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sábado, 3 de janeiro de 2015

Daria para voltar a crescer ainda em 2015, mas...

Carlos Pio foi na Universidade de Brasília meu professor e orientador, além de ser um brilhante intelectual. Após longos meses retorna ao Brasil agora em pleno Dilma II. Recentemente publicou no Correio Braziliense a sua visão da atual situação econômica e política brasileira. Crítico severo da então política econômica de Dilma I, mantém um otimismo que esperamos ser realizado a partir de 2015. 

O PT ganhou a eleição presidencial, mas um economista ortodoxo vai mandar na economia. Essa parece ser a conclusão após a nomeação de Joaquim Levy para a Fazenda. Ph.D. em economia por Chicago, a mais ortodoxa escola do planeta, Levy trabalhou para o FMI, para FHC e, sob o comando de Palocci, para Lula. 

Espera-se dele que reverta o arremedo de política macroeconômica legado por Guido Mantega. Solução de mediocridade para o "escândalo do caseiro", que derrubara Palocci, Mantega foi ficando no cargo porque interessou tanto a Lula - que usava seu nome para amainar o esquerdismo anacrônico do PT - quanto a Dilma, que com ele na cadeira de ministro tocava, no grito, uma política econômica dita desenvolvimentista. 

Diga-se de passagem que, no Brasil, desenvolvimentismo sempre significou a submissão completa dos cidadãos mais pobres aos caprichos da ineficiente indústria paulista. Dilma, Mantega, Belchior e Pimentel montaram o pior time econômico de que se tem notícia desde a redemocratização e propagaram uma visão de mundo campineira, contra a qual, bem ou mal, se remava desde a abertura comercial de 1990. Escolhidos a dedo, nenhum dos assessores de primeiro ou segundo escalão tinha currículo acadêmico ou experiência profissional capaz de fazer sombra às parcas credenciais da presidente. 

A cabeça de Mantega foi pedida por todos os que viam nele um medíocre fanfarrão. No entanto, além de aplacar a fome de poder da governanta, sua permanência por longos 9 anos servia para sinalizar ao mercado que Dilma só faz o que quer. Tanto foi assim que, na sequência ao anúncio de Joaquim Levy para comandar a Fazenda, Gilberto Carvalho proclamou: "Quem governa é a presidenta (sic!), não é o ministro. Ministro não tem autonomia para fazer uma política própria, ele faz uma política dirigida pela presidenta, discutida com a presidenta e, ao fim, resolvida pela presidenta (sic! sic! sic!)". 

A obviedade da advertência não é senão a tentativa da cúpula do PT de se mostrar altiva e soberana na hora em que, literalmente, entrega as chaves do cofre ao velho adversário. Mesmo que todos saibamos que Dilma se sujeitou à necessidade de dar qualidade à política econômica, não podemos entender no gesto da presidente o abandono nem do estilo gerentona nem do ranço estatista e dirigista que ela própria imprimiu ao seu primeiro mandato. Dilma se considera uma "economista com perfil tecnocrático" - e não importa que não disponha de diploma ou realizações para darem respaldo à fantasia. 

Mas nem tudo está perdido. Pela primeira vez desde que Henrique Meirelles deixou o Banco Central em 2009, a economia será governada por alguém que, gozando de impecável reputação profissional, não se sujeitará a interferências políticas infundadas, mesmo quando provenientes da mais alta autoridade da República. Ungido ao topo da administração exclusivamente pela reputação como gestor competente e de ideias sensatas, Levy não afagará nem acomodará as diatribes da presidente. 

Seu foco deverá ser nos resultados que pretende impingir às estatísticas econômicas nuas e cruas: inflação declinante e crescimento ascendente; superavit primário crescente; queda nas taxas de risco país e de juros futuros; manutenção do grau de investimento; restabelecimento do equilíbrio nas transações correntes; retomada do investimento privado e da confiança do consumidor. 

O que se espera do ministro é apenas que seja capaz de desbastar o matagal de medidas inconsequentes implementadas por Mantega desde que passou a dividir a gestão da economia com a presidente. O que vai determinar se esses objetivos serão ou não obtidos é a capacidade de Levy para manter Dilma longe da economia. 

Infelizmente, de Levy não se espera que promova uma guinada de 180º na estratégia econômica do país, algo essencial para inaugurar uma rota de crescimento vigoroso e sustentável que poderia ter início já em 2015. Afinal, isso requereria diversas reformas que Dilma e o PT jamais avalizariam. 

Cabe destacar: ambiciosa abertura comercial, gradual e unilateral; transformação do Mercosul em mera área de livre comércio; desmonte imediato do balcão de concessão de privilégios em que se transformou o BNDES e sua transformação num financiador da produtividade do trabalhador; desregulamentação da economia, especialmente a simplificação tributária e o fim das isenções concedidas a setores específicos; gradual eliminação de toda e qualquer restrição à compra, venda, depósito bancário e poupança em moeda estrangeira

Sem reformas desse calibre, as empresas e os trabalhadores brasileiros seguirão ineficientes e pouco integrados à economia global. E seguiremos crescendo menos do que quase todo o mundo. 


CARLOS PIO - Professor de Economia Política Internacional da Universidade de Brasília-UnB http://carlospio.wordpress.com

domingo, 7 de agosto de 2011

Reflexões sobre as fragilidades do Brasil diante da crise financeira global.

O Professor CARLOS PIO, da Universidade de Brasília, traça uma análise da atual situação brasileira e que serve de alerta para quem se acha autosuficiente diante do que acontece na economia mundial. Uma leitura altamente recomendável .

