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sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Crescimento menor com Dilma.


LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, hoje na FOLHA DE S.PAULO.  

Pretendia hoje refletir sobre a situação na Europa, depois da aprovação do novo pacote de medidas para enfrentar a crise na zona do euro. Estava relativamente otimista, pois as decisões tomadas superaram as expectativas dos analistas. Como sou adepto da teoria de que para enfrentar um problema estrutural que depende de consenso político é preciso fatiá-lo e resolvê-lo ao longo do tempo, estava confiante.

Mas a decisão do primeiro-ministro grego de levar a questão da adesão ao pacote a uma consulta popular voltou a tornar instável o futuro imediato do euro e a pressionar os governos por uma nova rodada de medidas. A ameaça grega recolocou a Itália na berlinda, provocando nova rodada de aumento no risco político associado a seus títulos soberanos de crédito. Por sorte, essa nova rodada de pânico nos mercados acontece quando os governantes do G20 estão reunidos em Cannes para um de seus encontros formais periódicos.

Talvez seja boa oportunidade para chegar a um entendimento para trazer novos recursos, externos à Europa, para aumentar o poder de fogo do Fundo Europeu de Estabilização Financeira. Mas as decisões do G20 e do Parlamento grego só serão conhecidas depois de ter escrito minha coluna.

Por isso, aproveito para tratar de outra questão que tem dominado o debate econômico no Brasil nos últimos dias: o enfraquecimento mais acelerado da economia, principalmente no segmento da indústria. Segundo projeções da equipe de economistas da Quest, ela não vai crescer em 2011. O crescimento do PIB também deve apresentar resultados mais modestos neste ano.

A desaceleração da economia está sendo maior do que eu esperava. E não se pode jogar a culpa na crise externa, pois seus efeitos no Brasil ainda são muito pequenos e contraditórios. Por exemplo, em relação à inflação, o cenário externo tem tido efeitos benignos via preços das commodities. Por isso, alguns fatores internos, menos conhecidos, devem estar afetando nossa economia.

Uma primeira hipótese que venho trabalhando há alguns meses é a de que forças expansionistas temporárias, que atuaram no segundo mandato de Lula, estão perdendo força.

Um exemplo é o crescimento do crédito, que chegou a dois dígitos em 2007/8 e hoje está na faixa de 6,8%. Em 2007, o total de crédito na economia estava muito abaixo dos padrões internacionais; hoje, principalmente no financiamento de bens duráveis, já está em níveis compatíveis ao de economias mais avançadas e vai crescer bem mais lentamente daqui por diante.

Outro exemplo do esgotamento do crescimento do consumo via crédito pode ser encontrado na chamada classe média emergente. Esses brasileiros que, ao longo dos últimos anos, passaram a ter acesso ao crédito via bancos ou grandes varejistas, já enfrentam problemas para honrar seus compromissos, mesmo com os salários crescendo a taxas reais de cerca de 3% ao ano. Como não temos a incorporação de novos membros das classes de renda mais baixa por total falta de qualificação profissional, esse impulso no consumo tende a desaparecer.

Finalmente, a concorrência das importações também joga a favor de um crescimento mais modesto. Nos anos passados, mais importações representaram válvula de escape contra a inflação via maior oferta de bens; hoje, afetam também o crescimento da indústria.

A tabela ao lado mostra os sinais claros de crescimento mais fraco sob Dilma quando comparado com o segundo mandato de seu criador.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Fim de semana para ser lembrado.


LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 68, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso). Escreveu este artigo especialmente para a FOLHA DE S. PAULO.

No próximo fim de semana teremos um encontro de chefes de Estado da zona do euro para definição das regras do Feef (Fundo Europeu de Estabilização Financeira), aprovado nos últimos meses pelos parlamentos nacionais.

O Feef terá o total de € 440 bilhões para atuar na estabilização do mercado de títulos de dívida soberana de vários países da região. Em sua primeira versão, o Feef já realizou, com o Fundo Monetário Internacional, três operações de financiamento aos tesouros da Grécia, da Irlanda e de Portugal. Vivia-se então a ilusão de que esses recursos seriam suficientes para isolar esses pequenos países em crise do chamado núcleo duro da Comunidade Europeia.

Mas a crise fiscal se mostrou mais grave do que a prevista pelos políticos. A desconfiança dos mercados chegou rapidamente aos títulos da Espanha e da Itália.

Além disso, ficou claro que os bancos alemães e franceses eram os grandes detentores de títulos da dívida dos chamados Pigs. Os mercados passaram a temer, então, por uma crise bancária sistêmica, com repercussões em outras regiões fora da Europa. Pelo canal financeiro, a crise europeia ganharia dimensões planetárias.

É nesse cenário assustador que se dará a reunião na Europa neste fim de semana. Nos últimos dias, vivem-se no velho continente momentos de Terceiro Mundo. Boatos circulavam pela mídia sobre decisões que poderiam ser tomadas e que faziam oscilar -para cima e para baixo- os mercados.

Manchetes de jornais substituíram análises e considerações técnicas sobre ações de empresas e taxas de câmbio de moedas de vários países. Políticos alemães e franceses, refletindo os conflitos que existem entre os dois países sobre como enfrentar a crise atual, se sucediam em declarações conflitantes.

Os investidores de maior seriedade retiraram-se dos mercados e recolheram-se às aplicações financeiras mais seguras, deixando os mercados nas mãos dos especuladores da pior qualidade.

Vou procurar dar ao leitor da Folha uma visão simplificada sobre as principais alternativas que serão discutidas pelos líderes europeus.
A mais importante decisão a ser tomada será a possibilidade de serem utilizados os recursos do Feef para cobertura parcial de risco de crédito nos bônus emitidos pelos países europeus.

Esse mecanismo permitirá transformar os € 440 bilhões do Feef em mais de € 1 trilhão em garantia para os investidores no futuro. Uma decisão inteligente, mas que precisa ainda de aceitação pelos conservadores políticos alemães.

