quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Europa respira por aparelhos.


Martin Wolf, do Financial Times, hoje no Valor Econômico. 

As autoridades econômicas estão mais otimistas do que há dois meses. O principal motivo é a crença de que o Banco Central Europeu (BCE), sob a inteligente liderança de Mario Draghi, acabou com o risco de implosão financeira da região do euro. Como destacou Mark Carney, o respeitado presidente do Banco do Canadá e sucessor de Draghi no Conselho de Estabilidade Financeira (FSB, na sigla em inglês), no Fórum Econômico Mundial, em Davos: "Não haverá um evento no estilo do Lehman na Europa. Isso é importante."

Os prêmios dos swaps de crédito, contratos de derivativos para proteção contra calotes, dos bancos italianos e espanhóis caíram desde o lançamento das operações de refinanciamento de longo prazo de três anos do BCE, em dezembro. Também diminuiu a diferença entre o rendimento dos bônus alemães e o dos títulos de dívidas de alguns países mais vulneráveis.
Se isso significa que a crise da região do euro acabou? Absolutamente, não. O BCE salvou a região do euro de um ataque cardíaco. Seus membros, no entanto, deparam-se com uma longa convalescência pela frente, agravada pela insistência de que a inanição fiscal é o remédio certo para pacientes fragilizados.

A revisão para baixo das previsões de crescimento, na semana passada, pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) mostra os riscos. O FMI agora projeta recessão na região do euro neste ano, com declínio de 0,5% no Produto Interno Bruto (PIB) total. A previsão é de declínios acentuados no PIB da Itália e Espanha, com estagnação na França e Alemanha. Trata-se de um cenário terrível para países que procuram reduzir os déficits fiscais. As estimativas para outros países de alta renda estão longe de ser satisfatórias, mas a região do euro é a região mais perigosa da economia mundial: é apenas lá que vemos governos importantes - Itália e Espanha - ameaçados por uma perda de capacidade creditícia.

Como Donald Tsang, executivo-chefe de Hong Kong, ressaltou em Davos: "Nunca estive tão assustado como estou agora". Observadores mais atentos têm noção de que há pouco a separá-los de uma onda de inadimplência de bancos e governos dentro da região do euro, cujas repercussões mundiais seriam medonhas.

O BCE conseguiu diminuir o risco de um colapso imediato no setor bancário, mas o que os observadores bem informados desejam ver são sistemas de proteção contra a possibilidade de que, por exemplo, o desmoronamento da Grécia, incluindo sua saída da região do euro, provoque pânico em relação às perspectivas de países muito mais importantes. Em discurso corajoso em Berlim, na semana passada, Christine Lagarde, diretora-gerente do FMI, assumiu esse desejo como uma de suas três tarefas, juntamente com a aceleração do crescimento e a maior integração.

O que esses observadores querem ver é um compromisso de que os países vulneráveis da região do euro ganharão o tempo e o tratamento necessários para se recuperar. Naturalmente, também querem ver um comprometimento de recursos por parte da região do euro que deixe clara a determinação de seus países em assegurar esse resultado. Por que, verdadeiramente, deveríamos esperar que um país relativamente pobre como a China contribua para resgatar uma região do euro que mostrou pouca vontade ou capacidade de curar a si mesma?

Infelizmente, o problema não é apenas de vontade. É de falta de um diagnóstico correto. Esse é um problema que o BCE não pode corrigir. A Alemanha, como país credor, opõe-se a uma "união de transferências" e insiste que a disciplina fiscal é tudo. Está certa quanto ao primeiro ponto e errada quanto ao segundo.

Um processo de longo prazo de transferência de recursos para membros não competitivos seria um desastre, enfraquecendo os receptores e falindo os fornecedores. Mas a indisciplina fiscal não é tudo. Assim como não foi a causa dominante do colapso - que foi a concessão relaxada de empréstimos para captadores privados imprudentes -, a disciplina fiscal não é a cura.

Além disso, se o setor privado estiver com superávit estrutural financeiro para reduzir suas dívidas, as autoridades monetárias podem eliminar déficits fiscais estruturais se e somente se o país tiver um superávit estrutural em conta corrente. A Alemanha deveria entender isso porque é precisamente isso que está fazendo. Os países atingidos por crises financeiras quase sempre têm grandes superávits financeiros estruturais do setor privado. Para que esses países, de fato, eliminem os déficits fiscais estruturais, também precisarão ter superávits estruturais em conta corrente, assim como a Alemanha. No entanto, todos os países não podem ter esses superávits ao mesmo tempo, a não ser que a região do euro os tenha como um todo.

É impossível que países isoladamente sejam curados sem mudanças de contrapartida em outros lugares. Como disse Lagarde, em Berlim, "recorrer a cortes orçamentários generalizados, por todo o continente, apenas aumentará as pressões recessivas". O aperto fiscal deve ser seletivo. Ainda mais importante, o sinal de que o processo de ajuste está funcionando - tornando, portanto, desnecessárias as transferências fiscais de longo prazo que a Alemanha acertadamente detesta - seria uma demanda elevada no núcleo da região do euro, com a inflação bem acima da média do bloco, uma imagem invertida do que se via antes da crise.

O tom mais forte de otimismo em relação à região do euro que ouvi em Davos baseia-se no fato de que uma ruptura da união monetária traria resultados calamitosos. Pessoas desesperadas, no entanto, são capazes de atos desesperados. Os países-membros agora precisam do tempo necessário e da oportunidade para se ajustarem. Sistemas fortes de proteção dariam o tempo necessário, mas apenas mudanças na competitividade proporcionariam a oportunidade. Sem nenhum dos dois, a crise certamente vai voltar.

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