(a) o Brasil chegou ao limite do que pode crescer sem investimentos arrojados do setor privado -- a capacidade instalada da indústria está no pico e o desemprego no ponto mais baixo das últimas décadas;

(b) para investir pesado o setor privado precisa

  • acreditar que vamos crescer muito no futuro -- se não é melhor elevar preços e/ou imports,
  • sentir que o quadro regulatório garante propriedade, contratos, rentabilidade e competitividade frente a concorrente estrangeiros,
  • inflação, câmbio e juros favorecerão lucratividade e competitividade futura,
  • gargalos da infra-estrutura (estradas, portos, aeroportos, energia) e do capital humano (educ, capacit & treinam, saúde e creche) serão equacionados com eficiência;

(c) não bastasse a distância olímpica que separa o mapa cognitivo de nossas elites políticas e as reais necessidades de modernização do País (expostas acima), vivemos uma gravíssima crise política no governo federal -- que é essencialmente uma disputa entre os partidos da base governista por ocupação de postos que garantem apropriação de rents derivados do manejo do orçamento e do quadro regulatório e não de projetos diferentes de intervenção do estado nos domínios da vida privada de todos e cada um de nós;

(d) As crises dos EUA e da parcela latina da Europa (PORT, ESP, ITA) indicam que os principais investidores em nosso país estão em situação de enorme estresse financeiro -- o que poderia ser positivo se fosse apenas uma crise dos respectivos setores públicos (pq aí o setor privado deles poderia investir no exterior), mas é, também, uma crise de seus setores privados. Além desses países, Argentina e Japão estão em situação muito ruim. Resta a China;

(e) sobre a evolução econômica da China e seus impactos sobre a economia brasileira existem enormes pontos de interrogação.

  • a economia Chinesa cresce em bases financeiras sustentáveis ou podemos vir a descobrir que elas são tão frágeis quanto as bolhas americana, européia e japonesa? Há muitos indícios de que bancos chineses são pessimamente capitalizados, que tem ocorrido um boom imobiliário e que os níveis de corrupção são alarmantes. Da mesma forma, crescem os custos para o governo de repressão das demandas políticas (ainda desorganizadas) o que sempre pode resultar em explosão de participação popular e instabilidade política, como ocorreu recentemente no mundo árabe
  • o governo brasileiro aceitará o adensamento ainda maior dos vínculos comerciais, financeiros e produtivos com a China, mesmo que estes estejam baseados em

- exports de commodities daqui e de manufaturados baratíssimos de lá? [Eu, particularmente, não temos essa baboseira de "desindustrialização", mas o topo da nossa equipe econômica acredita e é propensa a responder positivamente às pressões do setor privado local por proteção e subsídio contra a China] - investimentos externos estatais chineses em projetos de infra-estrutura ou agrícolas no Brasil, sujeitos à import de mão-de-obra, máquinas e controle das instalações? - crescimento da participação de empresas industriais chinesas no País?

  • há profunda esquizofrenia no governo e na sociedade brasileira sobre como crescer mais mantendo vínculos com a economia internacional mas sem abdicar de noções arcaicas de soberania nacional, industrialização, nacionalismo econômico, a qual se expressa na inconsistência do conjunto de políticas e regulações econômicas [próximo tópico];

(f) a política econômica Lula-Dilma nem é liberal-social (o que requeriria concentrar o governo no desempenho de atividades em que o estado tem clara vantagem comparativa em relação ao setor privado para liberar regras e extinguir programas para deixar o setor privado se expandir -- nos termos indicados no item "b", acima) e nem socialista-nacionalista (o que implicaria no crescimento dos tentáculos do governo sobre mais e mais setores da economia e a redução das liberdades políticas e, sobretudo, econômicas, como ocorre hj na Argentina, na Venezuela, no Equador). O nosso meio-termo reflete um compromisso entre setores mais conservadores e fisiológicos da política (PMDB, PTB, PR), da sociedade (evangélicos) e da economia (indústria manufatureira presente em todo o território nacional, mas com forte concentração em SP, MG, RJ, PE), de um lado; com toda a esquerda -- seja no campo social/econômico (sindicatos urbanos, MST e demais orgs do mundo rural, ONGs e parte da Igreja católica), seja entre os partidos (PT, PSB, PDT, PCdoB e mesmo PSOL). Esse compromisso se expressa na forma de nacionalismo (obviamente anti-liberal) e estatismo. Não tivéssemos tido as reformas liberais dos anos '90-'00 e a metamorfose político-ideológica de Lula e do PT, talvez essa coalizão jamais se estabelecesse. Como tivemos FHC e a estabilidade macroeconômica (baseada em câmbio flutuante, superávites primários, impostos e juros elevadíssimos e maior integração comercial com o resto do mundo) alocou-se no centro das preocupações dos formadores de opinião e do eleitor mediano brasileiro, há uma natural restrição à expansão do nacionalismo e do estatismo que une conservadores e esquerdistas.

Mas, desde Lula 1, não só não avançamos na agenda de reformas modernizantes (tributária e fiscal, sindical, administrativa e partidária) que renovariam os ambientes econômico e político com vistas a provocar aumento da produtividade e dos investimentos em setores competitivos da economia nacional como temos acompanhado uma contínua (e silenciosa) degradação das condições macro e micro econômicas que amparam a estabilidade.

É isso o que nos fragiliza para enfrentar a crise financeira global.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

A tragédia grega e a comédia brasileira!

O texto abaixo é do amigo professor CARLOS PIO, que com sua mente privilegiada e ácida analisa o panorama econômico internacional e local. Boa leitura.

Temos assistido, atônitos, o desenrolar de mais uma crise financeira. A Grécia é a bola da vez. Apesar do novo protagonista, o enredo da tragédia é o mesmo das crises anteriores: sistema financeiro globalizado, bancos privados internacionais emprestando muito a governos fiscalmente irresponsáveis, governantes que preferem gastar mais a promover reformas condizentes com os novos tempos, sistemas políticos engessados pela força dos grupos de interesse que representam setores privilegiados das respectivas sociedades.