Outro ponto relevante que terá de ser definido é uma rodada compulsória de aumento do capital dos bancos europeus -algo entre € 100 bilhões e € 200 bilhões- para permitir a absorção dos prejuízos com os títulos dos países mais endividados -como Grécia e Portugal- no caso de uma quase certa moratória.

Nesses dois casos, deverá haver uma redução de pelo menos 50% no valor original dos títulos em circulação para adequar o tamanho da dívida pública a sua capacidade de pagamento.

Mas, para que isso possa ocorrer, sem que uma crise sistêmica seja criada -afetando principalmente Espanha e Itália-, será necessário que a garantia do Feef esteja claramente definida e aceita pelos investidores. Minha expectativa é que esses dois pontos sejam aprovados e que um pouco de calma e racionalidade possa voltar ao mercado nas próximas semanas.

Entretanto, as incertezas e as dúvidas dos investidores devem manter a volatilidade dos principais ativos financeiros por mais algum tempo. Mas pelo menos os governos terão à sua disposição instrumentos mais efetivos para agir. A crise europeia, entretanto, ficará entre nós por um tempo bastante longo. Os ajustes que se farão necessários na maior parte dos países que usam o euro vão precisar de tempo para serem implementados com algum sucesso. Nos próximos anos a economia da velha Europa vai se parecer muito com a do Japão depois da bolha imobiliária dos anos 1980.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Brasil em momento importante.


LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, engenheiro e economista, economista-chefe da Quest Investimentos foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações no governo FHC. Escreveu hoje na FOLHA DE S. PAULO.

O mundo vive hoje um desses momentos especiais em que mudanças estruturais -principalmente na economia- estão forjando o futuro de muitas sociedades. Para alguns países, os próximos anos serão marcados por dificuldades, principalmente devido a ajustes que precisarão ser realizados em um ambiente de baixo crescimento econômico. Para outros -e o Brasil está nesse grupo-, o futuro poderá ser muito favorável, pois serão reconhecidos como espaços de crescimento e mudanças sociais favoráveis, atraindo investimentos internacionais por um longo período de tempo.

Para mim, esse cenário positivo para os países emergentes é hoje o mais provável, embora ainda existam riscos de uma crise internacional de grandes proporções. Se os governos europeus e dos Estados Unidos não tomarem as medidas necessárias para enfrentar a combinação de uma crise fiscal profunda em um ambiente de pressões financeiras sobre o sistema bancário, vamos cair -todos- em um abismo profundo. Nos dois últimos dias apareceram sinais de que, pelo menos na Europa, os políticos entenderam esse risco e resolveram tomar medidas para fortalecer a estrutura de capital de seus bancos.
                                                                                                                                     
Mas, nos Estados Unidos, a verdadeira guerra civil do Partido Republicano para tirar o presidente Obama da Casa Branca ainda pode levar a maior economia do mundo a uma recaída recessiva. E, para não cair no abismo que citei acima, será preciso que Europa e Estados Unidos ajam em conjunto na direção correta.

Mas o principal objetivo desta minha coluna é explorar um pouco o futuro de nosso país no cenário de uma estabilização da crise financeira no mundo desenvolvido ao longo dos próximos meses.

Com os mercados libertos dos riscos de um buraco negro sugando toda a humanidade -imagem magnífica da capa da última edição da revista "The Economist"-, os investidores voltarão a se envolver com coisas mais sérias do que especular ou se defender do caos. E o mundo que eles devem encontrar nessa volta a tempos mais normais estará profundamente dividido entre nações emergentes e nações desenvolvidas. Nas primeiras, o processo de absorção de milhões de novos consumidores e o crescimento da renda de uma nova classe média, criada ao longo da primeira década do século, serão retomados certamente. No mundo rico, os ajustes fiscais que terão de ser feitos e, principalmente, um sistema bancário zumbi e sem funcionalidade vão cristalizar um crescimento econômico medíocre e, em alguns países, uma recessão do tipo japonês.

Como a vida continua e as empresas precisam aumentar seus investimentos, a atração de economias como a brasileira será irresistível. Não podemos esquecer que a terapia para manter a economia do mundo desenvolvido em funcionamento exigirá juros muito baixos por um longo período de tempo. Com isso, o chamado custo de oportunidade para investir em regiões vistas de fora como de maior risco ficará baixo, aumentando a atratividade desses investimentos.

Mas a política econômica que o Brasil deve adotar para maximizar esse extraordinário potencial de crescimento precisa estar calibrada para esse novo ciclo. Para que ele ocorra, seus líderes terão de entender o que está se passando e tomar as medidas necessárias para maximizar os ganhos possíveis.

O Brasil tem hoje limites muito nítidos para continuar crescendo a taxas superiores a 4%. As pressões inflacionárias que estão latentes nos índices de preços dos últimos meses são indicadores claros de que estamos num momento delicado. Se adicionarmos ainda, ao longo de 2012, um novo fluxo de investimentos por conta dos desequilíbrios que citei, vamos certamente cruzar uma fronteira perigosa no campo da inflação.

E o que me preocupa são dois comportamentos do governo nas últimas semanas: o primeiro, a tomada de medidas administrativas para enfrentar uma depressão econômica no mundo que pode não vir; e, o segundo, seu despreparo intelectual para administrar um sucesso que pode acontecer.

domingo, 25 de setembro de 2011


LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, na FOLHA DE S. PAULO, alerta para os perigos de “Uma nova tempestade”. Trata-se da análise de um experiente economista e está prevendo tempos difíceis na mesma linha de Nouriel Roubini. 


Uma tempestade vinda de fora atingiu fortemente a economia brasileira nesta semana. Um pessimismo crescente com a crise política e econômica na Europa transformou-se em pânico com o aumento do risco de que a Itália também se junte ao grupo de países perto de uma moratória. Se isso realmente acontecer, uma catástrofe financeira -e não mais uma crise- vai atingir o mundo nos próximos meses.

