Neste momento, os déficits não importam – o que todas as evidências comprovam. Entretanto, existe uma corrente de pensamento – o pessoal da moderna teoria monetária – que afirma que os déficits NUNCA têm importância, desde que os países tenham sua própria moeda.
Gostaria de concordar com esta visão – e não é uma briga que eu queira particularmente, uma vez que o perigo claro e presente para a política decorre dos pavões do déficit da direita. Mas para que isto seja registrado, não é bem assim.
A coisa fundamental que devemos lembrar é que as atuais condições – enorme excesso de capacidade na economia, e uma armadilha da liquidez na qual a dívida de curto prazo dos governos carrega um juro próximo do zero – um dia deixarão de predominar. Enquanto elas PREDOMINAREM, não importa de quanto o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) aumentará a base monetária, e portanto não importa que porcentagem do déficit será transformada em dinheiro. Mas isto também passará, e quando passar, as coisas serão muito diferentes.
Portanto, suponhamos que acabemos voltando para uma situação na qual os juros são positivos, de modo que a base monetária e as letras do Tesouro sejam mais uma vez substitutos imperfeitos; além disso, estamos a tal ponto perto do pleno emprego para que a rápida expansão econômica mais uma vez poderá nos levar para uma inflação. A última vez em que nos encontramos nesta situação, a base monetária estava em torno dos US$ 800 bilhões.
Suponhamos agora que nos encontremos novamente naquela situação em que o governo ainda registra déficits superiores a US$ 1 trilhão ao ano, ou seja, cerca de US$ 100 bilhões ao mês. E agora suponhamos que por qualquer motivo, nos deparamos de repente com uma greve dos compradores de títulos – ninguém está disposto a comprar títulos da dívida dos EUA, exceto a juros exorbitantes.
E então? O Fed poderia financiar diretamente o governo comprando a dívida, ou poderia lavar o processo mandando os bancos comprarem a dívida e depois vendê-la por meio de operações de mercado aberto; de qualquer maneira, o governo na realidade estaria financiando a si mesmo mediante a criação da base monetária. Então?
Bem, no primeiro mês, o financiamento aumentaria a base monetária em cerca de 12%. E no meu ambiente hipoteticamente normal, seria de esperar um aumento geral do nível dos preços (com algum atraso, mas isto não é crucial) mais ou menos proporcional ao aumento da base monetária. E o aumento dos preço, à primeira vista, elevaria proporcionalmente o déficit.
Portanto, estamos falando de uma base monetária que aumenta 12% ao mês, ou cerca de 400% ao ano.
Isto significará uma inflação de 400%? Não, significa mais – porque as pessoas encontrariam meios de evitar ficar com dólares na mão, elevando ainda mais os preços.
E poderia continuar, mas vocês entenderam: uma vez que não nos encontramos mais numa armadilha de liquidez, registrar grandes déficits sem acesso aos mercados de títulos é uma receita para uma inflação extraordinariamente elevada, talvez até uma hiperinflação. E o que quer que se insista em fluxos financeiros reais, em quem compra o que de quem, nada fará com que este ponto desapareça: se financiarmos os déficits com a criação de uma base monetária, alguém terá de ser convencido a ficar com a base adicional.
A esta altura, preciso dizer que NÃO ACREDITO QUE ISTO POSSA ACONTECER – os Estados Unidos estão muito longe de perderem o acesso aos mercados de títulos, e em todo caso ainda nos encontramos no território da armadilha de liquidez e provavelmente continuaremos nele por algum tempo ainda. Mas a ideia de que os déficits nunca sejam importantes, que o fato de termos uma moeda nacional independente pode fazer com que todo o problema desapareça, é alguma coisa que não compreendo.