Mais particularmente, quais são os problemas da Grécia? Primeiro, uma dívida externa superior ao tamanho da economia nacional (€ 340bi, ou o equivalente à metade do PIB do Brasil). Segundo, um estado ineficiente, inchado e gastador. Terceiro, um conjunto de regras econômicas, políticas, sociais e culturais que emperram a produtividade das firmas, desestimulam as pessoas a trabalhar mais e de forma inovadora, impõem custos produtivos elevados, incertezas jurídicas e ineficiências generalizadas. Quarto, a impossibilidade de desvalorizar o câmbio uma vez que integra uma união monetária (a zona do Euro). Desde que acompanhada de medidas voltadas para minimizar seus efeitos inflacionários, a desvalorização é uma das medidas mais eficazes para reequilibrar as transações financeiras entre residentes e estrangeiros – porque ajusta automaticamente os custos e os preços domésticos aos internacionais –, possibilitando gerar e economizar divisas e, assim, pagar a dívida externa.

Qual a solução? A maneira mais eficiente de equacionar tais problemas envolve: reestruturar o estado, promovendo o enxugamento dos desperdícios, a prevalência do mérito na administração pública e profundos cortes orçamentários (de preferência poupando apenas os que beneficiam os cidadãos mais pobres ou vulneráveis); reformar as instituições que inibem os ganhos de produtividade – essenciais à prosperidade das pessoas e empresas; eliminar privilégios concedidos a empresas, setores econômicos e grupos da sociedade (como os funcionários públicos) os quais impõem custos elevados a outros grupos – consumidores (famílias e firmas) e contribuintes, por exemplo.

Mas tudo isso é duro demais, tanto para os grupos privilegiados – que não querem largar o tacho – quanto para os governantes, que nestes se apoiam para obter votos, recursos de campanha e emprego, quando abandonam a política. Sinal disso são as marchas diárias de grupos de comunistas e sindicalistas bem-vestidos e alimentados que enfrentam a polícia nas ruas para protestar contra o austero pacote negociado pelo governo com os credores da dívida externa grega. Há razões de sobra para duvidar de que o governo atual – ou qualquer outro – encontre apoio social ou parlamentar para enfrentar a ida dos que não querem os ajustes às instituições do capitalismo na pátria do teatro, da filosofia, das artes plásticas, da mitologia, e de tantas coisas mais.

Por ironia do destino, no mesmo momento em que hordas acampavam à frente do Parlamento grego, em Washington o representante do Brasil declarava apoio a Christine Lagarde, ministra das finanças da França, na disputa pela diretoria-geral do FMI – um dos fiadores dos pacotes de socorro à Grécia. Foi, de fato, mera coincidência, mas uma daquelas cheias de significado. Explico.

Lagarde disputava o cargo com o presidente do Banco Central do México, Agustín Carstens. E o mexicano representava três coisas muito diferentes: uma alternativa latino-americana à dominação europeia no Fundo, justamente quando ele tem que equacionar um problema gigantesco no Velho Continente; uma opção vinda de um país que sofreu mais de uma crise financeira como a que ora afeta a República Helênica; a escolha de um dirigente cujo país realizou diversas reformas econômicas e financeiras nas últimas duas décadas, abriu-se para o mundo e ganhou respeito e mercados ao fazer justamente aquilo que todos, especialmente o FMI, precisará exigir dos gregos – governo, sociedade e empresas.

Mas Guido Mantega preferiu jogar no lixo o discurso (fácil) contra a predominância dos governos de países ricos nos organismos financeiros internacionais, em especial o FMI, a apoiar alguém que tinha todas aquelas qualidades. Ficou com Lagarde para não dar o gostinho da vitória ao liberalismo mexicano. O descompasso de Mantega na política internacional tem uma lógica: procura sonegar, dos brasileiros, tanto o reconhecimento de que o nosso passado grego nacional-desenvolvimentista foi um fracasso retumbante, quanto o árduo aprendizado de que é fundamental reformar as instituições e as mentalidades (política, econômica e empresarial) prevalecentes com vista a promover a eficiência e a prosperidade, como simbolizava o mexicano Carstens.

Diante da tragédia grega, a comédia do governo brasileiro.

terça-feira, 14 de junho de 2011

PIB gordo e salvador.