Segundo alguns analistas, os efeitos que se seguirão vão fazer o período 2009/2010 parecer tempos de normalidade e bonança econômica. Nesse novo cenário, o mundo emergente, que até então vinha sendo considerado pelos investidores internacionais um refúgio seguro para seus investimentos, seria afetado de forma importante e entraria também em recessão. Até meados de agosto, países como Brasil, México, Austrália e muitos outros estavam recebendo expressivos volumes de recursos para serem investidos em suas economias. Citei recentemente, como exemplo desse movimento, a compra de parcela importante do capital da cervejaria Schincariol por um grupo japonês do mesmo ramo.

Dizia que tinha escolhido esse particular investimento como exemplo por três razões: o valor do investimento (US$ 2 bilhões), o fato de a empresa ter enorme questão legal com o fisco brasileiro e, principalmente, por ser o investidor uma tradicional empresa japonesa, considerada pelos especialistas uma das mais conservadoras do mundo.

Por isso, quando a crise europeia virou tempestade do tipo 5, o mundo róseo dos emergentes desabou. Os investidores -como sempre acontece nesses momentos desde que os florentinos inventaram os bancos- tentaram sair correndo ao mesmo tempo e voltar para o refugio do dólar, ainda a moeda mais confiável que existe.

Mas a porta de saída do mundo emergente é muito mais estreita do que a do mundo desenvolvido e esse movimento descontrolado -chamado no linguajar do mercado de desalavancagem- provocou subitamente uma das mais brutais correções de preço que já vi em meus 44 anos de mercado financeiro.

O pânico no Brasil foi muito maior do que na maioria dos emergentes, principalmente no mercado de câmbio, por culpa do governo Dilma. Poucos dias antes dessa mudança de ares, o ministro da Fazenda tinha criado um imposto na compra de dólares no mercado futuro da BM&FBovespa. Segundo ele, havia um movimento especulativo que estava valorizando o real e prejudicando a indústria brasileira. Contra a maioria das opiniões de especialistas, ele decidiu levar sua proposta adiante. Ora, no momento de pânico que estamos vivendo, esse imposto funcionou como uma restrição importante nos negócios com o real, pois pune os que, sabendo que esse movimento de pânico em algum momento vai passar, poderiam estar comprando reais e amortecendo sua queda.

A imagem que me vem à mente para descrever o que está ocorrendo é a de um acidente recente em uma boate no México, quando centenas de pessoas morreram porque as saídas de emergência estavam fechadas. Nessa situação, todos os que estavam na boate tiveram de sair por uma única porta de entrada, e o resultado foi um desastre.

No caso do mercado de câmbio no Brasil, as portas de emergência, para situações como a que estamos vivendo, estavam fechadas na BM&FBovespa. A tranca colocada pelo governo -o IOF na compra de dólares futuros- funcionou a contento se o objetivo do governo era provocar uma correção vigorosa do real. Mas, como o câmbio é um preço fundamental na dinâmica da inflação brasileira -afeta 50% dos preços ao consumidor-, a correção brusca dos últimos dias ameaça inviabilizar a política de redução de juros do governo.

Por isso, no momento em que escrevo esta coluna, equipes de bombeiros do BC estão tentando abrir buracos nas paredes para evitar que o câmbio leve a inflação brasileira para mais de 7% ao ano. Como o mercado da BM&FBovespa hoje está do lado dos especuladores por não haver vendedores, o BC está vendendo mais de US$ 5 bilhões em derivativos cambiais. Uma trapalhada de mais de metro... 

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Antonio Barros de Castro.


A perda de Antonio Barros de Castro, “Um pensador do desenvolvimento (1938-2011)”, no texto de Luiz Carlos Mendonça de Barros publicado na revista ÉPOCA. O economista presidiu o BNDES e deixou uma obra que tenta entender os desafios da economia brasileira em toda a sua complexidade.

Antonio Barros de Castro morreu de forma trágica em sua casa no Rio de Janeiro no fim de semana passado. Apesar da perda que sua morte traz para todos nós, prefiro lembrar as coisas boas que dividimos por várias décadas. Barros de Castro e eu pertencíamos a uma escola de pensamento que entendia a economia como um fenômeno de natureza social e, portanto, sujeito a limitações do tempo histórico, dos valores sociais e da dinâmica política. Nunca aceitamos, por isso, que fosse possível colocar a economia sob as amarras de um modelo matemático determinista. Mas sabíamos também ser a opção por uma economia de mercado a única possível em uma sociedade plural como a brasileira. Nosso entendimento sobre a relação entre Estado e setor privado também era bastante próximo.

Nunca flertamos com um liberalismo extremado, da mesma forma que víamos qualquer opção socialista como apenas uma utopia típica de pensamento juvenil. Barros de Castro nunca esteve preso às amarras do debate ligeiro, conjuntural. Ao contrário, sempre buscou compreender os desafios do desenvolvimento brasileiro em toda a sua complexidade. Ofereceu valiosas contribuições à discussão e à prática, pois tinha em mente não apenas a dimensão econômica, mas também a história e a geopolítica. Seus estudos sobre inovação e desenvolvimento tecnológico são hoje referências para economistas mais jovens.

Nessa nossa busca por sermos atores na economia, e não apenas pensadores, aceitamos, em momentos distintos, presidir o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) – Barros de Castro assumiu essa responsabilidade entre 1992 e 1993. A instituição nos cativava por sua herança, por sua longa história de relevância e principalmente por se manter no presente como um agente importante na busca do desenvolvimento do Brasil. O BNDES propiciava a seus dirigentes a possibilidade de criar ferramentas econômicas de impacto, como programas especiais de crédito para tentar acelerar mudanças estruturais que eles entendessem necessárias para tornar a economia brasileira mais eficiente e produtiva.

