Hoje, domingo, é dia de ler Fernando Henrique Cardoso:
Diante da paralisia governamental, da expansão incontrolada da ação
legislativa, da recessão econômica e do ativismo da Justiça, vê-se muita
cobrança: e as oposições e o PSDB? Sumiram? Que farão com os mais de cinquenta
milhões de votos que receberam?
Compreende-se a angústia, mas é preciso distinguir os papéis da oposição
e os do governo. Como no jogo de xadrez, o governo joga com as pedras brancas,
as iniciativas têm que partir dele. Tomou algumas no desespero, para enfrentar
as agruras financeiras. Ao tomá-las, foi buscar quadros e medidas no arsenal da
oposição. Quer isso dizer que a oposição deve ficar paralisada? Não. Política
econômica é questão de dosagem e de credibilidade. A dose parece excessiva, e
todo esforço fiscal pode se esvair na falta de atividade econômica que encolhe
a arrecadação. Segundo, sem um horizonte de esperança, qualquer ajuste pode ser
letal. Com este governo não há recuperação de credibilidade à vista, pois o
cristal se quebrou. E os escândalos de corrupção revelados diariamente se
encarregam de corroer qualquer elo de confiança que o governo queira tecer.
Cabe às oposições mostrar no dia a dia, e não só no Congresso, que o
sofrimento do povo é consequência da ação desatinada dos governos de Lula e
Dilma — da dupla, e não só da última —, que desdenharam das boas práticas de
gestão do Estado. Só na Petrobras, os prejuízos causados por decisões erradas
para atender a pressões políticas chegam a R$ 34 bilhões, fora os R$ 6 bilhões
de propinas! Que dizer do desrespeito sistemático à Lei de Responsabilidade
Fiscal? É prova de imprudência no uso do dinheiro público.
É preciso reavivar a memória do povo, a cada instante, para mostrar que
este ajuste violento não corresponde ao que foi pregado pelo PSDB, não é “o que
o Aécio faria”. O ajuste vai cair nos ombros da população. O aumento de
impostos pega todos, empresários e consumidores, desemprego e reajustes
salariais abaixo da inflação pegam os trabalhadores. A alta das taxas de juros
em doses excessivas aumenta a dívida pública e dificulta o próprio ajuste.
Estas medidas podem eventualmente controlar a inflação, mas reduzem a massa
salarial e diminuem o consumo. Como o governo não corta despesas, a retomada do
crescimento — se houver — terá sido conseguida a enorme custo para o povo.
O refrão das oposições deve ser: chegamos a tais medidas e ao descalabro
atual porque os governos “lulo-petistas” foram irresponsáveis, não se
preocuparam em controlar o gasto público e enganaram o povo, enveredando pela
megalomania. Os royalties do pré-sal, diziam, vão resolver os problemas da
Educação, faremos ao mesmo tempo o trem-bala, a transposição do São Francisco,
a Norte-Sul e a Transnordestina, sem falar nos 800 aeroportos! Concessão de
serviço público é coisa de vende-pátria neoliberal. Daremos empréstimos no Fies
e no Minha Casa Minha Vida, as bolsas acomodarão os miseráveis, e o BNDES dará
subsídios em abundância aos empresários. O Tesouro pagará a farra.
Tanto pior, melhor? Não. Anotada e registrada a responsabilidade política
do petismo, as oposições, em particular o PSDB, têm compromissos com a nação.
Nada justifica arruinar ainda mais o futuro, votando pela derrubada do fator
previdenciário. Nada explica apoiar aumentos de gasto que no futuro serão pagos
com mais impostos, mais inflação e mais ajustes. Em suma, a oposição deve
criticar as políticas petistas, e não se confundir com elas. Não deve, porém,
votar contra os interesses da nação.
Espera-se mais das oposições. Espera-se que apresentem sua visão de
futuro, apontando um rumo ao país. Espera-se que se comprometam com a
construção de uma economia de baixo carbono, impulsionada pela inovação, regida
por regras claras e estáveis, com agências regulatórias independentes, mais e
melhor integrada ao mundo e às cadeias globais de valor. Espera-se que defendam
a reindustrialização do país, sem hesitar na crítica a políticas canhestras de
conteúdo nacional que, sob a pretensão enganosa de estimular a produção local,
acabam por isolar o Brasil e condená-lo à obsolescência tecnológica. Espera-se
que façam da Educação não um slogan, mas de fato uma prioridade do Estado e da
sociedade, que tenham a coragem de dizer que, embora avançando, o Brasil está
ficando para trás em relação a países comparáveis ao nosso, que, frente à
sombra que esse quadro projeta sobre o futuro do país, não receiem enfrentar
dogmas e pressões corporativas que dificultam reformas e inovações
indispensáveis a um salto de qualidade em matéria de Educação.
Espera-se das oposições que sejam progressistas também no campo
comportamental: que não defendam a redução da maioridade penal, mas, sim, a
extensão da pena dos menores infratores em dependências que sejam condizentes
com a dignidade humana; que apoiem como legítimo e justo o casamento entre
pessoas do mesmo sexo; que não fujam ao debate sobre as drogas, que não temam
proclamar que o encarceramento dos usuários é parte do problema, e não da
solução; que sejam assertivas na luta pela igualdade de gênero e contra o
preconceito e a discriminação racial, com o uso adequado de cotas e demais
medidas compensatórias; e que não aceitem retrocessos legais na questão das
terras indígenas.
Espera-se das oposições, sobretudo, que reafirmem seus valores
democráticos. Que digam, em alto e bom som, ser possível e necessário atuar
contra a deliberada violação de direitos humanos, principalmente em países
vizinhos, sem com isso ferir o princípio da não intervenção.
Da mesma maneira, espera-se que reiterem não ter o propósito
antidemocrático de derrubar governos, mas tampouco o temor de cumprir seus
deveres constitucionais, se os fatos e a lei assim o impuserem.
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