Recebi nesta data do Professor Carlos Pio, artigo de Raul Velloso, publicado ontem no Estadão sobre o PIB gordo e salvador.
Poucos perceberam, mas foi o efeito estatístico - que anabolizou o Produto Interno Bruto (PIB) - a salvação da economia sem a necessidade de uma forte rearrumação estrutural neste início de governo.
Entre 2003 e 2008 os resultados fiscais haviam aumentado firme e sistematicamente, passando, no caso da União, de 2,3% do PIB, no final de 2003, para 3,1% do PIB, em outubro de 2008, às vésperas da crise. Graças a isso e à melhora dos demais parâmetros relevantes, a razão dívida-PIB caiu de mais de 50% para 37,5% do PIB, um senhor ajuste. Nesse ínterim, tanto a receita quanto a despesa cresceram cerca de 9% ao ano acima da inflação, aproximadamente o dobro da atual taxa de crescimento sustentável do PIB. Viva o espetacular aumento da receita, pois graças a ele e dado que o valor inicial da receita era maior do que o da despesa, obviamente o superávit teria de aumentar.
Veio a crise e com ela a derrocada da atividade econômica e da arrecadação. Para se contrapor à crise, além das medidas de expansão monetária, o governo até aumentou o crescimento real dos gastos. Em consequência, os superávits agora caíam, chegando há pouco à faixa de 1,3% do PIB nos últimos 12 meses, se descontarmos o ganho temporário de 0,9% do PIB atribuído à operação de capitalização da Petrobrás, de setembro de 2010.
Analistas reclamaram dessa e de outras medidas que soaram como artificiais, mas em clima de otimismo o que vale não é a cifra pessimista de 1,3% do PIB, e, sim, a marca oficial de 2,2% do PIB para o superávit primário da União, nos últimos 12 meses, e no "fundo do poço" pós-crise correspondendo ao valor médio observado entre setembro e janeiro de 2011. Adicionando-se a essa marca oficial os resultados somados dos demais níveis, chega-se a um superávit total capaz de, juntamente com os demais parâmetros, gerar a queda e posterior estabilização da razão dívida-PIB para a atual marca de 40% do PIB, em que parece ter finalmente estabilizado e tranquilizado os mercados quanto à possível volta de temores de perda de controle da dívida. Registre-se que, depois de ter caído para 37,5% do PIB até setembro de 2008, essa razão, diante da crise, subira novamente para o nível de 43,5% em outubro de 2009.
Diante da necessidade de reafirmar a política de redução da razão dívida-PIB e da aceleração inflacionária decorrente do forte crescimento da economia e de outros fatores, o governo resolveu anunciar corte elevado de gastos para 2011, no contexto da revisão do Orçamento aprovado no Congresso Nacional. Como se tratava de corte em intenções, e não em relação aos gastos efetivos de 2010, o anúncio deixou muitas dúvidas. Para evitar uma maior subida das taxas de juros e/ou um pacote mais pesado de "medidas prudenciais", foi prometido um forte ajuste fiscal no primeiro semestre de 2011. Ou seja, um forte aumento do superávit na sua execução de caixa.
Conhecidos os números até abril, a reação geral dos analistas do mercado financeiro parece bastante favorável à gestão fiscal desses primeiros meses, como se percebe pela queda da inflação esperada, com base nas já tradicionais coletas do Banco Central. Mas há quem conteste o acerto da política adotada.
O que houve de fato? As autoridades sabem que, afora medidas atípicas, trata-se de aumentar a receita a taxas maiores que as das despesas primárias, para compensar a fase aguda da crise, quando se dera o contrário: a receita caiu, enquanto a despesa subia. No curto prazo, tudo vale. A longo prazo, depende de um projeto de ajuste estrutural do gasto, talvez conjugado com uma reforma tributária eficiente, algo que ainda não existe.
Nos primeiros trimestre e quadrimestre de 2011, a receita líquida da União cresceu entre 16% e 18% em termos nominais, basicamente na parcela puramente de natureza tributária, influenciada pelo elevado crescimento do PIB de 2010. Já a despesa total subiu bem menos: 7,1% e 9,7%, respectivamente. Fez-se, assim, o que era preciso fazer para recuperar os superávits perdidos.
No primeiro trimestre, Previdência e pessoal, com 64% do gasto total em 2010, cresceram, respectivamente, 5,1% e 3,6%, ou seja, abaixo da inflação. Isso se deveu em parte ao fato de que, pela política atual, o salário mínimo não teve aumento real positivo, algo que será compensado no ano que vem, com forte impacto no gasto futuro. E também porque o governo resolveu adiar para o mês de abril o pagamento das despesas relacionadas com sentenças judiciais de pessoal e Previdência, que costumavam ocorrer no primeiro trimestre. Assim, no primeiro quadrimestre, o crescimento desses dois itens aumentou para a faixa de 10% a 11%, ainda abaixo do aumento da receita. Note que os investimentos cresceram apenas 4,5% no primeiro quadrimestre, mas isso se explica porque 2010 foi ano eleitoral.Graças, principalmente, ao forte crescimento do PIB de 2010, que explica boa parte do desempenho da arrecadação, a batalha de curto prazo foi ganha até agora. Ponto para o governo. Mais à frente, com a economia desaquecida, as reformas talvez sejam a única saída.

domingo, 5 de junho de 2011

A agenda neoliberal do PT.

Recebi via professor CARLOS PIO o artigo da SUELY CALDAS, professora da PUC RJ, publicado hoje no ESTADÃO, com o sugestivo título: A AGENDA NEOLIBERAL DO PT.

Para provar que o governo não parou com a crise Palocci, na última semana o governo Dilma anunciou três importantes novidades da chamada "agenda positiva": a privatização de três aeroportos, o plano Brasil sem Miséria e a abertura do mercado de TV a cabo para as empresas de telecomunicações. Neste momento difícil para seu governo e para os dois maiores partidos que a apoiam, Dilma Rousseff precisava reagir rapidamente e provar ao País que sua gestão tem rumo, não está perdida nem imobilizada. Recorreu a uma agenda para sair do inferno e recuperar o otimismo, propondo ações que, em passado bem recente, o PT rotulava de "neoliberais", sem saber direito o que dizia e sem preocupação em conhecer, por puro e oportunista preconceito ideológico.

Seguindo a estrutura do programa Bolsa-Família, o Brasil sem Miséria aboliu o princípio da universalização em programas sociais - defendido por ideólogos do PT até a ascensão de Lula (vide o programa Renda Mínima, do senador Eduardo Suplicy) - e adotou o princípio da focalização, que esses mesmos ideólogos condenavam pelo simples fato de ser recomendado pelo "neoliberal" Banco Mundial. O foco na miséria e na pobreza foi o princípio que estruturou o Bolsa-Escola, criado no governo FHC e que deu origem ao Bolsa-Família, o mais bem-sucedido programa social de todos os tempos, que tirou da miséria 28 milhões de brasileiros.