Barros de Castro e eu sempre fomos apaixonados pelo estudo das mudanças estruturais que ocorrem na economia de uma sociedade dinâmica e diversa como a brasileira. Esse gosto comum nos aproximou nos últimos anos, na tentativa de entender o fenômeno do desenvolvimento chinês e sua influência na economia brasileira. Em 2007, em conjunto com meu irmão José Roberto e com Paulo Pereira Miguel, escrevi o artigo China, um dragão de três cabeças – a que devora energia e matérias-primas, a que cospe produtos industrializados cada vez mais sofisticados e a que quer consumir quantidades crescentes de produtos elaborados mundo afora, inclusive no Brasil. Barros de Castro me escreveu para manifestar concordância com nossa visão e complementá-la com observações suas. Nos últimos tempos, ele vinha participando ativamente das atividades do Instituto de Estudos Brasil-China (Ibrach) e do Centro China-Brasil de Mudança Climática e Tecnologias Inovadoras para Energia, da Coppe (o departamento de pós-graduação em engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro). Nem ele nem eu comungamos com a visão de que a economia chinesa se baseia apenas na produção de bens industriais baratos e sem qualidade. Dividíamos o entendimento de que a China é o fenômeno mais importante nas transformações estruturais que vive nosso país. É uma pena que a partida de Barros de Castro tenha ocorrido neste momento, tão rico para um economista no Brasil.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Churchill e os governos do PT.


LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 68, engenheiro e economista, escreveu hoje na FOLHA DE S. PAULO.

A coluna de hoje lembrando uma imagem que Winston Churchill usava para caracterizar os americanos na primeira metade do século passado: "A sociedade americana sempre acaba fazendo as coisas certas, mas antes disso experimenta todos os caminhos errados que existem".
Lembrei-me dessa imagem ao ler na imprensa duas notícias relativas à privatização de empresas de serviços públicos no governo Dilma: a primeira descreve o bem-sucedido leilão de privatização de um aeroporto na cidade de Natal, no Rio Grande do Norte; a segunda especula sobre a possível venda, ao setor privado, das distribuidoras de energia elétrica em seis Estados do Norte e do Nordeste e que são controladas hoje pela Eletrobras.
Na solenidade de encerramento do leilão de privatização do aeroporto de São Gonçalo do Amarante, tivemos até a cena tradicional de "bater o martelo" na Bolsa de Valores de São Paulo. A foto desse ato simbólico nos jornais levava, há alguns anos, os membros do PT à revolta pública nas ruas.
Agora, passou despercebida mesmo entre seus mais radicais militantes. Mas o tempo passa e o Brasil, felizmente -como os Estados Unidos na imagem de Churchill-, também acaba trilhando o caminho correto depois dos erros cometidos.
Agora a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) promete levar adiante a concessão dos aeroportos de Cumbica e de Viracopos, ambos em São Paulo, e de Brasília. Espero sinceramente que prevaleça, daqui para a frente, a máxima caipira que diz que "em porteira que passa um boi passa também uma boiada" e que a privatização dos aeroportos permita que o cidadão tenha mais respeito quando for utilizar os serviços de um aeroporto no Brasil.
No caso das empresas estaduais de distribuição de energia elétrica, várias reportagens no jornal "Valor" trazem um resumo transparente do caos que domina a gestão dessas empresas, depois de dez anos sob o controle da Eletrobras.
Desde 2008, só em conversão de dívidas para com a estatal federal em capital social já foram gastos mais de R$ 5 bilhões. Mesmo com todo esse esforço de redução de dívidas para manter as empresas funcionando, elas já acumulam prejuízo consolidado de mais de R$ 750 milhões.
Esse estado caótico, aliás, levou os auditores dessas empresas a colocar em seus balanços uma nota em que chamam a atenção para um possível colapso operacional em futuro próximo.
Conheço bem esse quadro -principalmente as razões que levaram a essa situação caótica. Durante os anos em que fui presidente do BNDES, coordenei a privatização de várias empresas estaduais de distribuição de energia elétrica e, nesse processo, pude observar que nem sempre a boa gestão era praticada para o bem do povo e do Estado. Por isso, não me emocionam os números revelados finalmente pela Eletrobras.
Uma das empresas em pior situação quando o BNDES implantava esse processo de privatização nos Estados era a Cemar, a distribuidora de energia elétrica no Maranhão.
Nesse feudo da família Sarney, essa empresa estava sob o comando de um filho do ex-presidente da República. Por motivos políticos, a empresa continuou nas mãos do governo estadual e somente em 2004 foi vendida a um grupo privado.
Nesses últimos sete anos, tudo mudou e transcrevo, a seguir, parte do que foi publicado no jornal "Valor": "Dona de um terço do capital da Companhia Energética do Maranhão (Cemar), a Eletrobras pouco dá palpite em sua administração, pois está feliz com o que acontece por lá. Em sete anos, viu a distribuidora sair de um estado falimentar, com serviço que deixava o cidadão maranhense, na média, 60 horas por ano sem luz, para uma situação em que os dividendos pagos já se aproximam de R$ 1 bilhão e a média de horas sem luz caiu para menos de 20".
Espero sinceramente que a presidente Dilma vença a oposição que sindicatos e políticos ainda fazem às privatizações e siga os conselhos de técnicos da Eletrobras e do próprio Ministério de Minas e Energia e leve adiante a venda dessas empresas.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Para além do vaivém das Bolsas.

O keynesiano LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, hoje na FOLHA DE S. PAULO, comenta sobre as últimas turbulências econômicas.

Incríveis as oscilações de preços nos mercados financeiros nas últimas duas semanas. Depois de um longo movimento de quedas diárias, e que destruiu trilhões de dólares de valor nos três cantos do mundo, estamos agora vivendo um vaivém insensato. Em um dia os preços das ações -no Brasil e no mundo- caem mais de 4%; no dia seguinte, sobem com a mesma intensidade, para em seguida voltar a cair forte.

