No ESTADÃO de 01/9/2015, o texto do competente Ilan Goldfajn, economista-chefe e sócio do Itaú Unibanco:
O Brasil está deprimido, clinicamente. Não consegue ver nenhuma saída
para seus problemas. Percebe o problema fiscal como insolúvel. Tinha metas no
passado? Não conseguiu atingir. Tem metas menores no presente? Já não são
factíveis. E as metas futuras, basta prometer, não? Já ninguém acredita. Mas, e
se for pra valer, cortando gastos? Dizem que estamos no osso (mesmo gastando
mais de 40% do PIB). E aumentar impostos, como no passado? Ninguém mais se submete
a isso. A solução, então, é aceitar o déficit primário? É a pior saída.
Significaria mais inflação, recessão, queda de salário real e piora na
distribuição de renda.
Indicar um déficit primário no Orçamento (em vez de superávit) para o ano
que vem significa admitir que o País não consegue decidir-se por um caminho que
evite o pior. E significa também que não há consenso para transformar um
desequilíbrio no presente em equilíbrio futuro. O resultado será uma dívida
crescente. E um risco Brasil maior. Nesse caso, as agências de classificação
provavelmente reduziriam o grau de investimento do País. Os investidores
reprecificariam os ativos brasileiros no mercado, o que resultaria em queda na
bolsa, depreciação do câmbio e juros maiores nos mercados.
A inflação viraria a solução, na falta de opção. A depreciação do real
aumentaria a inflação, o que reduziria as rendas, em termos reais. Os salários
não conseguiriam acompanhar a inflação, em razão da fraqueza no mercado de
trabalho. As rendas mais baixas sofreriam mais com o aumento da inflação por
estarem menos protegidas e consumirem parcela maior da renda.
A inflação é o imposto regressivo que fecha as contas, à força. É a solução
clássica no Brasil do passado. As diversas lideranças neste país se recusam a
optar por outra solução.
E a solução do passado vai enfrentar as instituições do presente: há
metas de inflação e um Banco Central com responsabilidade para cumpri-las. Para
evitar uma inflação maior a atividade poderá sofrer mais. Na ausência do ajuste
via preços, a economia pode precisar ajustar ainda mais via quantidade.
O próprio risco Brasil maior reduz o investimento, que derruba a
atividade, enfraquecendo o mercado de trabalho. Essa fraqueza destrói empregos
e induz a queda do salário real, o que diminui a massa salarial e o consumo. A
recessão poderia aprofundar-se.
A perda de renda real, que afeta desproporcionalmente os mais pobres,
impactaria a distribuição de renda e a nova classe média. O tão festejado PIB
do povo - dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) -,
infelizmente, alcançaria o PIB dos economistas, como já era de esperar. A nova
classe média sofreria sendo empurrada para classe baixa, uma volta traumática.
O desenrolar acima seria a efetiva saída por não optar. Mas qual é a
verdadeira alternativa?
No presente, cortar mais gastos é visto como muito difícil, assim como
diminuir benefícios é visto como impopular e quase impossível. Mas aumentar a
inflação, perder o grau de investimento, aprofundar a recessão e piorar a
distribuição de renda, essa é uma opção válida?
Recuso-me a acreditar que num país com tanto gasto e tanta ineficiência
não seja possível achar espaço para melhorar. Certamente há frutas baixas a
serem colhidas. O contra-argumento é que, ao contrário da colheita de frutas
nos trópicos, a melhora na economia precisa de um mínimo de organização,
liderança e certo consenso.
É claro que temos problemas considerados “estruturais” (entenda-se, que
vêm de longa data e são considerados de difícil resolução). Acredita-se que a
sociedade tenha adotado um grande “contrato social” desde pelo menos a
Constituição de 1988, cujos benefícios concedidos a vários grupos já não cabem
no PIB. A carga tributária necessária para pagar esse Estado social já paralisa
a economia. A dívida criada para financiar os gastos atingiu um teto, e o risco
de perda do grau de investimento atesta isso.
Dizem que não se pode desperdiçar uma crise para fazer as duras mudanças.
O medo do pior torna o custo da mudança o mal menor. Entre duas opções ruins, o
natural em tempos normais é acreditar numa terceira mais benigna que ainda
virá. Adia-se a decisão à espera dessa opção benigna, que não aparece. As
opções realistas ficam piores. A crise obriga a uma decisão, contanto que haja
um mínimo de organização e liderança.
Há certamente escolhas duras a fazer, revendo benefícios, adequando o
Estado à renda disponível. Nada trivial. É mais fácil dar do que tirar, se autoenganar
do que aceitar a realidade do possível. Mas essa dura realidade não deve ser interpretada como um convite à falta
de posicionamento e a delegar a um futuro distante a tarefa de consertar os
problemas estruturais, a ser resolvida depois de um grande consenso abstrato da
sociedade. A dura tarefa terá de ser feita aqui, e a partir de agora, na forma
como o Brasil se organiza, pelo Congresso e pelo Executivo (neste e nos
próximos). As políticas adotadas hoje não são neutras: pioram ou melhoram os problemas
estruturais.
Alguns ajustes estão a caminho. O câmbio mais depreciado ajuda a diminuir
o déficit em conta corrente e estimula o crescimento dos setores exportadores e
que competem com importados. É uma das poucas fontes de crescimento.
O realismo tarifário aliviou setores e descongelou preços, tirando
distorções relevantes e ajudando a economia. O ajuste parafiscal reviu
programas insustentáveis e diminuiu subsídios. O investimento na infraestrutura
e as reformas do PIS-Cofins e da unificação do ICMS, se aprovadas, são esforços
na direção certa.
Mas é necessário equacionar o problema fiscal, sem o que será difícil
enxergar a retomada da economia e um caminho estável à frente. Para isso será
necessário optar, por exemplo, por um corte maior no curto prazo (e depois
buscar uma reforma que limite o crescimento de gastos no longo prazo). Evita-se
assim a crise que, implicitamente, é escolher a pior opção.
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