segunda-feira, 11 de abril de 2011

Por um debate econômico realista

FERNANDO SAMPAIO é consultor econômico. Integrou a equipe de editorialistas da Folha entre 2002 e 2009. CARLOS EDUARDO SOARES GONÇALVES é professor livre-docente da FEA/USP e escreveram na FOLHA de hoje o artigo “Por um debate econômico realista.”

O debate em torno da política econômica de curto prazo se intensificou no Brasil recentemente.

Após a definição do reajuste do salário mínimo e dos cortes no Orçamento, o foco da polêmica se deslocou. Inúmeros analistas passaram a centrar seus questionamentos na adoção de medidas macroprudenciais, que encarecem ou limitam o ímpeto de expansão do crédito.

O principal questionamento é dirigido aos objetivos dessas medidas (que receberam novo reforço significativo a partir da sexta-feira passada, dia 8 de abril).

Elas visam apenas evitar que segmentos do sistema financeiro assumam riscos exagerados na concessão de crédito? Ou estariam sendo adotadas para frear as vendas no mercado interno, e, portanto, como complemento à elevação da taxa de juros básica ou, ainda, como alternativa a um aumento mais pronunciado da Selic?

Este artigo não traz respostas a essas questões. Nosso objetivo é chamar a atenção para aspectos da conjuntura econômica que nem sempre têm sido devidamente considerados dentro do debate.

São dois os aspectos que não podem ser omitidos, nem tratados de maneira elíptica, na discussão sobre a atuação do Banco Central.

O primeiro é o caráter excepcional da conjuntura econômica global. Os efeitos da crise financeira iniciada em meados de 2007, bem como as respostas de política econômica que tal crise sem precedentes suscitou, ainda configuram um quadro absolutamente singular.

É preciso dar a devida importância, em particular, ao fato de que as autoridades em vários dos mais importantes países desenvolvidos vêm pondo em prática uma política ineditamente agressiva de relaxamento monetário, o chamado "quantitative easing", em curso (com evidentes peculiaridades em cada caso) tanto nos Estados Unidos como na Europa.

Nesse contexto, os investidores, tendo à disposição imenso volume de dinheiro barato e confrontando-se com taxas de juros perto de zero nos principais centros financeiros mundiais, procuram avidamente opções mais rentáveis (e mais arriscadas, desnecessário frisar).

Essa última consideração remete ao segundo aspecto que queremos salientar: no Brasil, a taxa de juros básica é muito mais alta do que nas economias cuja classificação de risco é comparável à nossa.

Tal fato condiciona, evidentemente, as opções da política econômica brasileira, numa conjuntura de enorme sobreliquidez global e pressões de valorização de ativos e moedas de economias "emergentes" (assim como as opções das nossas autoridades terão de ser reavaliadas à medida que os bancos centrais dos países desenvolvidos começarem a reverter as políticas extraordinárias adotadas no calor da crise, processo que, na Europa, acaba de começar, com o aumento da taxa de juros determinado neste dia 7 pelo BC europeu).

Reconhecer a relevância crucial desses aspectos não implica abonar nem condenar as opções do BC brasileiro, tampouco configura atitude "heterodoxa" ou "ortodoxa".

Mas poderia ajudar a discriminar, como convém num debate público, divergências doutrinárias (ou ideológicas) de divergências analíticas.

Economistas são animais polêmicos. A despeito disso, existe consenso de que o manejo da política econômica demanda tanto ciência como arte -uma vez que exige, inexoravelmente, saltar do imprescindível rigor dos textos acadêmicos para a concretude turva do quadro institucional, das disputas de interesse, do jogo político-parlamentar, dos riscos e oportunidades que se apresentam naquela conjuntura global e local específica.

Por que razão não seriam idênticas as exigências sobre quem abraça o ofício de avaliar a política econômica e seus efeitos?