Essa mesma gangorra acontece com a cotação do franco suíço, do iene japonês e do ouro, ativos vistos pelo mercado como mais seguros do que o dólar americano.

A moeda suíça -uma das mais estáveis do mundo- chegou a se valorizar em mais de 5% em relação ao dólar em um só dia. Mesmo os títulos emitidos pelo Tesouro americano tiveram seus preços flutuando diariamente em níveis também muito acima do padrão histórico.

Isso apesar de serem eles os títulos financeiros de maior liquidez em circulação no mundo e, portanto, difíceis de serem manipulados pelos especuladores.

Vou usar um derivativo que mede a variação dos preços das ações na Bolsa de Nova York -o chamado índice VIX- para dar ao leitor da Folha uma ordem de grandeza da loucura deste período. O VIX, que em tempos normais vale 15 pontos, chegou a mais de 40 nesta semana.

As perguntas que chegam hoje a todos os que ocupam um espaço de reflexão sobre economia e finanças são quase sempre as mesmas: como explicar esse estado de irracionalidade coletiva, e do que depende a volta de um comportamento mais previsível aos mercados?

A causa mais importante de toda essa volatilidade é, sem dúvida nenhuma, a volta do risco de uma nova recessão nos Estados Unidos.

Essa ameaça -que, por vários meses, parecia afastada- voltou com força a partir da divulgação do crescimento do PIB americano no segundo trimestre deste ano e, principalmente, das revisões dos números relativos aos trimestres anteriores.

As estatísticas mostraram a todos duas verdades explosivas: a recessão em 2009 foi mais profunda do que medida anteriormente e o crescimento no início deste ano foi muitíssimo mais fraco do que o que havia sido medido pelo governo americano e por instituições privadas há alguns meses.

O quase pânico que se instalou nos mercados após a divulgação desses dados deveu-se ao reconhecimento de que as medidas que vinham sendo tomadas pelo governo e pelo Fed não estavam sendo suficientes para colocar a maior economia do mundo de volta à rota do crescimento sustentado. Tinha havido uma recuperação ao longo de 2010, mas os números agora revelavam que isso tinha sido apenas um espasmo de crescimento.

Além disso, mesmo os mais fervorosos economistas keynesianos, como eu, sabiam que não existem novos medicamentos a serem ministrados ao paciente. E todos sentiam a frustração de reconhecer que os ensinamentos e os conselhos do velho mestre não estavam funcionando desta vez.

No meio dessa decepção, a crise criada pelo impasse na renegociação do teto da dívida pública americana funcionou como elemento adicional no imaginário já pessimista dos mercados. A recuperação da economia dos Estados Unidos, todos sabem, é um elemento fundamental para que a Europa possa administrar sua própria crise fiscal.

Na medida em que a confiança nesse cenário desaparecia e se transformava em um fantasma recessivo das piores proporções, a crise europeia mudava de dimensão.

Com esse futuro negro à frente, o mercado passou a criar seus próprios monstros. O maior deles foi o mito da fuga dos investidores tanto dos títulos emitidos pelo governo americano como do dólar.

Felizmente, essa ameaça durou apenas um fim de semana, pois na segunda feira seguinte à decisão da agência Standard & Poor's os investidores corriam para comprar esses papéis e a moeda americana.

Com os mercados mais calmos, e bem mais baratos, creio que teremos um período de maior racionalidade à espera de novos dados econômicos que mostrem a economia ainda crescendo e do início de um entendimento no Congresso americano sobre a questão fiscal nos EUA.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

O governo e a batalha do câmbio.

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 68, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso). Entende mais do assunto do que muitos colegas de economia... Veja o que ele escreveu hoje na FOLHA DE S. PAULO. Na verdade parece que o nosso governo está PERDIDO diante de um cenário internacional muito confuso e preocupante, os Estados Unidos a um passo do calote, o brasileiro com muito medo da volta da inflação ao nosso dia a dia etc. Logo, o futuro é incerto, mas prevejo para os próximos meses o US$ entre R$ 1,50 a R$ 1,70. Espero que minha bola de cristal esteja limpa...

Com o real chegando a seu momento de maior força em relação ao dólar, o governo Dilma Rousseff cruzou uma nova fronteira em sua confusa e pouco eficiente estratégia de proteger a indústria brasileira.

Pela primeira vez desde que o ministro Guido Mantega cunhou a expressão "guerra cambial", o governo tomou medidas para atingir o mercado futuro de câmbio na BM&F.

Ao taxar essas operações com o IOF e estabelecer um marco legal para fixar --por medidas administrativas do CMN-- o nível de garantias exigidas, o governo --como Cesar-- cruzou o Rubicão.

Não há mais volta, pois, ao interferir em um mercado tão grande e tão interligado com o lado real da economia sem a devida reflexão sobre seus efeitos --e esse é certamente o caso--, o governo criou algo muito perto do caos.

Estou fora do país, mas os relatos que tive sobre a coletiva do ministro Mantega são suficientes para compor esse quadro de desconhecimento profundo das consequências das medidas adotadas.

Posso afirmar isso porque participei em 1986, quando era diretor do Banco Central, de algo muito semelhante. Pressionado para enfrentar a questão das expectativas de inflação embutidas nas taxas de juros dos títulos públicos, o Banco Central mudou a tributação desses papéis sem a necessária avaliação de suas consequências na economia como um todo.

Tudo virou um inferno, e uma sequência de novas medidas foi necessária para tentar enfrentar as maiores distorções que apareceram. E, a cada tentativa de correção, novos problemas se colocavam. No final, tivemos de voltar atrás...

A questão do real forte é ainda mais complexa do que a que o Banco Central enfrentou décadas atrás. E isso ocorre por várias razões.