O Brasil sem Miséria traz duas intrigantes novidades. A primeira: ao longo de dois anos 70 mil famílias muito pobres receberão doação de R$ 2.400, em parcelas trimestrais, para preservar florestas e vender sua produção de alimentos. Não se sabe como o governo mapeou e identificou essas famílias, mas, fora da Amazônia, não há pessoas muito pobres com terras tão extensas a ponto de abrigar florestas. A segunda novidade é universalizar o acesso à água, com a construção de cisternas para uso de 600 mil famílias na área rural. Uma meta factível, nada difícil de cumprir, visto que, segundo o IBGE, dos 5.564 municípios brasileiros, só 33 não dispõem de água potável. Porém, surpreendentemente, o programa que promete erradicar a miséria ignora o escasso acesso à coleta de esgotos e detritos, potencial fonte reprodutora de pobreza, doenças e exclusão social. A urgência de uma ação eficaz nessa área contrasta com a lentidão da ação de sucessivos governos: de 2000 a 2010, a rede de esgotos instalada no País cresceu só de 42% para 45% dos lares. Sem atacar o problema, fica difícil falar em acabar com a miséria.

Como chega com enorme atraso, a decisão de privatizar os Aeroportos de Brasília, Guarulhos e Viracopos exige cuidado redobrado em todo o processo, porque a pressa pode custar caro ao País. Primeiro, é indispensável capacitar e fortalecer a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), torná-la eficiente na fiscalização e regulação e não permitir exageros dos consórcios privados vencedores, a começar pelas tarifas cobradas dos 43,7 milhões de usuários desses aeroportos. Segundo, a definição do modelo operacional e dos editais de licitação deveria ser confiada a uma empresa experiente e especializada, claro, sob orientação da Secretaria de Aviação Civil e do BNDES. Esse momento é crucial em qualquer privatização, quando definições de metas de expansão, prazos de concessão, regras de reajuste de tarifas, inúmeros detalhes de interesse público são firmados em contrato com os consórcios vencedores. O governo precisa avançar nessa direção o quanto antes.

Por último, a abertura do mercado de TV a cabo para empresas de telefonia foi enfim formatada pela Anatel. Bem-vindas a expansão do serviço e a concorrência, onde hoje só há monopólio, e a banda larga e a internet, onde não há nada. Em oposição ao monopólio, a abertura de mercado é sempre acompanhada do ingresso de novas empresas no setor, aumento do faturamento, queda de preços ao consumidor e geração de empregos. No Brasil isso ocorreu com o fim do monopólio da Petrobrás e da Telebrás e a privatização das teles estaduais. Na época o PT foi contra, preferia o paralisado e anacrônico monopólio estatal.

terça-feira, 5 de abril de 2011

O pêndulo da economia.

Recebi do Professor CARLOS PIO, o texto abaixo escrito pelo ILAN GOLDFAJN para o ESTADÃO edição de hoje. Boa leitura!

Outro dia pensei no pêndulo. Não naquele em que Galileu Galilei desenvolveu os seus estudos, mas sim no campo das ideias e da política econômica. O mundo já favoreceu o câmbio flutuante para depois fixar o câmbio, antes de voltar a gostar da flexibilidade do câmbio. A oscilação pendular ocorre também em outras áreas da economia. E atualmente?

Após a crise internacional, o mundo quer mudar. Observam-se novas medidas e ideias. Todos querem evitar nova crise de tamanha perda de riqueza, produção e emprego, como ocorreu. Acadêmicos estão debruçados em entender as causas do episódio e as lições para a frente. Autoridades querem atuar de forma a evitar excessos e bolhas, precursores da queda, e já atuam de forma diferente. Alguns analistas entendem a situação atual como um marco para a mudança de ideias e políticas econômicas. Mas quais serão as mudanças permanentes e quais não sobreviverão ao teste do tempo? Que tipo de mudança é benéfico e qual é simplesmente uma sobrerreação à crise?

Em vez de especular sobre a direção que as novas ideias e políticas podem tomar, aproveito para listar alguns aspectos de política econômica que me parecem que devam permanecer após o atual brainstorming (livre pensar é só pensar):

Crescimento sustentável é consequência de esforços árduos que levem a ganhos de produtividade, inovações, além de investimentos significativos, inclusive na qualidade da educação. Não há caminho fácil. O crescimento sustentável vai continuar precisando de um ambiente estável, sem inflação nem altos riscos soberanos (dívidas públicas altas), de forma a permitir enxergar o futuro longínquo, fundamental para implementar os projetos de longo prazo.

Inflação de demanda continuará existindo (assim como choques de oferta). Se houver mais demanda de mão de obra do que oferta disponível, o salário vai acabar subindo. Se a demanda de um bem é tal que a oferta não consegue acompanhar, haverá reajustes de preço. Excesso de demanda terá de ser combatido por alguma medida de contenção (fiscal, juros, crédito, etc.) que levará a alguma desaceleração temporária (enquanto dure o excesso) de demanda e nível de atividade.

Não há almoço grátis no combate à inflação. Todos os instrumentos utilizados para combater a inflação têm algum efeito colateral (além do próprio desaquecimento, que não é efeito colateral, é o próprio objetivo de arrumar a casa para o crescimento sustentado). Combater a inflação via subida de juros tem efeitos colaterais, encarece a dívida (não prefixada) dos devedores, em especial dos governos. Combater a inflação via medidas macroprudenciais, entendidas como medidas administrativas que afetam a quantidade e o preço do crédito, pode gerar distorções (setores mais afetados que outros) e desintermediação da economia (busca de canais não regulados de crédito).

A tarefa de combate à inflação é facilitada quando os que reajustam preços e salários acreditam numa trajetória benigna para o futuro. Quanto mais benigna a visão, menor será o desaquecimento necessário para combater uma determinada inflação. Os bancos centrais provavelmente continuarão no seu esforço de convencer todos do plano de ação, independentemente da forma como se medem essas visões (ou expectativas de inflação).

No médio e longo prazos, o juro nominal da economia vai ser tanto menor quanto mais baixa for a inflação da economia. Metas de inflação convergentes para o padrão internacional serão premiadas com juros nominais menores, importantes para ajudar desenvolver o financiamento de longo prazo.