domingo, 10 de abril de 2011

Enfraquecer o real é batalha perdida

DUAS NOVAS medidas do governo no sentido de enfraquecer o real não vão alterar a força de nossa moeda. A razão dessa minha observação é muito simples: barreiras à entrada de capitais financeiros de curto prazo não compensam as forças estruturais, de longo prazo, que estão agindo no mercado de câmbio. O problema do real forte é uma questão que merece uma reflexão mais profunda e uma política mais abrangente por parte do governo. E isso não está acontecendo... As medidas pontuais que vêm sendo tomadas são corretas, mas têm objetivos limitados e que precisam ser explicitados pelo ministro da Fazenda. A cobrança de um imposto que incide sobre títulos de renda fixa e empréstimos externos de curto prazo tem como objetivo principal melhorar a qualidade dos capitais financeiros que estão entrando no país. Mas sua eficácia para forçar a desvalorização do real -ou pelo menos interromper seu fortalecimento- é muito baixa. Quando se está em uma posição pública, como a do ministro da Fazenda, a forma de se comunicar com a sociedade passa a ser uma questão fundamental. Por isso deve-se trabalhar com conceitos bastante rígidos e claros, para não entrar em um processo de perda de credibilidade. Temo que o ministro da Fazenda esteja nessa situação, em razão da forma como vem tratando a questão da valorização do real. Para não ficar apenas na crítica fácil, trago ao leitor da Folha algumas ideias para um novo discurso do governo em relação a essa questão. Eu começaria apresentando de maneira mais clara as razões pelas quais o dólar está sendo cotado abaixo de R$ 1,60. Considerando a valorização da moeda e o retorno dos juros locais, o ganho proporcionado pelo real é imbatível: desde o início de 2006, chegou a mais de 150%. Para o leitor ter uma ideia da força desse movimento, basta compará-lo ao de outras moedas de países emergentes, nesse mesmo período e com o mesmo critério (incluindo os juros de cada país no período): peso argentino, 50%, dólar canadense, 40%, yuan chinês, 22%, e won sul-coreano, 6%. Somente o dólar australiano -país que tem nas exportações de produtos primários uma força comparável à nossa- teve uma valorização mais acentuada, porém ainda bem inferior à do real: 91%. Por isso começaria por esse fato minhas explicações à opinião pública. A força do real -e do dólar australiano- tem muito a ver com a valorização dos produtos primários nos mercados internacionais depois de 2004. E o Brasil foi um dos grandes beneficiários desse movimento, que deve permanecer por muitos anos. Em 2003, cada US$ 100 de exportações brasileiras podiam comprar o equivalente a US$ 90 dos principais itens de nossa pauta de importações; hoje, os mesmos US$ 100 de exportações podem comprar quase US$ 140 de produtos importados. Essa dinâmica tem sido responsável por um aumento anual de mais de 1,6% no PIB brasileiro nos últimos anos. E isso não é explicitado pelos porta-vozes do governo. Explicado ao distinto público o caráter estrutural e benéfico da força do real, seria preciso caminhar mais na direção de explicitar os problemas que são criados nessa situação. O governo tem sido mais claro na explicação desse lado negro do processo que vivemos. Mas, como não explicita o lado virtuoso, fica a impressão de que se deve buscar a qualquer preço uma moeda mais fraca. Isso aumenta a responsabilidade do governo com as ações do Ministério da Fazenda e o preço do inevitável fracasso que deve se seguir. Creio que a questão mais difícil que vive o governo Dilma hoje é a de apresentar um balanço de perdas e ganhos nessa questão da taxa de câmbio e, em um segundo momento, definir uma proposta para enfrentá-la. O caminho da comunicação trilhado desde o governo Lula passa a uma distância lunar dessa minha proposta. Atacar inimigos externos -como os especuladores e as taxas de juros muito baixas nos Estados Unidos- está de acordo com os manuais petistas. Mas criará muito mais problemas do que soluções para o governo da presidente Dilma, que, por ser a herdeira de Lula, terá que enfrentar a crise na indústria brasileira.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Triângulo de incertezas.

O tripé-base da política macroeconômica desde 1999 objetiva um círculo virtuoso entre seus instrumentos.

Os superavit fiscais comprimem os juros e permitem um câmbio mais depreciado, o que impulsiona o crescimento e a arrecadação tributária, sem pressionar a inflação, facilitando o desempenho orçamentário e criando condições para o desenvolvimento.

O ponto é que está havendo uma perda de virtuosidade e os três pilares, em vez de se reforçarem, estão enfraquecendo uns aos outros e drenando cada vez mais recursos para se sustentarem.

A dinâmica financeira está aos poucos asfixiando o setor produtivo e limitando o crescimento do país. O tripé está transformando-se num triângulo de incertezas.

A política de aumentar as reservas internacionais é duplamente perversa; por um lado, à medida que aumenta o estoque de dólares, ao contrário dos anúncios, o preço da moeda norte-americana cai mais, prejudicando a indústria brasileira; por outro, é financiada com títulos públicos, gerando uma despesa líquida de dezenas de bilhões de reais ao ano.

A política monetária é míope. A protelação do aperto monetário (com debates sobre juro neutro, minimização do risco inflacionário e medidas macroprudenciais, que confundem apertos de liquidez com instrumentos monetários) já se reflete em um aumento da taxa para rolar a dívida pública, elevando o custo do ajuste.

Em política fiscal, o desempenho pode melhorar com mais transparência e eficiência. Um exemplo: foca-se demais o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), que demanda recursos vultosos e tem um efeito limitado no crescimento, em detrimento de outras ações.

Poder-se-ia criar o PAI (Programa de Adequação Institucional); medidas para facilitar a vida dos que produzem (leia-se: simplificar a burocracia brasileira, literalmente a pior do mundo de acordo com o Fórum Econômico Mundial).