A mais importante delas está relacionada às complexas relações entre mercados internos e externos que existem hoje na economia brasileira. E não estou falando apenas de relações financeiras, mas sim da complexa interação entre as cadeias produtivas em setores importantes do tecido produtivo. As importações fazem parte do cotidiano das empresas brasileiras, o que as obrigam a realizar operações de proteção contra a flutuação da taxa cambial.

Também os exportadores, principalmente no setor de produtos primários, precisam de mecanismos de proteção contra as flutuações de grandes proporções que ocorrem hoje nos mercados futuros desses produtos no exterior. E essas operações de proteção trazem, juntas, as flutuações nos mercados de câmbio.

Poderia escrever muito mais sobre as relações econômicas, e, como já disse, não apenas as financeiras, que estão por trás das operações de taxas de câmbio futuro na BM&F.

Mas tenho certeza de que isso não é necessário para mostrar ao leitor da Folha a fragilidade que está por trás das decisões tomadas pelo governo Dilma nos últimos dias.

Quando escrevo esta coluna, os mercados estão paralisados à espera de esclarecimentos do governo sobre as medidas tomadas. Já tenho muito tempo de estrada para acreditar que elas virão. Volto a afirmar que ninguém no Ministério da Fazenda --inclusive o ministro Mantega-- tem a menor ideia sobre a caixa de surpresas que eles abriram agora.

Uma coisa é certa: ao longo dos próximos dias um mercado futuro de taxas de câmbio, tendo o real como uma das pontas das operações, vai aparecer em Chicago ou em outras praças financeiras.

As demandas por operações desse tipo fazem parte hoje do que chamo de metabolismo da economia brasileira. Por isso, elas vão reaparecer em outros lugares. Mas, como sempre ocorre nessas situações, os custos de transação vão aumentar para quem faz negócios no Brasil e com o Brasil. Os pensamentos estratégicos que os chineses, em seus 5.000 anos de história, nos deixaram foi o de nunca usar um canhão para matar uma formiga.

Os efeitos colaterais que ocorrem quando isso acontece são sempre muito maiores do que os eventuais benefícios gerados. Vamos testar no Brasil de hoje a sabedoria estratégica dos chineses.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

FHC: parabéns e obrigado!

Leio na FOLHA DE S. PAULO artigo de Luiz Carlos Mendonca de Barros e os 80 anos de FHC, dentre outros comentários.
Em carta enviada ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a presidente Dilma Rousseff reconhece -de forma clara e inequívoca- a paternidade do Plano Real, que devolveu à economia brasileira a estabilidade e o crescimento.
Foram quase 20 anos em que estivemos condenados à mediocridade e à estagnação da renda, principalmente dos mais pobres. Com o Plano Real, esse passado vergonhoso foi superado e voltamos ao grupo de nações emergentes com futuro.
O que seria considerada uma observação apenas formal em sua carta de congratulações pela passagem do aniversário de 80 anos de FHC, esse reconhecimento passou a ter uma grande relevância política.
Com razão, pois o ex-presidente Lula passou os oito anos de seu mandato renegando a importância de FHC e do Plano Real na construção da sociedade brasileira de hoje.
Além disso, Lula sempre espalhou aos quatro ventos a tese de que os anos FHC tinham deixado uma "herança maldita" a seus sucessores. O reconhecimento de Dilma do papel de FHC na estabilização e na política brasileira tornou as bravatas de Lula algo do passado. Espero que, a partir de agora, nem seu autor tenha coragem de voltar a elas.
Quero aproveitar este momento em que o papel de FHC na construção da nova economia brasileira voltou ao debate público para dividir com o leitor da Folha um trabalho sobre a evolução dos salários no Brasil, nos últimos 20 anos, feito por Fabio Ramos, economista da Quest Investimentos.
Os dados que constam do gráfico falam por si só e mostram como a posição de Lula em relação ao Plano Real é inaceitável em uma sociedade guiada pela verdade dos fatos -não pela história forjada por seus dirigentes.
Os dados representam uma estimativa do total da remuneração do trabalho no Brasil, calculados em reais e já descontados os efeitos da inflação, entre 1992 e o primeiro trimestre de 2011. Chamo a atenção do leitor para os seguintes pontos principais:
1) Entre 1993, quando Fernando Henrique assumiu o Ministério da Fazenda no governo de Itamar Franco, e 1997, já presidente da República, o total de salários pagos passou de R$ 600 bilhões para R$ 1,1 trilhão, com aumento de 83% no período, o que equivale a um crescimento anual de mais de 12%;
2) Apenas no segundo mandato de Lula (2007-2010) é que os salários superam o nível de R$ 1,1 trilhão verificado entre 1993 e 2002 e começam a crescer a uma taxa anual de pouco mais de 5%;
3) O aumento dos salários reais nos quatro anos do chamado Lula-2 foi, entretanto, menos da metade do verificado no período de implantação do Plano Real;
4) Ou seja, a contribuição da estabilidade alcançada pela ação de FHC nos salários dos trabalhadores brasileiros foi o dobro da proporcionada pelos quatro anos de crescimento verificado no segundo mandato de Lula. Os dados históricos aqui apresentados não permitem que a farsa da "herança maldita" se sustente por mais tempo.
O trabalho feito por Ramos mostra, de forma cristalina, como a inflação elevada confiscava a renda real do trabalhador antes da ação decisiva de FHC.
A presidente Dilma apenas reconhece -com anos de atraso- isso.

domingo, 22 de maio de 2011

Folha entrevista Luiz Carlos Mendonca de Barros.

A competente ELEONORA DE LUCENA, da FOLHA DE S. PAULO entrevista neste domingo o sempre influente economista LUIZ CARLOS MENDONCA DE BARROS.

Ex-ministro tucano, Luiz Carlos Mendonça de Barros, 68, traça diferenças entre Lula e Dilma. Conclui que a atual política econômica está mais à esquerda. Nesta entrevista, fala de inflação e sugere redução no crescimento.