A regulação em vários setores da economia continuará sendo periodicamente reavaliada. Certamente haverá um aumento de medidas de prevenção contra o crescimento exagerado de preços de ativos (como já vem sendo feito). Medidas macroprudenciais têm o objetivo de evitar bolhas e instabilidade financeira que as seguem. Provavelmente, crises iguais à do passado serão evitadas. Mas novas crises poderão surgir, vindas de causas ainda não imaginadas. A História demonstra que novas distorções aparecem e crises são recorrentes.

Controles de capital não serão a solução permanente para os desequilíbrios locais e globais. Independentemente do debate sobre a eficácia dos controles de capital (se há como evitá-los), excessos de fluxos terão de ser combatidos com as políticas macroeconômicas adequadas. Políticas fiscais relativamente expansionistas dos receptores terão de se ajustar (porque pressionam os juros para cima e demandam fluxos), assim como políticas monetárias expansionistas nos países exportadores de capital (porque reduzem juros e induzem saídas). Além disso, os fluxos também tenderão a fluir para os países que apresentem as melhores perspectivas de crescimento, não obstante as medidas de controle de capital.

O investimento total continuará sendo composto de uma parcela pública e outra privada. O investimento público continuará dependendo dos recursos à disposição do governo. O investimento privado continuará sendo essencial e fluirá para as jurisdições que ofereçam as melhores condições, entre elas o respeito aos contratos, regras claras e agências reguladoras com liberdade para trabalhar.

O pêndulo está em movimento, provavelmente haverá sobrerreação à crise. Algumas novas (e renovadas) ideias serão postas em prática, somente para depois serem descartadas. Outras (poucas) novas ideias serão consideradas boas práticas e incorporadas ao conhecimento coletivo, após serem postas à prova. Em seu devido tempo, serão criticadas e questionadas, talvez após uma nova crise futura. Mas há ideias e práticas que permanecerão valendo. Listei apenas algumas que me parecem gerais o suficiente para tal. Importante reconhecer quais são para evitar oscilar aos sabores da última crise.

domingo, 19 de setembro de 2010

O PREÇO DE BENS NO BRASIL.

CARLOS PIO foi meu professor na Universidade de Brasília e é um intelectual inteligente que conhece da economia política à economia. Por isso, divulgo para os meus quase dois leitores, e-mail que ele recentemente enviou ao jornalista CARLOS SARDENBERG - TV GLOBO, sobre um assunto que tem tudo a ver com o nosso mundo real: o preço dos bens que pagamos no Brasil. Afinal, quem nunca questionou quanto é caro comprar determinados bens no Brasil?

Prezado Jornalista,

Sua campanha para denunciar que pagamos mais pelos mesmos produtos globais do que os nossos vizinhos e para explicar porque isso ocorre é maravilhosa.

Como professor de Economia Política Internacional da UnB há mais de 10 anos, tenho obtido muito sucesso em cruzada muito semelhante, semestre após semestre, com turmas de 50 alunos que chegam do ensino médio sabendo de cor todos os argumentos protecionistas recitados pelos professores de Geografia e História e pelos nossos empresários e governantes por meio da imprensa. (Vide, nas duas últimas semanas, a cruzada em defesa da proteção comercial e do subsídio liderada por gente como Correia de Lacerda, Steinbruch, Skaff, Mantega, Coutinho, etc.)

Acho que nos seus próximos artigos vc deveria reforçar vários pontos, que me animo em apontar:

1. A excessiva proteção comercial do Mercosul foi uma imposição brasileira aos parceiros menores e tradicionalmente mais liberais. Ela é a maior responsável pelos diferencias de preços de produtos globais que chegam aqui e em outros países. No Peru, por exemplo, um Honda Civic custa US$ 20 mil enquanto custa o dobro aqui. Almocei semanas atrás com um diplomata de país asiático recém-chegado a Brasília que me disse que o novo Hyunday i35 custa US$ 18 mil em seu país e US$ 110mil aqui. Mesmo podendo abater os impostos domésticos praticados no Brasil, ele preferiu pagar US$ 20mil a uma importadora (por ser diplomata estrangeiro servindo no Brasil ele tem direito de importar o carro que quiser) para lhe entregar o carro em sua casa.

2. Os formuladores de políticas industriais e comerciais (ou de desenvolvimento) e os políticos de todos os partidos professam uma crença enganosa de que a proteção comercial gera empregos no Brasil, por isso é vantajosa. Que a crença é falsa, a literatura empírica especializada já tratou de demonstrar há muito tempo -- vide os textos clássicos de Krugman, Bhagwati, Irwin, Anne Krueger, Eliana Cardoso, etc. O argumento defendido por nossos influentes políticos e tecnocratas heterodoxos não se sustenta porque a proteção encarece o produto produzido localmente (pela falta de concorrência, pela falta de liberdade para importar tecnologia e insumos) que acaba sendo vendido quase que exclusivamente aqui mesmo (salvo quando o empresário pouco competitivo internacionalmente ainda ganha um bônus na forma de subsídio à exportação). Pois bem, os consumidores locais (família e empresas) têm que comprar mais caro o que existe disponível na economia internacional por preço muito mais em conta e, com isso perdem bem-estar (as famílias) e competitividade internacional (as empresas). A acumulação de capital sai prejudicada. No conjunto, empobrecemos.

Para continuar com meu exemplo anterior do Honda Civic, as empresas de aluguel de veículos, como a Localiza e a Unidas, têm que optar entre adquirir carros baratos e de má qualidade -- como o Pálio 1.0, câmbio manual -- e os carros "nacionais" de luxo exorbitantemente mais caros do que se pratica no resto do mundo. Com os preços altos aqui e a impossibilidade de importar, elas oferecem a seus clientes carros ruins e caros a preços internacionais e empregam menos pessoas do que poderiam se os carros tivessem preços competitivos e elas pudessem ter uma frota mais ampla em todo o território nacional. O resultado é que o emprego gerado nas cidades onde se instalam as montadoras é compensado pelo desemprego de potenciais trabalhadores de empresas que deixam de adquirir automóveis em quantidade maior e que se espalham por todo o território nacional.

