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terça-feira, 20 de setembro de 2011

Nessun dorma...


Antonio Delfim Netto, professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento, escreveu hoje no VALOR ECONÔMICO.

É um fato conhecido que os competentes economistas alemães representam a fina flor do mais extremo monetarismo ao qual somam uma boa dose de conservadorismo. Foram ferozmente contra as concessões (com implicações econômicas) feitas por Helmut Kohl, quando aproveitou uma janela semiaberta e teve a coragem de reunificar a Alemanha, objetivo político de longo prazo absolutamente desdenhado pelos "puristas econômicos".

Quando a Alemanha decidiu participar do euro, 150 dos seus mais reconhecidos acadêmicos publicaram um célebre manifesto contra, com bons argumentos, mas que de novo ignorava solenemente o objetivo político de longo prazo, que era a pacificação de um continente que durante os últimos mil anos foi atormentado por guerras.

Os argumentos eram respeitáveis e mostravam que o sucesso do euro dependia de um rigoroso controle da situação fiscal de cada país, preliminar para a construção de uma área monetária ótima: absoluto controle fiscal, liberdade de movimentos da mão de obra e de capitais e a cessão da emissão das moedas nacionais a um banco central autônomo, com uma nova unidade monetária, com relação à qual as taxas de câmbio de cada país seriam irrevogavelmente fixadas.

Eram contra, porque não acreditavam que os países se submeteriam a tal disciplina. Para impô-la, foi formalmente estabelecido e aprovado no acordo de Maastricht, que precedeu a introdução do euro, que: 1) nenhum país poderia ter déficit nominal superior a 3% do PIB; e 2) uma relação dívida/PIB maior do que 60%.

Por que não funcionou? Porque os governos de vários países (em particular da Grécia) mentiram, como suspeitavam os economistas alemães! Ilidiram aquelas condições com a conivência do sistema financeiro internacional e das agências de risco. Tudo veio à tona depois da "quebra" do Lehman Brothers, quando a "rede de patifarias" escondida nos derivativos tóxicos explodiu na cara dos bancos centrais, sob o nariz dos quais ela se realizara. É cada vez mais evidente que esses não se recuperaram do choque: nem o Federal Reserve dos EUA, nem o BCE da Eurolândia sabem, até agora, o que fazer.

Nos EUA, parece que começa a haver uma mudança. Mais de uma dezena de instituições financeiras, que ativamente (com a conivência das agências de risco) assaltaram os incautos aplicadores, começam a ser investigadas e, seguramente, algumas serão responsabilizadas criminalmente. Trata-se de um problema moral, que não pode mais ser escondido pelo governo Obama como foi até agora.

Tardiamente, ele propõe ao Congresso um novo pacote de estímulos para diminuir o sofrimento de 25 milhões de honestos trabalhadores (15 milhões com desemprego aberto e 10 milhões semiempregados), que acabaram desempregados com a política econômica (inspirada por distintos acadêmicos comprometidos com o sistema financeiro) que "salvou" os desonestos administradores.

Até agora, o presidente do Fed, Ben Bernanke, não disse a que veio: apenas repete, repete e repete o velho refrão, "farei o que tenho de fazer". Continua indeciso sobre como atender ao seu duplo mandato: manter alto o nível de emprego e manter baixa a taxa de inflação.

O sinal de que ainda resta vida inteligente nos EUA veio num artigo no "Financial Times", do secretário do Tesouro, Tim Geithner, onde afirmou que é hora dos governos deixarem de lado a paralisia política e esquecerem os medos infundados com a inflação.

No fundo, ele está transmitindo aos bancos centrais, que continuam mesmerizados pelos seus modelitos, que a taxa de juros nominal já é nula e que a taxa de inflação está na "meta", mas a taxa de desemprego é quase o dobro da famosa Nairu (a taxa de desemprego que não acelera a inflação). Logo, é uma eficaz política fiscal que deve ser ativada.

É por isso que ele afirma que os EUA resistirão a um rápido ajuste fiscal em 2012 e recomenda a todos os países em dificuldades que façam o mesmo. Essa coordenação, se realizada, tornará mais potente e mais veloz os resultados.

