Hoje, em coluna no O GLOBO, Miriam Leitão registra a sua indignação com recente episódio envolvendo alteração de seus dados pessoais no Wikipédia, supostamente por pessoas ligadas ao governo federal.
No princípio, eu me assustei como cidadã. Era
difícil acreditar que da Presidência da República foram postados ataques
caluniosos a pessoas, porque na democracia o aparato do Estado não pode ser
usado pelo governo para atingir seus supostos adversários. A propósito: não sou
adversária do governo; sou jornalista e exerço meu ofício de forma
independente.
Só no segundo momento é que pensei no fato de
que os ataques eram contra mim e meu colega Carlos Alberto Sardenberg. Ninguém,
evidentemente, tem que concordar com o que eu escrevo ou falo no rádio e na
televisão. Há, em qualquer democracia, um debate público, e eu gosto de estar
nele. Mas postaram mentiras, e isso pertence ao capítulo da calúnia e
difamação.
Tenho 40 anos de vida profissional e um
currículo do qual me orgulho por ter lutado por ele, minuto a minuto. Acordo de
madrugada, vou dormir tarde, estudo diariamente, falo com pessoas diversas,
apuro, confiro dados, para que cada opinião seja baseada em fatos. Alguns temas
são áridos, mas gosto de mergulhar neles para traduzi-los para o público.
Na primeira vez que um amigo me mostrou o
perfil cheio de ataques na Wikipedia fiquei convencida de que era coisa de
desocupados. Saber que funcionários públicos, computadores do governo, foram
usados na Presidência da República para um trabalho sórdido assim foi um
espanto. Uma das regras mais caras do Estado de Direito é que o grupo político
que está no governo não pode usar os recursos do Estado contra pessoas das
quais não gosta.
O início da minha vida profissional foi
tumultuado pela perseguição da ditadura. No Espírito Santo, fui demitida de um
jornal por ordem do governador Élcio Álvares. Em Brasília, fui expulsa do
gabinete do então ministro Shigeaki Ueki, durante uma coletiva, porque ele não
gostava das minhas perguntas e reportagens. O Palácio do Planalto não me dava
credencial porque eu havia sido presa e processada pela Lei de Segurança
Nacional. Aquele governo usava o Estado contra seus inimigos. E eu era, sim,
inimiga do regime.
Na democracia, em todos os governos, ouvi
reclamações de ministros e autoridades que eventualmente não gostaram de
comentários ou colunas que fiz. Mas eram reclamações apenas, algumas me
ajudaram a entender melhor um tema; outras eram desprovidas de razão. Desta
vez, foi bem diferente; a atitude só é comparável com a que acontece em
governos autoritários.
O Planalto afirma que não tem como saber quem
foi. É ingenuidade acreditar que uma pessoa isolada, enlouquecida, resolveu, do
IP da sede do governo, achincalhar jornalistas. A tese do regime militar de que
os excessos eram cometidos pelos “bolsões sinceros, porém radicais” nunca fez
sentido. Alguém deu ordem para que isso fosse executado. É uma política. Não é
um caso fortuito. E o alvo não sou eu ou o Sardenberg. Este governo desde o
princípio não soube lidar com as críticas, não entende e não gosta da imprensa
independente. Tentou-se no início do primeiro mandato Lula reprimir os
jornalistas através de conselhos e controles. A ideia jamais foi abandonada.
Agora querem o “controle social da mídia”, um eufemismo para suprimir a
liberdade de imprensa.
Sim, eu faço críticas à política econômica do
governo porque ela tem posto em risco avanços duramente conquistados, tem
tirado transparência dos dados fiscais, tem um desempenho lamentável, tem
criado passivos a serem pagos nos futuros governos e por toda a sociedade. Isso
não me transforma em inimiga. E, ainda que eu fosse, constitucionalmente o
governo não tem o direito de fazer o que fez. É ilegal e imoral.
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