quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

A "Copomização" do debate do sistema bancário.


Roberto Luis Troster, consultor e doutor em economia pela USP, foi economista chefe da Febraban e da ABBC e professor da USP, Mackenzie e PUC-SP. Hoje no Valor Econômico. 

Dois temas dominam o mês de fevereiro: Carnaval e o lucro dos bancos. O primeiro é uma unanimidade e o outro uma polêmica que se acirra a cada ano que passa. Com a publicação dos balanços anuais, os resultados líquidos, superiores a R$ 60 bilhões em 2011, de um lado serão defendidos como consequência de uma gestão primorosa e de investimentos responsáveis e, de outro, atacados e classificados como exagerados e indecentes. É um debate de surdos.

A questão subjacente é a legitimidade dos lucros, que é a visão heterogênea que o público tem deles e está baseada em aspectos legais, éticos, concorrenciais e culturais, sendo o ponto chave se sua contribuição para a sociedade é compatível com as recompensas a seus acionistas e gestores. Um paralelo pode ser feito com a indústria do fumo, que gera empregos, impostos e divisas, mas, por outro lado, tem um custo social elevado por conta de seus efeitos danosos na saúde pública. A intermediação de recursos no Brasil é abrangente e sólida. Todavia, a oferta de crédito apresenta níveis de instabilidade e ineficiência incompatíveis com a sofisticação dos bancos.

As oscilações nos juros cobrados e nos volumes ofertados são elevadas. Em 2011, observaram-se taxas médias de crédito que variaram mais de 20% e a composição entre linhas de recursos apresentou diferenças de composição altas. A ineficiência no Brasil, medida pelas diferença entre taxas de captação e aplicação, em alguns casos, superou os 300%. De acordo com levantamento feito pelo Fórum Econômico Mundial (Davos), é a segunda pior do mundo, só o Zimbábue tem margens de crédito maiores que as tupiniquins.

As consequências são palpáveis. A inadimplência, mesmo com o recorde de desemprego baixo, é mais que o dobro da média mundial. A demanda de crédito está diminuindo, apesar dos avanços da bancarização. Ilustrando o ponto, pesquisa do IPEA mostra que o número de famílias sem nenhuma dívida aumentou e alcança a 56%; a mesma sondagem relatou que 36% das endividadas não teria como saldar suas obrigações. Levantamento do Sebrae apontou que 71% de pequenas e médias empresas não buscaram empréstimos bancários. É uma situação incompatível com a capacidade do sistema financeiro nacional em emprestar e melhorar o potencial de pessoas, de corporações e do país.

No governo Lula, houve alguns acertos pontuais como o crédito consignado e uma expansão considerável, mas também retrocessos como as margens da conta garantida e as do cheque especial, que aumentaram 30% e quase 20%, respectivamente. Em 2011, manteve-se a tendência e continuaram deteriorando-se com altas de 8% e 14%, respectivamente. Apesar da sofisticação, a relação crédito e Produto Interno Bruto (PIB) é parecida com a da Bolívia, e, se as projeções estiverem corretas, só alcançará o mesmo nível do Chile, que tem um sistema financeiro menos sofisticado que o brasileiro, em mais de uma década. Os números de expansão do crédito, recentes e projetados, mostram recursos direcionados crescendo ao dobro da taxa real dos livres, gerando inquietações com relação ao futuro.

Nos debates sobre os lucros, é comum responsabilizar a cobiça dos bancos como causa das dificuldades. Mas os banqueiros brasileiros não são mais gananciosos que os de outros países e/ou dos demais empresários. A mesma tem influência em algumas situações muito específicas, mas não é o que explica a falta de legitimidade dos lucros dos bancos. Supondo que todos eles decidissem reduzir as tarifas e taxas bancárias cobradas em 15%, zerariam seus lucros, mas não resolveriam o imbróglio. Ficariam sem recursos para investir e o sistema continuaria a ser ineficiente, com as segundas taxas de juros mais altas do planeta, instabilidade na oferta de recursos e uma expansão de financiamentos distorcida.

A origem dos problemas é outra: está na "Copomização" do debate bancário, que está focado nas reuniões do Copom que determinam a Selic (uma taxa interbancária de um dia). As decisões são tomadas em um processo em grande estilo com comunicados, atas e relatórios que detalham seus fundamentos, boletins com as expectativas do mercado, modelos econométricos que dão suporte, encontros regulares com economistas, uma equipe qualificada que analisa minuciosamente todos os fatores que influenciam e acompanhado extensivamente pela imprensa. É uma taxa importante que deve baixar. Todavia, não é a única, nem é o que mais atrapalha o desenvolvimento do país. O ponto é a pouca atenção dada às demais, que são administradas com medidas - leia-se improvisos, mais retalhos na colcha que é o quadro institucional financeiro.

As distorções no tratamento da questão dos juros são gritantes. Enquanto a taxa Selic, centro das atenções, aumentou 0,25% em 2011 e foi manchete em cada alteração, a de crédito pessoal (excluído o consignado) se elevou 11,40% (quarenta e cinco vezes mais!), e não foi notícia. Há taxas médias para pessoa jurídica que são mais de dez vezes maiores que a Selic. Para pessoa física, mais de 15 e há também financiamentos para o tomador final que estão a mais de trinta. Não há diferença material relevante para esses tomadores de financiamentos se a Selic está a 9% ou 12%. Mesmo assim, a oferta de crédito continua sendo administrado com medidas, culpando-se os banqueiros e dando-se o foco das atenções ao Copom, "Copomizando" ainda mais o debate.

Falta ao país uma política bancária que trate do custo do crédito, da cunha tributária, da transparência, da proteção ao consumidor bancário, do direcionamento de recursos, do desempenho dos bancos públicos, da estabilidade da oferta, dos compulsórios, do processo de precificação, da concorrência, do financiamento de longo prazo, do microcrédito, da bancarização, do uso da tecnologia, do ônus regulatório, dos financiamentos de longo prazo, do papel de bancos menores, da liquidez, dos custos de observância, enfim, de todos os demais fatores e da taxa Selic. O setor não pode ficar refém do vaivém das circunstâncias, o momento pede uma modernização institucional.

Uma intermediação financeira eficiente e estável interessa ao país. O crédito é a ponte entre o presente e o futuro e necessita de uma política consistente que alinhe interesses privados com sociais, que proporcione mais lucros e mais legítimos para os bancos e mais desenvolvimento para o país. Não são objetivos incompatíveis, pelo contrário. É possível, há uma janela de oportunidade e o governo quer fazer acontecer. Cumpra-se!

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