Isso teria impactos positivos no investimento e na produção; além disso, seu custo é ínfimo.

A reversão dessa dinâmica é imperativa. Há sinais de alerta nos indicadores: as projeções de crescimento estão caindo, a inflação está mais forte, há mais pressão fiscal, os juros e a inadimplência estão aumentando, há perda de competitividade da indústria nacional e a necessidade de cortes de gastos está maior a cada dia. Não é um quadro que alarma, mas exige mudanças.

O Brasil tem um potencial formidável, sua condução econômica é determinada e tem realizado ações positivas, entretanto, está preso a uma concepção anacrônica da economia. Ajustes são mandatórios.

Em política monetária, a prescrição é clara: contundência no curto prazo e atuação para baixar a taxa neutra no médio prazo, o triplo da observada em outros países com dinâmica macroeconômica similar. É imperativo eliminar distorções, como ter quase metade do crédito imune às variações da Selic, ativos pós-fixados, compulsórios draconianos e tributação do crédito.

Uma política fiscal mais racional é premente. No câmbio, deve-se aumentar a demanda interna por divisas, liberando contas em moeda estrangeira, abandonar a política de comprar dólares, que é comprovadamente perversa, minorar os efeitos da valorização com a criação do PAI e fazer adaptações para melhorar a qualidade dos recursos que entram no país.

Concluindo, políticas cambial, fiscal e monetária adequadas são apenas meios para criar condições para o desenvolvimento do país.

As distorções apontadas podem e devem ser corrigidas para sair do triângulo, voltar ao tripé e fazer o Brasil acontecer.


ROBERTO LUIS TROSTER é doutor em economia pela USP. Foi economista-chefe da Febraban, da ABBC e do Banco Itamarati e professor da USP, da PUC-SP e da Universidade Mackenzie.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

O que incomoda.

ANTONIO DELFIM NETTO, hoje na FOLHA DE S. PAULO, escreve sobre o que incomoda.

É um fato intuitivo que, quando existem fatores de produção disponíveis (terra, mão de obra, infraestrutura, bens de capital e empresários inovadores), a expansão do crédito induzirá o seu uso sem criar pressões inflacionárias.

Um "fator de produção" frequentemente esquecido é a importação de bens e serviços, que precisa ser "comprada" com as exportações. O papel da taxa de câmbio, nesse processo, é o de um preço relativo que equilibra o valor dos bens e serviços exportados com o dos bens e serviços importados, sem os quais a produção interna seria ineficiente.

Sendo assim, a expansão do crédito que mobiliza o crescimento pode ser feita com equilíbrio interno (sem pressões inflacionárias) e equilíbrio externo (sem acumulação de deficits em conta-corrente). Essa idealização do processo econômico é útil, mas esconde a complexidade dos problemas da política econômica quando se esgota a disponibilidade dos fatores de produção na proporção adequada.

É possível dar a esse nível do PIB o título pomposo de "produto potencial". Ele de fato existe, mas não pode ser calculado, mesmo com as mais estranhas funções de produção (que, às vezes, não passam de identidade) e, muito menos, como projeção do passado, pois depende do estado psicológico e das expectativas dos agentes sociais.

É fato óbvio que o melhor "hedge" para reforçar a credibilidade do Banco Central é parametrizar a sua política com uma subestimação do "produto potencial" e uma superestimação da taxa de juro real de equilíbrio, o que implica em custos sociais. Isso que agrada aos "falcões" parece estar mudando com a nova orientação da casa.

Mas, mesmo simples, tal idealização nos permite entender por que a taxa de câmbio (como preço relativo que equilibra o fluxo do valor da oferta e da procura) teria de valorizar-se no Brasil.

Se uma tonelada (composta das miríades de bens e serviços exportados) comprava uma tonelada (composta das miríades de bens e serviços importados) e, graças aos aumentos dos preços de nossos produtos exportados, ela hoje compra 1,3 toneladas, é claro que o preço relativo (a taxa de câmbio) deve valorizar-se.

É também um fato empírico (explicado analiticamente) que uma valorização do câmbio tende a seguir o aumento do nível do PIB per capita. O que nos incomoda não é propriamente que: 1º) a liberdade de movimento de capitais transformou a taxa de câmbio num ativo financeiro ou 2º) que as inovações financeiras tornaram o real uma das "commodities" mais transacionadas no mundo.

O que nos incomoda é que não faremos parte desse mundo enquanto nossa taxa de juro real for três ou quatro vezes maior do que a mundial!

A importância de debater o PIB nas eleições 2022.

Desde o início deste 2022 percebemos um ano complicado tanto na área econômica como na política. Temos um ano com eleições para presidente, ...