Martin Feldstein é professor de economia em
Harvard, foi presidente do conselho de assessores econômicos do presidente dos
Estados Unidos, Ronald Reagan, e foi presidente do Gabinete Nacional de
Análises Econômicas dos EUA. Escreveu este artigo especialmente para o VALOR
ECONÔMICO de ontem.
A força motora da política econômica da
Europa é o "projeto europeu" de integração política. O objetivo é
refletido no atual foco da União Europeia (UE) de criar um "pacto
fiscal", que constitucionalizaria o compromisso dos países-membros com limites
de déficit supostamente invioláveis. Infelizmente, o pacto é outro exemplo da
subordinação da realidade econômica da Europa ao desejo dos políticos de se
vangloriar sobre o avanço em direção a uma "união ainda mais forte".
O plano sobre o pacto fiscal evoluiu
rapidamente nos últimos meses, deixando de ser uma "união de
transferências", politicamente impopular, para tornar-se um perigoso
projeto de austeridade fiscal e, por fim, uma versão modificada do falecido
Pacto de Estabilidade e Crescimento de 1997. No fim das contas, o acordo que
emergirá pouco fará para mudar as condições econômicas da Europa.
A forma mais provável de acerto parece ser um
acordo bastante moderado obrigando cada país a equilibrar seus orçamentos e que
seu descumprimento resulte em penas automáticas, embora seja difícil imaginar
quando um país descumpre suas metas
A primeira-ministra da Alemanha, Angela
Merkel, de início, propôs a "união de transferências", na qual seu
país e outras economias mais fortes da região do euro transfeririam fundos ano
após ano para a Grécia e outros países em necessidade, em troca da autoridade
de regulamentar e supervisionar os orçamentos e a arrecadação tributária dos
governos auxiliados. A população alemã rejeitou a ideia de transferências permanentes
dos contribuintes alemães para a Grécia, enquanto a população e as autoridades
gregas rejeitaram a ideia de que a Alemanha controle a política fiscal do país.
O próximo passo foi o plano fiscal acertado
em Bruxelas no fim de 2011, que abandonou completamente a ideia de uma união de
transferências em favor de um acordo em que cada país da região do euro
equilibraria seu orçamento. Pelo esquema, seriam impostas penas financeiras
"automaticamente" a qualquer país que infringisse o compromisso. Com
orçamentos equilibrados em todos os países, então, não haveria necessidade de
transferências fiscais.
Como exatamente, no entanto, se definiria
orçamento equilibrado? Em carta para as autoridades que negociam o acordo
oficial, Jorg Asmussen, membro alemão do Conselho Executivo do Banco Central
Europeu (BCE), enfatizou que um orçamento equilibrado significa exatamente
isso. Se um país tiver déficit orçamentário porque enfrenta algum mau momento
econômico cíclico que derrubou a arrecadação tributária e elevou as
transferências de benefícios sociais, ainda assim, será obrigado a elevar
impostos e cortar gastos para voltar a ter um orçamento equilibrado.
Se essa proposta fosse de fato adotada, teria
como consequência tornar pequenas recessões em grandes retrações econômicas.
A forma mais provável de pacto fiscal,
atualmente, parece ser um acordo bastante moderado obrigando cada país a
"equilibrar seus orçamentos ao longo do ciclo econômico". Embora seu
descumprimento, em teoria, resulte em penas financeiras automáticas, é difícil
imaginar como seria possível determinar que houve descumprimento em um país
como a Espanha. Em que momento, no futuro, se obrigaria a Espanha, com índice
de desemprego persistente em mais de 15%, a elevar impostos e diminuir as
transferências sociais? A decisão de obrigar a Espanha poderia caber à Comissão
Europeia, com o que se trataria de uma decisão política, em vez de uma condição
técnica "automática" como prometido por seus defensores.
Se essa for a essência do pacto fiscal que
vai acabar sendo acertado, não terá efeito previsível no comportamento dos
países da região do euro. Seu único efeito será permitir que líderes políticos
da região do euro possam sair dizendo que criaram uma união fiscal e, portanto,
direcionaram a Europa a uma união política mais coesa, o que é seu objetivo
final.
Uma união fiscal concebida dessa forma, no
entanto, é completamente diferente do que a maioria das pessoas entende pelo
termo. Nos Estados Unidos, por exemplo, o governo central arrecada cerca de 20%
do Produto Interno Bruto (PIB) do país e paga mais ou menos o mesmo. A
centralização dos impostos e gastos cria um estabilizador automático para
qualquer região que passe por um mau momento econômico: os residentes da região
afetada pagam menos dinheiro a Washington e recebem mais transferências.
O papel fiscal centralizado nos EUA também
permite que todos os Estados operem com orçamentos verdadeiramente
equilibrados, modificados apenas por fundos relativamente pequenos para os
"dias chuvosos".
Embora o atual processo político europeu não
vá criar uma forte disciplina fiscal, os mercados financeiros provavelmente
obrigarão os governos da região do euro a reduzir suas dívidas soberanas e
limitar déficits fiscais. Durante os primeiros dez anos da moeda única, a
crença dos investidores do setor privado na uniformidade de todos os bônus
soberanos da região do euro manteve as taxas de juros relativamente baixas nos
países periféricos, mesmo enquanto seus governos acumulavam grandes déficits e
dívidas maciças. Os investidores não repetirão o erro: mordidos uma vez, agora
serão duplamente cautelosos.
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