Neste
tempo de Círio de Nazaré em Belém do Pará, comento com os meus ainda, espero, dois fiéis
leitores, que os atrasos nas postagens ocorrem devido a dificuldades logísticas.
Isso posto, como estamos com um final de semana prolongado e para afirmar que
não esquecemos deste democrático espaço, abaixo texto do Professor Delfim
Netto, publicado nesta data na FOLHA DE S. PAULO.
Alguns
analistas econômicos são vítimas de grave processo obsessivo misticamente ligado
ao número três.
Há
poucos meses, acreditavam piamente num ridículo modelo mágico. Uma espécie de
"síntese" de toda a política econômica apoiada nas últimas
descobertas da "ciência monetária" que, com três equações, cobriria
toda a complexidade do mundo real.
O
próprio Banco Central namorou a ideia. Diante da lenda urbana, o setor privado
gastou milhares de homens/hora de alta qualificação para mimetizá-la e, assim,
"adivinhar" o que faria o Copom na próxima reunião.
A
nova obsessão são os famosos "três pilares" da política econômica adotada quando o modelo mágico quase
nos levou ao "default", em 1998. Introduzida em 1999, depois da
desvalorização cambial, a política de responsabilidade fiscal, de metas de inflação e de
liberdade cambial não nos poupou
da ameaça de outro "default" em 2002. Só nos livramos graças à
assistência do FMI.
No
período que vai de 1999 a 2001, em que alguns analistas supõem que aplicamos o
regime "puro", os números mostram resultados não muito interessantes:
taxa de crescimento médio de 2,1% do PIB; taxa média de inflação anual de 8,8%;
déficit público médio de 4,4%.
A
dívida líquida/PIB, que era de 39% no fim de 1998, elevou-se a 51% no fim de
2002. No período, acumulamos um déficit em conta-corrente de US$ 80 bilhões.
Houve, sim, grande progresso institucional, o maior dos quais, seguramente, foi
a Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2000, que transformou o Brasil numa área
monetária ótima.
Não
há nada contra o uso comedido dos três pilares, mas não é possível erigi-los em
objetivos religiosos como parecem fazer alguns. Aliás, o competente economista
Armínio Fraga, responsável pela política econômica que os criou, sempre pareceu
entendê-los "cum grano salis".
Não
creio que alguém tenha ouvido dele a proposição de que, com um único
instrumento (a taxa de juros nominal de curto prazo), o Banco Central só pode
atingir um objetivo (a taxa de inflação)! E a razão é simples: o teorema no
qual ela se sustenta é logicamente verdadeiro. O que é falso são suas
hipóteses!
Isso,
hoje, é reconhecido por excelentes acadêmicos convertidos pela vivência da
política econômica a uma pequena "heterodoxia". Dentre eles,
dois que tiveram grande importância na formação de nossos economistas: Stanley
Fischer e Olivier Blanchard.
Afirmar, portanto, que a política monetária tem
de considerar a taxa de crescimento do PIB é pecado apenas no mundo
"virtual" em que vivem alguns de nossos analistas.