Roberto
Luis Troster, consultor e doutor em economia pela USP, foi economista chefe da
Febraban e da ABBC e professor da USP, Mackenzie e PUC-SP. Hoje no Valor
Econômico.
Dois
temas dominam o mês de fevereiro: Carnaval e o lucro dos bancos. O primeiro é
uma unanimidade e o outro uma polêmica que se acirra a cada ano que passa. Com
a publicação dos balanços anuais, os resultados líquidos, superiores a R$ 60
bilhões em 2011, de um lado serão defendidos como consequência de uma gestão
primorosa e de investimentos responsáveis e, de outro, atacados e classificados
como exagerados e indecentes. É um debate de surdos.
A
questão subjacente é a legitimidade dos lucros, que é a visão heterogênea que o
público tem deles e está baseada em aspectos legais, éticos, concorrenciais e
culturais, sendo o ponto chave se sua contribuição para a sociedade é
compatível com as recompensas a seus acionistas e gestores. Um paralelo pode
ser feito com a indústria do fumo, que gera empregos, impostos e divisas, mas,
por outro lado, tem um custo social elevado por conta de seus efeitos danosos
na saúde pública. A intermediação de recursos no Brasil é abrangente e sólida.
Todavia, a oferta de crédito apresenta níveis de instabilidade e ineficiência
incompatíveis com a sofisticação dos bancos.
As
oscilações nos juros cobrados e nos volumes ofertados são elevadas. Em 2011,
observaram-se taxas médias de crédito que variaram mais de 20% e a composição
entre linhas de recursos apresentou diferenças de composição altas. A
ineficiência no Brasil, medida pelas diferença entre taxas de captação e
aplicação, em alguns casos, superou os 300%. De acordo com levantamento feito
pelo Fórum Econômico Mundial (Davos), é a segunda pior do mundo, só o Zimbábue
tem margens de crédito maiores que as tupiniquins.
As
consequências são palpáveis. A inadimplência, mesmo com o recorde de desemprego
baixo, é mais que o dobro da média mundial. A demanda de crédito está
diminuindo, apesar dos avanços da bancarização. Ilustrando o ponto, pesquisa do
IPEA mostra que o número de famílias sem nenhuma dívida aumentou e alcança a
56%; a mesma sondagem relatou que 36% das endividadas não teria como saldar
suas obrigações. Levantamento do Sebrae apontou que 71% de pequenas e médias
empresas não buscaram empréstimos bancários. É uma situação incompatível com a
capacidade do sistema financeiro nacional em emprestar e melhorar o potencial
de pessoas, de corporações e do país.
No
governo Lula, houve alguns acertos pontuais como o crédito consignado e uma
expansão considerável, mas também retrocessos como as margens da conta
garantida e as do cheque especial, que aumentaram 30% e quase 20%,
respectivamente. Em 2011, manteve-se a tendência e continuaram deteriorando-se
com altas de 8% e 14%, respectivamente. Apesar da sofisticação, a relação crédito
e Produto Interno Bruto (PIB) é parecida com a da Bolívia, e, se as projeções
estiverem corretas, só alcançará o mesmo nível do Chile, que tem um sistema
financeiro menos sofisticado que o brasileiro, em mais de uma década. Os
números de expansão do crédito, recentes e projetados, mostram recursos
direcionados crescendo ao dobro da taxa real dos livres, gerando inquietações
com relação ao futuro.
Nos
debates sobre os lucros, é comum responsabilizar a cobiça dos bancos como causa
das dificuldades. Mas os banqueiros brasileiros não são mais gananciosos que os
de outros países e/ou dos demais empresários. A mesma tem influência em algumas
situações muito específicas, mas não é o que explica a falta de legitimidade
dos lucros dos bancos. Supondo que todos eles decidissem reduzir as tarifas e
taxas bancárias cobradas em 15%, zerariam seus lucros, mas não resolveriam o
imbróglio. Ficariam sem recursos para investir e o sistema continuaria a ser
ineficiente, com as segundas taxas de juros mais altas do planeta,
instabilidade na oferta de recursos e uma expansão de financiamentos
distorcida.
A
origem dos problemas é outra: está na "Copomização" do debate
bancário, que está focado nas reuniões do Copom que determinam a Selic (uma
taxa interbancária de um dia). As decisões são tomadas em um processo em grande
estilo com comunicados, atas e relatórios que detalham seus fundamentos,
boletins com as expectativas do mercado, modelos econométricos que dão suporte,
encontros regulares com economistas, uma equipe qualificada que analisa
minuciosamente todos os fatores que influenciam e acompanhado extensivamente
pela imprensa. É uma taxa importante que deve baixar. Todavia, não é a única,
nem é o que mais atrapalha o desenvolvimento do país. O ponto é a pouca atenção
dada às demais, que são administradas com medidas - leia-se improvisos, mais
retalhos na colcha que é o quadro institucional financeiro.
As
distorções no tratamento da questão dos juros são gritantes. Enquanto a taxa
Selic, centro das atenções, aumentou 0,25% em 2011 e foi manchete em cada
alteração, a de crédito pessoal (excluído o consignado) se elevou 11,40%
(quarenta e cinco vezes mais!), e não foi notícia. Há taxas médias para pessoa
jurídica que são mais de dez vezes maiores que a Selic. Para pessoa física,
mais de 15 e há também financiamentos para o tomador final que estão a mais de
trinta. Não há diferença material relevante para esses tomadores de
financiamentos se a Selic está a 9% ou 12%. Mesmo assim, a oferta de crédito
continua sendo administrado com medidas, culpando-se os banqueiros e dando-se o
foco das atenções ao Copom, "Copomizando" ainda mais o debate.
Falta
ao país uma política bancária que trate do custo do crédito, da cunha
tributária, da transparência, da proteção ao consumidor bancário, do
direcionamento de recursos, do desempenho dos bancos públicos, da estabilidade
da oferta, dos compulsórios, do processo de precificação, da concorrência, do
financiamento de longo prazo, do microcrédito, da bancarização, do uso da
tecnologia, do ônus regulatório, dos financiamentos de longo prazo, do papel de
bancos menores, da liquidez, dos custos de observância, enfim, de todos os
demais fatores e da taxa Selic. O setor não pode ficar refém do vaivém das
circunstâncias, o momento pede uma modernização institucional.
Uma
intermediação financeira eficiente e estável interessa ao país. O crédito é a
ponte entre o presente e o futuro e necessita de uma política consistente que
alinhe interesses privados com sociais, que proporcione mais lucros e mais legítimos
para os bancos e mais desenvolvimento para o país. Não são objetivos
incompatíveis, pelo contrário. É possível, há uma janela de oportunidade e o
governo quer fazer acontecer. Cumpra-se!