Também advoga a implantação de quarentena para o capital externo. Para Mendonça, as finanças vão ficar menos confiantes no governo se o ministro Antônio Palocci (Casa Civil) cair. Executor de boa parte da privatização nos anos FHC, avalia que o PSDB é hoje um partido mais medíocre.

Folha - Quais são as diferenças ente Dilma e Lula? Luiz Carlos Mendonça de Barros - A economia de Lula era continuidade da de FHC. Quando a inflação ameaçava subir, o BC aumentava juros. Está claro que Dilma mexeu nessa lógica. O pessoal da Unicamp passou a ter papel de formulador de política. O Banco Central de [Henrique] Meirelles tinha uma linha mais liberal, de gente do mercado financeiro. O BC de Dilma é formado por burocratas.

Existe uma visão de que o BC era sempre capturado pelas finanças.

Não era capturado. O BC reproduzia a leitura que o mercado financeiro tem da política econômica.

E agora não mais?

Não. Há diferença de comportamento. É muito difícil para um burocrata ir contra a hierarquia. Com Lula, havia um conflito entre BC e Fazenda. Quem ganhava era o BC. Houve uma inversão. A política econômica é conduzida por [Guido] Mantega. No sistema de metas, está se levando em consideração o custo para o crescimento. E usam outros instrumentos além dos juros, como as medidas macroprudenciais. O mercado financeiro está insatisfeito? Quer acreditar que não mudou nada. Está num período de grandes incertezas.

O mercado está sendo prejudicado?

Não, mas muda a forma de trabalhar. O mercado detesta mudança. O governo Dilma -e daí a importância da questão do Palocci- tem uma irracionalidade. Tem um lado que aparentemente é dominante e que tem uma leitura diferente da de Lula. E o Palocci é um sinal de que a racionalidade anterior não está abandonada.

O sr. acha que ele vai ficar?

Não sei. A Bolsa caiu, o dólar subiu. É porque tem uma insegurança latente. Se Palocci sair, vai ter um efeito importante sobre expectativas. Vai ficar menos confiante na política do governo. É importante mostrar que Dilma tem política diferente.

É mais à esquerda?

O pensamento econômico do governo Dilma é mais à esquerda do que na época de Lula. Tem uma ideia de intervenção mais forte do Estado.

Com Lula havia um certo conflito. A macroeconomia era bem ortodoxa, mas o Estado intervinha. Com Dilma aumentou essa contradição. Ela é mais ideológica. Não percebeu a herança maldita de Lula. O crescimento do consumo foi forte e não foi acompanhado pelo investimento produtivo. Entraremos num período em que a inflação vai cair porque tem deflação nas commodities. O país pode se desamarrar do sistema de metas de inflação? Não, porque é preciso uma referência. Sou a favor de um sistema de metas que leve o custo da convergência da inflação em consideração. Mas fazer isso agora é complicado. Bagunça as expectativas.

É preciso reduzir o crescimento agora?

Não há dúvida. O aspecto mais preocupante é o mercado de trabalho. No início de Lula o desemprego era de 12%. Hoje é de 6%. Isso faz uma diferença brutal.

Com essa concentração de renda, o salário tem que ser sempre o vilão?

Exatamente porque há concentração de renda é que os salários viram problema. Todo o aumento vira consumo. Há uma capacidade limitada de produzir. A alta de consumo em Lula ocorreu com oferta sobrando. Dilma não tem essa folga. Se a economia crescer na mesma velocidade vai pressionar custos, e a inflação vai subir.

E o câmbio?

O Brasil virou um país desejado por todos. Cerca de 80% do dinheiro que chega é para comprar bens. O real é uma moeda confiável. Evidente que tem um componente de juro, mas não é o principal. O governo precisa rever a agenda de problemas. E o que estaria no topo dessa nova agenda?

A inflação, porque vai virar problema político. Se não resolver, vai bater na popularidade. Mas o primeiro item é o excesso de entrada de capital estrangeiro de investimento. Não é especulativo. Portanto não adianta pôr IOF de um ano.

O sr. faria uma quarentena?

Eu faria uma quarentena mesmo. O dinheiro entra, fica seis meses, um ano, e depois é liberado. O dinheiro de investimento permite que se tenha isso. A entrada de capital externo para investimento é boa. Mas, se não tiver uma dosagem, vira coisa ruim via câmbio.

O que o sr. faria diferente?

Tentaria moderar essa entrada de capital. O Brasil tem hoje uma agenda de problemas derivados do sucesso. A inflação é a ponta do iceberg desses desequilíbrios todos. Por exemplo: qual é o problema de privatizar os aeroportos no Brasil? O único problema é o político. Como Lula venceu fazendo da privatização um demônio, Dilma está com dificuldade e não resolve o problema.

O sr. faria diferente a privatização hoje?

Tem erros na privatização. Por que o pedágio em SP é caro? Porque, na época, Mario Covas quis arrecadar. Ganhava quem pagasse mais. Isso é um absurdo. Porque o concessionário cobra do usuário. O Serra ainda insistiu nesse erro no Rodoanel. Agora mudou. O leilão é feito em cima do menor custo de pedágio.

O modelo de privatização do PT então foi melhor do que o do PSDB?

Nesse caso é melhor. O erro do PT foi fixar um pedágio muito menor do que deveria ser. Aí a qualidade do serviço... A privatização terá que ser revista porque ninguém é perfeito.

No caso da telefonia, a tarifa não é muito alta, uma das mais caras do mundo?

Por causa de imposto. A parte que sobra para o concessionário é uma das mais baixas do mundo porque tem concorrência. Basta olhar a propaganda na TV.

Mas não houve a competição prevista. As teles divididas se uniram na Oi, e em SP é quase só Telefônica, não? Isso na telefonia fixa. Porque tem um problema técnico. Não é econômico fazer dois sistemas de cabo numa região. Não se sabia disso na época. Mas o telefone no Brasil é celular. É caro porque metade da tarifa é imposto.

