Martin
Wolf, do Financial Times, hoje no Valor Econômico.
As
autoridades econômicas estão mais otimistas do que há dois meses. O principal
motivo é a crença de que o Banco Central Europeu (BCE), sob a inteligente
liderança de Mario Draghi, acabou com o risco de implosão financeira da região
do euro. Como destacou Mark Carney, o respeitado presidente do Banco do Canadá
e sucessor de Draghi no Conselho de Estabilidade Financeira (FSB, na sigla em
inglês), no Fórum Econômico Mundial, em Davos: "Não haverá um evento no
estilo do Lehman na Europa. Isso é importante."
Os
prêmios dos swaps de crédito, contratos de derivativos para proteção contra
calotes, dos bancos italianos e espanhóis caíram desde o lançamento das
operações de refinanciamento de longo prazo de três anos do BCE, em dezembro.
Também diminuiu a diferença entre o rendimento dos bônus alemães e o dos
títulos de dívidas de alguns países mais vulneráveis.
Se
isso significa que a crise da região do euro acabou? Absolutamente, não. O BCE
salvou a região do euro de um ataque cardíaco. Seus membros, no entanto, deparam-se
com uma longa convalescência pela frente, agravada pela insistência de que a
inanição fiscal é o remédio certo para pacientes fragilizados.
A
revisão para baixo das previsões de crescimento, na semana passada, pelo Fundo
Monetário Internacional (FMI) mostra os riscos. O FMI agora projeta recessão na
região do euro neste ano, com declínio de 0,5% no Produto Interno Bruto (PIB)
total. A previsão é de declínios acentuados no PIB da Itália e Espanha, com
estagnação na França e Alemanha. Trata-se de um cenário terrível para países
que procuram reduzir os déficits fiscais. As estimativas para outros países de
alta renda estão longe de ser satisfatórias, mas a região do euro é a região
mais perigosa da economia mundial: é apenas lá que vemos governos importantes -
Itália e Espanha - ameaçados por uma perda de capacidade creditícia.
Como
Donald Tsang, executivo-chefe de Hong Kong, ressaltou em Davos: "Nunca
estive tão assustado como estou agora". Observadores mais atentos têm
noção de que há pouco a separá-los de uma onda de inadimplência de bancos e
governos dentro da região do euro, cujas repercussões mundiais seriam medonhas.
O
BCE conseguiu diminuir o risco de um colapso imediato no setor bancário, mas o que
os observadores bem informados desejam ver são sistemas de proteção contra a
possibilidade de que, por exemplo, o desmoronamento da Grécia, incluindo sua
saída da região do euro, provoque pânico em relação às perspectivas de países
muito mais importantes. Em discurso corajoso em Berlim, na semana passada,
Christine Lagarde, diretora-gerente do FMI, assumiu esse desejo como uma de
suas três tarefas, juntamente com a aceleração do crescimento e a maior
integração.
O
que esses observadores querem ver é um compromisso de que os países vulneráveis
da região do euro ganharão o tempo e o tratamento necessários para se
recuperar. Naturalmente, também querem ver um comprometimento de recursos por
parte da região do euro que deixe clara a determinação de seus países em
assegurar esse resultado. Por que, verdadeiramente, deveríamos esperar que um
país relativamente pobre como a China contribua para resgatar uma região do
euro que mostrou pouca vontade ou capacidade de curar a si mesma?
Infelizmente,
o problema não é apenas de vontade. É de falta de um diagnóstico correto. Esse
é um problema que o BCE não pode corrigir. A Alemanha, como país credor,
opõe-se a uma "união de transferências" e insiste que a disciplina
fiscal é tudo. Está certa quanto ao primeiro ponto e errada quanto ao segundo.
Um
processo de longo prazo de transferência de recursos para membros não
competitivos seria um desastre, enfraquecendo os receptores e falindo os
fornecedores. Mas a indisciplina fiscal não é tudo. Assim como não foi a causa
dominante do colapso - que foi a concessão relaxada de empréstimos para
captadores privados imprudentes -, a disciplina fiscal não é a cura.
Além
disso, se o setor privado estiver com superávit estrutural financeiro para
reduzir suas dívidas, as autoridades monetárias podem eliminar déficits fiscais
estruturais se e somente se o país tiver um superávit estrutural em conta
corrente. A Alemanha deveria entender isso porque é precisamente isso que está
fazendo. Os países atingidos por crises financeiras quase sempre têm grandes
superávits financeiros estruturais do setor privado. Para que esses países, de
fato, eliminem os déficits fiscais estruturais, também precisarão ter
superávits estruturais em conta corrente, assim como a Alemanha. No entanto,
todos os países não podem ter esses superávits ao mesmo tempo, a não ser que a
região do euro os tenha como um todo.
É
impossível que países isoladamente sejam curados sem mudanças de contrapartida
em outros lugares. Como disse Lagarde, em Berlim, "recorrer a cortes orçamentários
generalizados, por todo o continente, apenas aumentará as pressões
recessivas". O aperto fiscal deve ser seletivo. Ainda mais importante, o
sinal de que o processo de ajuste está funcionando - tornando, portanto,
desnecessárias as transferências fiscais de longo prazo que a Alemanha
acertadamente detesta - seria uma demanda elevada no núcleo da região do euro,
com a inflação bem acima da média do bloco, uma imagem invertida do que se via
antes da crise.
O
tom mais forte de otimismo em relação à região do euro que ouvi em Davos
baseia-se no fato de que uma ruptura da união monetária traria resultados
calamitosos. Pessoas desesperadas, no entanto, são capazes de atos
desesperados. Os países-membros agora precisam do tempo necessário e da
oportunidade para se ajustarem. Sistemas fortes de proteção dariam o tempo
necessário, mas apenas mudanças na competitividade proporcionariam a
oportunidade. Sem nenhum dos dois, a crise certamente vai voltar.
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