Fernando Henrique em recente artigo no ESTADÃO e O GLOBO, comenta sobre o ano de 2014.
Ano Novo, esperanças de
renovação. Mas como? Só se mudarmos o rumo. A começar pela visão sobre o mundo
que ressurgirá da crise de 2007/08. O governo petista, sem o dizer, colocou
suas fichas no “declínio do Ocidente”. Da crise surgiria uma nova situação de
poder na qual os Brics, o mundo árabe e o que pudesse se assemelhar ao
ex-terceiro mundo teriam papel de destaque. A Europa, abatida, faria
contraponto aos Estados Unidos minguantes. Não é o que está acontecendo: os
americanos saíram à frente, depois de umas quantas estripulias para salvar seu
sistema financeiro e afogar o mundo em dólares, e deram uma arrancada forte na
produção de energia barata. O mundo árabe, depois da Primavera, continua se
estraçalhando entre xiitas, sunitas, militares, seculares, talibãs e o que mais
seja; a Rússia passou a ser produtora de matérias-primas. Só a China foi capaz
de dar ímpeto à sua economia. Provavelmente as próximas décadas serão de
“coexistência competitiva” entre os dois gigantes, Estados Unidos e China, com
partes da Europa integradas ao sistema produtivo americano e com as potências
emergentes, inclusive nós, o México, a África do Sul e tantas outras, buscando
espaços de integração comercial e produtiva para não perderem relevância.
Nessa ótica, é óbvio que
a política externa brasileira precisará mudar de foco, abrir-se ao Pacífico,
estreitar relações com os Estados Unidos e a Europa, fazer múltiplos acordos
comerciais, não temer a concorrência e ajudar o país a se preparar para ela. O
Brasil terá de voltar a assumir seu papel na América Latina, hoje diminuído
pelo bolivarianismo prevalecente em alguns países e pelo Arco do Pacífico, com
o qual devemos nos engajar, pois não deve nem pode ser visto como excludente do
Mercosul. Não devemos ficar isolados em nossa região, hesitantes quanto ao
bolivarianismo, abraçados às irracionalidades da política argentina, que tomara
se reduzam, e pouco preparados face à investida americana no Pacífico.
Para que exportemos mais
e para dinamizar nossa produção para o mercado interno, a ênfase dada ao
consumo precisará ser equilibrada por maior atenção ao aumento da
produtividade, sem redução dos programas sociais e demais iniciativas de
integração social. A promoção do aumento da produtividade, no caso, não se
restringe ao interior das fábricas, abrange toda a economia e a sociedade. Na
fábrica, depende das inovações e do entrosamento com as cadeias produtivas
globais, fonte de renovação. Na economia, depende de um ousado programa de
ampliação e renovação da infraestrutura e, na sociedade, de maior atenção à
qualificação das pessoas (Educação) e às suas condições de saúde, segurança e
transporte. Sem dizer que já é hora de abaixar os impostos sem selecionar
setores beneficiários e de abrir mais a economia, sem temer a competição.
Isso tudo em um contexto
de fortalecimento das instituições e práticas democráticas e de redefinição das
relações entre o governo e a sociedade, entre o Estado e o mercado. Será
necessário despolitizar as agências reguladoras, robustecê-las, estabilizar os
marcos regulatórios, revigorar e estimular as parcerias público-privadas para
investimentos fundamentais. Noutros termos, fazer com competência o que o
governo petista paralisou nos últimos dez anos e que o atual governo, de Dilma
Rousseff, vê-se obrigado a fazer, mas o faz atabalhoadamente, abusando do
direito de aprender por ensaios e erros deixando no ar a impressão de
amadorismo e a dúvida sobre a estabilidade das regras do jogo. Com isso, não se
mobilizam, no setor privado, os investimentos na escala e na velocidade
necessárias para o país dar um salto em matéria de infraestrutura e
produtividade.
Mordido ainda pelo DNA
antiprivatista e estatizante, persiste o governo atual nos erros cometidos na
definição do modelo de exploração do pré-sal. A imposição de que a Petrobras
seja operadora única e responda por pelo menos 30% da participação acionária em
cada consórcio, somada ao poder de veto dado às PPSA nas decisões dos comitês
operacionais, afugenta número maior de interessados nos leilões do pré-sal,
reduz o potencial de investimento em sua exploração e diminui os recursos que o
Estado poderia obter com decantado regime de partilha. É ruim para a Petrobras
e péssimo para o país.
Além de insistir em erros
palmares, o atual governo faz contorcionismo verbal para negar que concessões
sejam modalidades de privatização. É patético. Também para negar a realidade,
se desdobra em explicações sobre a inflação, que só não está fora da meta
porque os preços públicos estão artificialmente represados, e sobre a solidez
das contas públicas, objeto de declarações e contabilidades oficiais às vezes
criativas, não raro desencontradas, em geral divorciadas dos fatos.
É preciso redesenhar a
rota do país. Dois terços dos entrevistados em recentes pesquisas eleitorais
dizem desejar mudanças no governo. Há um grito parado no ar, um sentimento
difuso, mas que está presente. Cabe às oposições expressá-lo e dar-lhe
consequências políticas. É a esperança que tenho para 2014 e são meus votos
para que o ano seja bom.
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