico de George W. Bush, não por acaso, é o autor do livro de economia mais vendido no Brasil.

Nenhum comentário:

A importância de debater o PIB nas eleições 2022.

Desde o início deste 2022 percebemos um ano complicado tanto na área econômica como na política. Temos um ano com eleições para presidente, ...