E a crise do PSDB?

O PSDB sofre uma mudança de líderes que não têm a visão estratégica dos que ficaram para trás. É um partido mais medíocre. Tem o azar de ser oposição num momento em que a população está satisfeita. A maior contribuição do Lula foi transformar o PT num partido burguês igual aos outros. O sr. concorda que ex-ministro é valorizado pelo mercado? Precisa ter algum talento. Político é paparicado em qualquer lugar no mundo. Nos EUA há uma forma mais transparente, clara. O lobby é registrado. Deveria ter isso aqui. Palocci não está muito enfraquecido? Prefiro olhar de longe. Eu já passei por isso. A imprensa às vezes é injusta.

segunda-feira, 21 de março de 2011

A presidente Dilma e a economia

Luiz Carlos Mendonça de Barros - VALOR ECONÔMICO

A entrevista da presidente Dilma ao Valor na última semana é uma fonte muito rica para entender sua leitura da economia brasileira hoje. Apesar do pouco tempo de Dilma Roussef no Palácio do Planalto, já sabemos que ela tem uma forma mais profunda de tratar publicamente os temas relevantes sobre o Brasil. Na era Lula as entrevistas do presidente muito raramente traziam alguma contribuição ao entendimento das prioridades e políticas de seu governo.

Em todas as respostas da presidente à jornalista Claudia Safatle podemos encontrar um ponto em comum: ela está trazendo finalmente ao governo alguns dos conceitos e prioridades do pensamento econômico do PT.

Nos oito anos de Lula isso não aconteceu na medida em que a política econômica foi o resultado de uma simbiose confusa entre conceitos e objetivos herdados do período FHC, respostas pragmáticas a desafios de natureza conjuntural que ocorreram e, claro, algumas prioridades históricas do PT. Esse todo heterogêneo desaguou em um período de sucesso na economia em função do cenário conjuntural extremamente favorável, principalmente pela elevação expressiva dos chamados termos de troca de nosso comércio exterior.

Os preços de nossas exportações em alta e uma deflação dos produtos industriais importados geraram ao longo do segundo mandato de Lula um ganho anual de renda interna da ordem de 1,6% do PIB. Estimulada por essa força externa e trabalhando com uma folga estrutural em setores chaves como o mercado de trabalho, a economia cresceu a taxas elevadas sem que a inflação fugisse do controle. Em 2011 os efeitos positivos da melhora de nossos termos de troca continuam a empurrar a economia, mas as condições conjunturais internas não são mais as mesmas. Por isso as pressões inflacionárias começam a tomar uma dimensão que não tiveram no governo Lula.

A presidente Dilma foi incisiva em defender o controle da inflação, mas seguindo um receituário diferente do estabelecido no sistema de metas de inflação que prevalece desde 1999. Ele segue mais de perto o pensamento econômico do PT histórico, que defende ser possível o combate a uma inflação de demanda, como vivemos hoje, sem comprometer o crescimento. Essa opção da presidente fica clara quando ela promete um combate implacável à inflação mas, ao mesmo tempo, assume um compromisso com um crescimento do PIB da ordem de 5% ao ano. Para este analista esse duplo objetivo é incompatível e um deles terá que ser deixado de lado. Hoje me parece claro que a corda vai arrebentar do lado da inflação.

Essa nova postura do governo tem implicações importantes. Em primeiro lugar o Banco Central está abandonando na prática - depois de mais de 12 anos - uma das cláusulas pétreas do regime de metas de inflação implantado em 1999. Até agora, quando a inflação ameaçava superar de forma sustentada o centro da meta, o Banco Central entrava em cena aumentando os juros. Seu objetivo era o de criar condições para que houvesse - no mais curto espaço possível - uma volta da inflação ao centro do intervalo de metas em vigor. Nessa sua missão, o crescimento da economia passava a ser uma variável dependente da intensidade do aumento dos juros.

Dada a credibilidade que o BC ganhou junto aos agentes econômicos, ao longo de vários anos, o mercado projetava poucos meses à frente o fim do aumento dos juros e - mais importante - o momento em que o Copom passaria a reduzi-los. Em outras palavras, as expectativas de inflação estavam ancoradas em função da credibilidade do Banco Central.

No governo Dilma o Copom trabalha com um mandato duplo, ou seja, o de trazer a inflação para a meta e viabilizar uma meta mínima de crescimento fixada pelo Planalto. Além disso existe uma restrição adicional que é a decisão de não permitir uma nova rodada de fortalecimento do real como instrumento para forçar os preços dos bens que trabalham com preços em dólar para baixo.

Nessas novas condições, mesmo que a intenção do governo seja a de manter a inflação estritamente sob controle - como reafirmou na entrevista a presidente - a trajetória de convergência para o centro da meta será outra, bem diferente da que ocorria até agora. Não vejo um problema grave nessa mudança, se for apenas um ajuste no prazo de convergência da inflação e da utilização - adicionalmente à elevação dos juros - de outros instrumentos de aperto nas condições financeiras. Neste caso estaríamos jogando para 2012 o fim do aperto monetário em andamento.

Mas se a limitação na redução no ritmo de crescimento for um impedimento à liberdade do BC de buscar novamente o centro da meta, estamos diante de uma política monetária de outra natureza. Nas condições atuais da economia brasileira, principalmente com os níveis de desemprego de hoje, essa nova postura do governo vai levar a níveis de inflação bem mais elevados. Portanto, a questão não se trata mais de um prazo maior ou menor de convergência da taxa de inflação, mas sim de uma terrível inconsistência teórica. Que, aliás, faz parte do receituário tradicional do PT e que ficou de lado durante o mandato do presidente Lula.

A importância de debater o PIB nas eleições 2022.

Desde o início deste 2022 percebemos um ano complicado tanto na área econômica como na política. Temos um ano com eleições para presidente, ...