Após cinco anos da Grande Recessão brasileira (2015-2016), cabe um balanço das políticas econômicas para sustentar a retomada do crescimento econômico no Brasil. Em 2015, a despeito da enorme contração do produto real, escalada do desemprego e aumento da capacidade ociosa, uma política monetária contracionista foi necessária para reverter o expressivo descolamento das expectativas inflacionárias futuras da meta de inflação anual de 4,5%. Entre janeiro e dezembro de 2015, a taxa Selic saltou de 12,25% para 14,25% ao ano, permanecendo neste nível até outubro de 2016. Com a convergência do IPCA para o centro da meta de inflação, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) reduziu lentamente a taxa de juros básica, até atingir a mínima histórica atual, de 4,25% ao ano.
A crítica principal ao Copom diz respeito não ao aperto monetário na fase inicial da recessão, mas à lentidão com que os juros básicos foram reduzidos nos últimos dois anos, mesmo com expectativas de inflação abaixo da meta, enorme ociosidade e desemprego em massa da força de trabalho.
O governo aposta que a austeridade fiscal será o principal fator de sustentação de um novo ciclo de expansão
Esse ambiente fortemente depressivo da economia brasileira foi reforçado pelo ajuste fiscal em curso desde 2017, concentrando-o apenas na queda dos gastos correntes governamentais (Emenda do Teto de Gastos), mas descartando outras alternativas que contemplassem tanto o lado das despesas como o das receitas orçamentárias, e preservassem um piso mínimo para os investimentos públicos, que despencaram para níveis insatisfatórios no período recente.
O governo continua apostando na hipótese de que a austeridade fiscal será o principal fator de retomada e sustentação de um novo ciclo de expansão. Seus defensores argumentam que, com corte dos gastos públicos, uma maior consolidação fiscal proporcionará a confiança necessária para que os credores do governo não alimentem expectativas de calote da dívida pública e os empresários se disponham a expandir a produção. Essa hipótese sustenta que a recuperação econômica virá fundamentalmente do lado da oferta agregada.
Depois da crise financeira de 2008, ajustes fiscais baseados na hipótese da austeridade expansionista jamais foram adotados nos Estados Unidos, enquanto na zona do Euro, embora tenham sido adotados, redundaram em notório fracasso. É fácil entender por que: corte permanente de gastos governamentais acarreta retração incremental da produção, renda e emprego em escala nacional, reduzindo o crescimento e a arrecadação de impostos. Ao fim e ao cabo, a economia cresce menos e a situação fiscal piora.
No caso brasileiro, mesmo perante as evidências de enorme ociosidade, queda da massa salarial em virtude do elevado desemprego, investimento anêmico e retração das exportações - em suma, insuficiência crônica de demanda efetiva -, o governo continua apostando em que a economia dessa vez decolará, com crescimento do PIB real em torno de 2% em 2020. Dados os aspectos estruturais e conjunturais da economia brasileira, minha avaliação é que essa projeção deverá se revelar, mais uma vez, frustrante.
A maior parte do mercado acredita que, na ausência de fatores externos adversos - como os imprevisíveis impactos do coronavírus sobre a economia mundial -, as taxas de juros básicas em níveis historicamente mínimos (4,25% ao ano, equivalente a cerca de 1% ao ano em termos reais) terão potência suficiente para destravar o crescimento, seja pelo barateamento do custo de capital para investimento, seja pela expansão do consumo das famílias. O curioso é que, mesmo com uma taxa de crescimento do produto industrial pífio no último trimestre de 2019, dissipação dos efeitos positivos das medidas de estímulo ao consumo proporcionados pelos saques das contas ativas do FGTS, queda das vendas externas e PIB real efetivo rodando 4% abaixo do PIB potencial, o governo e o mercado financeiro alimentam a quimera de que o Brasil poderá crescer em torno de 2% em 2020.
Há boas razões para duvidar que isso ocorra, mesmo que eventuais choques externos fiquem fora do radar. Se a equipe econômica não se convencer de que a agenda de reformas estruturais para destravar a oferta agregada, como a previdenciária, tributária, concessões públicas etc., só produz efeitos no médio e no longo prazos e que, sem medidas efetivas de estímulo à demanda agregada, a economia não conseguirá sustentar uma recuperação mais firme, o mais provável é que a economia brasileira cresça em torno de 1,5% ou até menos. Os fatores que justificam tal projeção são eminentemente internos, e nada têm a ver com as turbulências internacionais em curso.
Primeiro, o nível de endividamento das famílias ainda continua elevado; segundo, a recuperação do mercado de trabalho segue lenta para proporcionar incremento robusto do consumo agregado; terceiro, diversas estimativas registram queda expressiva do PIB potencial entre 2015 e 2017 e, a despeito da reversão dessa tendência no período subsequente, o fato é que a queda do PIB real efetivo foi bem mais acentuada do que o PIB potencial desde o início da recessão até o presente, o que confirma um hiato do produto exageradamente negativo, consistente com um ambiente econômico depressivo, e não com uma economia em recuperação cíclica sustentada; e, finalmente, a queda do PIB potencial, aliada a fatores como expectativas de inflação abaixo ou em torno da meta para 2020 e 2021 e forte redução dos prêmios de risco-Brasil, sugere que a taxa de juros real neutra (aquela taxa não observada, consistente com um hiato do produto zero e com inflação estável e na meta) pode ter caído expressivamente e se encontrar abaixo da taxa de juros Selic em termos reais.
Esse conjunto de fatores sugere que, sem estímulos adicionais à demanda agregada, a política monetária per se não terá potência suficiente para produzir recuperação econômica mais robusta. Esse cenário fica agravado pelo fato de que a enorme depreciação cambial observada desde o segundo semestre do ano passado não produziu qualquer efeito positivo nas exportações. Isso não é tudo. Déficit em conta-corrente de 2,8% do PIB em 2019 - cifra totalmente atípica para uma economia travada -, insuficiência de demanda agregada e taxa de crescimento da produtividade do trabalho praticamente nula sinalizam clara tendência de estagnação secular da economia brasileira.
Para além da agenda de reformas microeconômicas, a reversão dessa tendência requer medidas imediatas de estímulo à demanda agregada, em especial a expansão dos investimentos públicos.
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