O burocrata heterodoxo acaba decidindo onde haverá demanda por emprego e por qual tipo de emprego, mas não é capaz de determinar um aumento geral do nível de emprego do País por meio da proteção comercial à indústria.

3. Câmbio flutuante e metas de inflação em nível internacional eliminam a possibilidade de crise cambial em decorrência da decisão de unilateralmente abrir a economia nacional às importações. Argumentei isso em artigo publicado no caderno de Economia do Estado de S. Paulo ("São as importações, estúpido!"), publicado em 30/1/2010. Quanto mais se importar, mais o real se desvalorizará automaticamente, encarecendo as importações. Da mesma forma, se nenhum outro país comprar produtos e serviços de empresas brasileiras, não entram dólares aqui e o real fica muito barato, barateando os preços do que se exporta daqui e encarecendo os produtos estrangeiros. Que não há crise cambial em economias abertas ao comércio e com regime de câmbio flutuante e inflação baixa é um fato que poucos brasileiros reconhecem.

Mais uma vez, parabéns pela iniciativa!

Abraço,

Carlos Pio Professor of International Political Economy, Universidade de Brasília.

O PREÇO DE BENS NO BRASIL.

CARLOS PIO foi meu professor na Universidade de Brasília e é um intelectual inteligente que conhece da economia política à economia. Por isso, divulgo para os meus quase dois leitores, e-mail que ele recentemente enviou ao jornalista CARLOS SARDENBERG - TV GLOBO, sobre um assunto que tem tudo a ver com o nosso mundo real: o preço dos bens que pagamos no Brasil. Afinal, quem nunca questionou quanto é caro comprar determinados bens no Brasil?

Prezado Jornalista,

Sua campanha para denunciar que pagamos mais pelos mesmos produtos globais do que os nossos vizinhos e para explicar porque isso ocorre é maravilhosa.

Como professor de Economia Política Internacional da UnB há mais de 10 anos, tenho obtido muito sucesso em cruzada muito semelhante, semestre após semestre, com turmas de 50 alunos que chegam do ensino médio sabendo de cor todos os argumentos protecionistas recitados pelos professores de Geografia e História e pelos nossos empresários e governantes por meio da imprensa. (Vide, nas duas últimas semanas, a cruzada em defesa da proteção comercial e do subsídio liderada por gente como Correia de Lacerda, Steinbruch, Skaff, Mantega, Coutinho, etc.)

Acho que nos seus próximos artigos vc deveria reforçar vários pontos, que me animo em apontar:

1. A excessiva proteção comercial do Mercosul foi uma imposição brasileira aos parceiros menores e tradicionalmente mais liberais. Ela é a maior responsável pelos diferencias de preços de produtos globais que chegam aqui e em outros países. No Peru, por exemplo, um Honda Civic custa US$ 20 mil enquanto custa o dobro aqui. Almocei semanas atrás com um diplomata de país asiático recém-chegado a Brasília que me disse que o novo Hyunday i35 custa US$ 18 mil em seu país e US$ 110mil aqui. Mesmo podendo abater os impostos domésticos praticados no Brasil, ele preferiu pagar US$ 20mil a uma importadora (por ser diplomata estrangeiro servindo no Brasil ele tem direito de importar o carro que quiser) para lhe entregar o carro em sua casa.

2. Os formuladores de políticas industriais e comerciais (ou de desenvolvimento) e os políticos de todos os partidos professam uma crença enganosa de que a proteção comercial gera empregos no Brasil, por isso é vantajosa. Que a crença é falsa, a literatura empírica especializada já tratou de demonstrar há muito tempo -- vide os textos clássicos de Krugman, Bhagwati, Irwin, Anne Krueger, Eliana Cardoso, etc. O argumento defendido por nossos influentes políticos e tecnocratas heterodoxos não se sustenta porque a proteção encarece o produto produzido localmente (pela falta de concorrência, pela falta de liberdade para importar tecnologia e insumos) que acaba sendo vendido quase que exclusivamente aqui mesmo (salvo quando o empresário pouco competitivo internacionalmente ainda ganha um bônus na forma de subsídio à exportação). Pois bem, os consumidores locais (família e empresas) têm que comprar mais caro o que existe disponível na economia internacional por preço muito mais em conta e, com isso perdem bem-estar (as famílias) e competitividade internacional (as empresas). A acumulação de capital sai prejudicada. No conjunto, empobrecemos.

Para continuar com meu exemplo anterior do Honda Civic, as empresas de aluguel de veículos, como a Localiza e a Unidas, têm que optar entre adquirir carros baratos e de má qualidade -- como o Pálio 1.0, câmbio manual -- e os carros "nacionais" de luxo exorbitantemente mais caros do que se pratica no resto do mundo. Com os preços altos aqui e a impossibilidade de importar, elas oferecem a seus clientes carros ruins e caros a preços internacionais e empregam menos pessoas do que poderiam se os carros tivessem preços competitivos e elas pudessem ter uma frota mais ampla em todo o território nacional. O resultado é que o emprego gerado nas cidades onde se instalam as montadoras é compensado pelo desemprego de potenciais trabalhadores de empresas que deixam de adquirir automóveis em quantidade maior e que se espalham por todo o território nacional.

O burocrata heterodoxo acaba decidindo onde haverá demanda por emprego e por qual tipo de emprego, mas não é capaz de determinar um aumento geral do nível de emprego do País por meio da proteção comercial à indústria.

