Antonio Delfim Netto, ontem no Valor Econômico.
Há algumas semanas tive a oportunidade de afirmar
nesta coluna que muitos economistas altamente qualificados manifestaram, no
início dos anos 90 do século passado, dúvidas a respeito da possibilidade de
uma moeda única poder funcionar na Comunidade Econômica Europeia.
Na antevéspera do lançamento do euro, 150 dos
mais renomados e bem apetrechados economistas alemães assinaram um
"manifesto" em que condenavam a precipitação de instituir o euro sem
antes ter construído uma "área monetária ótima", acompanhada de uma
forte coordenação das políticas fiscais entre os países e a construção de um
Banco Central autônomo, que pudesse, de fato, exercer a sua função de
"emprestador de última instância" nos momentos de crise. Essas,
seguramente, pela própria natureza da economia de mercado, viriam a existir.
Recebi um e-mail de um gentil leitor perguntando se poderia dar exemplos além
dos economistas alemães.
Vou tentar atendê-lo revelando as opiniões de
dois brilhantes monetaristas que em 1963 publicaram uma das obras-primas da
literatura econômica do século XX, Milton Friedman e Anna Schwartz ("A
Monetary History of the United States: 1867-1960"). Em entrevistas
independentes, dadas, respectivamente, em junho de 1992 e setembro de 1993 para
a magnífica revista do Federal Reserve Bank of Minneapolis, eles falaram sobre
o assunto.
À pergunta (junho de 1992): "Qual é a sua
opinião sobre o projeto de uma moeda única na eurolândia?", Friedman
respondeu: "Não creio que funcione na minha geração. Talvez na sua, mas
não tenho qualquer certeza"... e acrescentou: "Seria altamente
desejável que a Europa tivesse uma única moeda, da mesma forma que temos nos
EUA. Mas para tê-la você precisa de uma área onde as pessoas e os bens movam-se
livremente e na qual exista suficiente homogeneidade de interesses, para que
não haja estresse político criado pelo desenvolvimento desigual das diferentes
partes da área. Para ilustrar. Temos hoje (1992) uma região dos EUA
("Northeast in general"), em grave dificuldade. Se ela fosse um país
separado dos EUA, com outra língua e com um suposto governo nacional próprio,
seria fortemente tentada a realizar uma desvalorização cambial, o que não pode
fazer... Além do mais, a eurolândia deveria ter um verdadeiro Banco Central com
toda autoridade, o que implica fechar a Banque de France, a Banca d"Italia
e o Deutsche Bundesbank... Os planos pretendem isso, mas é claro que entre
pretender e fazer há uma imensa distância"...
No mesmo diapasão, temos Anna Schwartz. À
pergunta (setembro de 1993) "Tem a história alguma lição a dar aos
planejadores da união monetária da Europa?", ela respondeu: "Os
planejadores da União Europeia deveriam estudar com muito cuidado as razões
pelas quais o "gold standard"-, anterior à Primeira Guerra Mundial,
foi um regime bem-sucedido; por que a Conferência Econômica de Gênova, de 1922,
e a Conferência Econômica de Londres, de 1933, falharam; por que o "gold
standard" entre as duas guerras entrou em colapso; por que o acordo de
Bretton Woods não sobreviveu à inflação dos EUA; por que o Exchange Rates
Mechanism (firmado ente os países europeus para coordenar suas taxas de câmbio)
está nas "cordas" desde 1992. A lição do passado é que um regime
monetário só é bem-sucedido quando países com os mesmos objetivos sofrem os
mesmos choques. Os países-membros devem estar dispostos a ceder sua soberania a
uma autoridade monetária transnacional. Num mundo de incertezas e choques não
antecipados, os países têm prioridades nacionais, que não podem prescindir do
uso de políticas monetárias domésticas e, portanto, resistem a assumir
compromisso com um único objetivo: a estabilidade dos preços". E termina
afirmando que "a história dos regimes monetários internacionais sugere que
a união monetária europeia é a non starter"!
Vemos que Friedman e Schwartz (com alguma teoria
e muita história) colocam o dedo na real dificuldade do euro: o desequilíbrio
das taxas de câmbio nominalmente fixadas na moeda única, mas
"virtualmente" flutuantes dentro da zona do euro, pelo dinamismo
diferente da economia de cada um de seus membros.
Esse problema só desaparece quando temos uma
federação de fato, como é o caso dos EUA, do Brasil e da Alemanha, onde um
poder central redistribui para as regiões, que têm um déficit
"virtual" em contas correntes, parte dos recursos tributários
recolhidos nas outras, sem que aquelas tenham de reduzir seu crescimento ou
endividar-se.
Nada disso é novidade. Aliás, foram as
dificuldades cambiais dentro do "gold standard" que levaram à
tentativa de mimetizar uma desvalorização cambial sem, de fato realizá-la. Um
exemplo é o esquema primitivo de Keynes nos anos 30: uma tarifa
"ad-valorem" sobre todas as importações e o uso dos seus recursos
para subsidiar as exportações, que recebeu o nome de "desvalorização
fiscal".
Quem tiver disposição para ver os
"progressos" dessa ideia usando o modelo novo keynesiano de
Equilíbrio Dinâmico Geral Estocástico (DSGE), não deve perder o artigo
"Fiscal Devaluation", (NBER - Working Paper 17.662, de dezembro/
2011), onde outros instrumentos para tentar realizá-la (aumento de impostos
indiretos e redução das contribuições sociais) são sugeridos. Fé, coragem e bom
apetite!
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