Leio no Estadão um excelente editorial sobre a recente visita do Papa.
A passagem do papa Francisco pelo Brasil gerou grande entusiasmo entre os devotos católicos, graças à sua inequívoca cobrança por renovação da Igreja.
Em
razão de sua linguagem coloquial e direta e de sua genuína disposição de se
aproximar das pessoas comuns, conseguiu deixar também mensagens importantes
para os brasileiros em geral.
A
visita pode ser considerada como o início prático de seu pontificado, e nela
ficou clara a determinação de Francisco de sacudir a Igreja e reaproximá-la dos
pobres. Ele defendeu a mudança das “estruturas caducas” da instituição que
dirige, para fazer com que o trabalho eclesial tenha por objetivo não mais a
“Igreja como organização” e, sim, “o povo de Deus na sua totalidade”.
Francisco
condenou a interpretação ideológica da mensagem evangélica, o que chamou de
“reducionismo socializante”. Foi uma referência à Teologia da Libertação, que
faz uma leitura marxista das palavras de Jesus Cristo e as caracteriza como uma
denúncia contra as injustiças sociais.
Mas
a crítica do papa também disse respeito à leitura do Evangelho de acordo com o
“liberalismo de mercado” ou como uma mera forma de autoconhecimento - e,
portanto, sem sentido missionário.
O
papa criticou ainda o “restauracionismo”, isto é, o movimento que defende o
recurso à absoluta disciplina doutrinária para restabelecer os pilares da
Igreja. Para ele, trata-se de uma regressão.
Na
outra ponta, Francisco atacou a ideia de transformar a Igreja numa empresa ou
numa ONG, de acordo com uma certa “teologia da prosperidade”, em que a fé é
recompensada por ganhos pessoais.
Assim,
para Francisco, ao católico não basta ater-se à doutrina ou sonhar com a utopia
do fim das desigualdades. É preciso arregaçar as mangas e ser um “discípulo
missionário”, que represente o “Deus que sai ao encontro de seu povo”. No caso
dos bispos, disse o papa, é preciso que sejam “homens que amem a pobreza” e que
“não tenham psicologia de príncipes”.
Francisco, que já está sendo chamado de “o papa do povo”, pediu que a Igreja deixe a
acomodação e “saia às ruas”, e que os fiéis sejam “cristãos de verdade, não
cristãos de fachada”.
A
humildade como princípio e a disposição ao diálogo também nortearam os
discursos do papa dirigidos às autoridades seculares. Depois de criticar
“pessoas que, em vez de procurar o bem comum, procuram o próprio benefício”,
ele defendeu que a formulação de políticas públicas seja baseada em valores
éticos. Pediu ainda que os líderes políticos atuem somente após refletir sobre
as consequências das decisões que tomam, de modo a “chegar ao centro dos males
da sociedade”- Trata-se, em suas palavras, da imposição de “um vínculo moral
com uma responsabilidade social e profundamente solidária”.
Numa
mensagem direta tanto aos governantes como aos eleitores brasileiros, Francisco
disse que “é impossível imaginar um futuro para a sociedade sem uma vigorosa
contribuição das energias morais”, de modo a evitar que a democracia fique
“fechada na pura lógica da representação dos interesses constituídos”.
Para
isso, segundo o papa, é preciso estabelecer o diálogo, que é a única solução “entre
a indiferença egoísta e o protesto violento” - referindo-se tanto à apatia
política como a seu extremo oposto, isto é, a violência como forma de
manifestação, algo que diversas capitais do País vêm enfrentando há semanas.
“Ou se aposta na cultura do encontro ou todos perdem”, disse Francisco.
Aos
jovens a quem se dirigiu na Jornada Mundial da Juventude, o papa pediu que
fossem “revolucionários”, isto é, que “se rebelem contra essa cultura do
provisório”, assumindo responsabilidades sem se deixar levar “pelas modas e
conveniências do momento”.
Tal
convocação não diz respeito somente às convicções cristãs, mas à necessidade de
que os jovens brasileiros, nas palavras do papa, “não sejam covardes”, que
superem o desgosto com a política, que não se rendam ao estereótipo de que são
imaturos e que assumam o papel de “protagonistas da História”.