3. Câmbio flutuante e metas de inflação em nível internacional eliminam a possibilidade de crise cambial em decorrência da decisão de unilateralmente abrir a economia nacional às importações. Argumentei isso em artigo publicado no caderno de Economia do Estado de S. Paulo ("São as importações, estúpido!"), publicado em 30/1/2010. Quanto mais se importar, mais o real se desvalorizará automaticamente, encarecendo as importações. Da mesma forma, se nenhum outro país comprar produtos e serviços de empresas brasileiras, não entram dólares aqui e o real fica muito barato, barateando os preços do que se exporta daqui e encarecendo os produtos estrangeiros. Que não há crise cambial em economias abertas ao comércio e com regime de câmbio flutuante e inflação baixa é um fato que poucos brasileiros reconhecem.

Mais uma vez, parabéns pela iniciativa!

Abraço,

Carlos Pio Professor of International Political Economy, Universidade de Brasília.

O PREÇO DE BENS NO BRASIL.

CARLOS PIO foi meu professor na Universidade de Brasília e é um intelectual inteligente que conhece da economia política à economia. Por isso, divulgo para os meus quase dois leitores, e-mail que ele recentemente enviou ao jornalista CARLOS SARDENBERG - TV GLOBO, sobre um assunto que tem tudo a ver com o nosso mundo real: o preço dos bens que pagamos no Brasil. Afinal, quem nunca questionou quanto é caro comprar determinados bens no Brasil?

Prezado Jornalista,

Sua campanha para denunciar que pagamos mais pelos mesmos produtos globais do que os nossos vizinhos e para explicar porque isso ocorre é maravilhosa.

Como professor de Economia Política Internacional da UnB há mais de 10 anos, tenho obtido muito sucesso em cruzada muito semelhante, semestre após semestre, com turmas de 50 alunos que chegam do ensino médio sabendo de cor todos os argumentos protecionistas recitados pelos professores de Geografia e História e pelos nossos empresários e governantes por meio da imprensa. (Vide, nas duas últimas semanas, a cruzada em defesa da proteção comercial e do subsídio liderada por gente como Correia de Lacerda, Steinbruch, Skaff, Mantega, Coutinho, etc.)

Acho que nos seus próximos artigos vc deveria reforçar vários pontos, que me animo em apontar:

1. A excessiva proteção comercial do Mercosul foi uma imposição brasileira aos parceiros menores e tradicionalmente mais liberais. Ela é a maior responsável pelos diferencias de preços de produtos globais que chegam aqui e em outros países. No Peru, por exemplo, um Honda Civic custa US$ 20 mil enquanto custa o dobro aqui. Almocei semanas atrás com um diplomata de país asiático recém-chegado a Brasília que me disse que o novo Hyunday i35 custa US$ 18 mil em seu país e US$ 110mil aqui. Mesmo podendo abater os impostos domésticos praticados no Brasil, ele preferiu pagar US$ 20mil a uma importadora (por ser diplomata estrangeiro servindo no Brasil ele tem direito de importar o carro que quiser) para lhe entregar o carro em sua casa.

2. Os formuladores de políticas industriais e comerciais (ou de desenvolvimento) e os políticos de todos os partidos professam uma crença enganosa de que a proteção comercial gera empregos no Brasil, por isso é vantajosa. Que a crença é falsa, a literatura empírica especializada já tratou de demonstrar há muito tempo -- vide os textos clássicos de Krugman, Bhagwati, Irwin, Anne Krueger, Eliana Cardoso, etc. O argumento defendido por nossos influentes políticos e tecnocratas heterodoxos não se sustenta porque a proteção encarece o produto produzido localmente (pela falta de concorrência, pela falta de liberdade para importar tecnologia e insumos) que acaba sendo vendido quase que exclusivamente aqui mesmo (salvo quando o empresário pouco competitivo internacionalmente ainda ganha um bônus na forma de subsídio à exportação). Pois bem, os consumidores locais (família e empresas) têm que comprar mais caro o que existe disponível na economia internacional por preço muito mais em conta e, com isso perdem bem-estar (as famílias) e competitividade internacional (as empresas). A acumulação de capital sai prejudicada. No conjunto, empobrecemos.

Para continuar com meu exemplo anterior do Honda Civic, as empresas de aluguel de veículos, como a Localiza e a Unidas, têm que optar entre adquirir carros baratos e de má qualidade -- como o Pálio 1.0, câmbio manual -- e os carros "nacionais" de luxo exorbitantemente mais caros do que se pratica no resto do mundo. Com os preços altos aqui e a impossibilidade de importar, elas oferecem a seus clientes carros ruins e caros a preços internacionais e empregam menos pessoas do que poderiam se os carros tivessem preços competitivos e elas pudessem ter uma frota mais ampla em todo o território nacional. O resultado é que o emprego gerado nas cidades onde se instalam as montadoras é compensado pelo desemprego de potenciais trabalhadores de empresas que deixam de adquirir automóveis em quantidade maior e que se espalham por todo o território nacional.

O burocrata heterodoxo acaba decidindo onde haverá demanda por emprego e por qual tipo de emprego, mas não é capaz de determinar um aumento geral do nível de emprego do País por meio da proteção comercial à indústria.

3. Câmbio flutuante e metas de inflação em nível internacional eliminam a possibilidade de crise cambial em decorrência da decisão de unilateralmente abrir a economia nacional às importações. Argumentei isso em artigo publicado no caderno de Economia do Estado de S. Paulo ("São as importações, estúpido!"), publicado em 30/1/2010. Quanto mais se importar, mais o real se desvalorizará automaticamente, encarecendo as importações. Da mesma forma, se nenhum outro país comprar produtos e serviços de empresas brasileiras, não entram dólares aqui e o real fica muito barato, barateando os preços do que se exporta daqui e encarecendo os produtos estrangeiros. Que não há crise cambial em economias abertas ao comércio e com regime de câmbio flutuante e inflação baixa é um fato que poucos brasileiros reconhecem.

Mais uma vez, parabéns pela iniciativa!

Abraço,

Carlos Pio Professor of International Political Economy, Universidade de Brasília.

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