No Banco Central Europeu (BCE), a situação se agrava. Enquanto Trichet aguarda sua substituição formal por Mario Draghi, os representantes alemães (diante do iminente desastre político da chanceler Merkel) abandonam o barco, alegando "razões pessoais". Primeiro foi Alex Weber (presidente do Bundesbank). Agora foi Juergen Stark, o que aperta ainda mais a "saia justa" de Merkel.

Se não bastassem esses problemas, o ministro das Finanças da Holanda, Jan Kees de Jager, sugere claramente a expulsão da Grécia, a pedido: "Quando não conseguimos respeitar as regras do jogo, devemos deixá-lo". O FMI, por sua inexperiente diretora-gerente, Christine Lagarde, lança dúvidas sobre a higidez dos bancos europeus que têm em carteira títulos gregos. Como todos sabem que ela conhece apenas os bancos franceses, produziu uma corrida sobre eles.

Parece óbvio que ninguém se entende. Tem razão o dr. Tombini. Vamos pôr nossas barbas de molho e nos proteger da provável desintegração da economia mundial.

sábado, 17 de setembro de 2011

Época entrevista Andrés Oppenheimer.


Nestes tempos onde falta tempo, ler qualquer texto que tenha mais de 200 palavras é um grande sacrifício. Porém, existem situações onde devemos ler senão 200 palavras, que tal 2.000? É o que gostei lendo a entrevista de Andrés Oppenheimer - comentarista da CNN -  à ÉPOCA. Leiam e entendam um pouco mais com profundidade a nossa vida latino americana. E como estamos num final de semana, tempo não vai faltar.  

ÉPOCA – Que obsessão é essa pelo passado que existe na América Latina?
Andrés Oppenheimer – Os países da América Latina vivem numa revisão de suas histórias. Vamos pegar a Venezuela como exemplo. Lá, o presidente Hugo Chávez mudou o nome do país para um ridículo “República Bolivariana da Venezuela”. Ele fala ao país quase que diariamente em frente a uma imagem de Simon Bolívar. E diz que toda sua política é baseada no que Bolívar disse. Usa o passado para dar legitimidade histórica a suas ações. Mas Bolívar viveu há quase dois séculos. Ele morreu 150 anos antes da invenção da internet e 40 antes do telefone. Ele pode ter sido um grande herói do seu tempo, mas vivemos num mundo novo.
ÉPOCA – Ele não pode nos ajudar nos desafios atuais.
Oppenheimer – Claro que não. Ele não é a resposta para os desafios de um mundo globalizado. Estive em países como a Índia e China, que têm história milenar e não vi ninguém ficar falando no passado. Mas Chávez insiste nessa postura. Ano passado quis exumar o cadáver de Bolívar. A mesma coisa aconteceu no México e Equador e países da América Central. No livro, eu falo sobre minha surpresa quando cheguei a Cingapura, um dos países com maior renda per capta do mundo. Um exemplo simbólico é a moeda local. No dinheiro deles há imagem de uma universidade com o professor e os alunos e, abaixo, uma palavra: Educação. Na América Latina, como nos EUA, temos nossos heróis da independência. Nós olhamos para trás. Eles olham para frente.
ÉPOCA – Por que isso ocorre?
Oppenheimer – Talvez porque os países latino americanos sejam relativamente jovens, idolatrar o passado é uma forma de criar um senso de coesão ou identidade nacional. Mas não haveria problema se fosse só isso. O problema é que nós exageramos. Hoje ficou uma obsessão. Se você for a uma livraria em Buenos Aires, Cidade do México ou Lima vai ver que os best sellers são romances históricos, biografias de heróis do passado ou ensaios de história. Não vi isso na Ásia. Lá, vemos livros sobre o futuro. Não estou dizendo que devemos esquecer nossa história. Eu gosto de história. O que digo é que essa obsessão, esse exagero nos distrai de tarefas mais relevantes e urgentes como investir em educação, ciência, tecnologia, que são os assuntos do futuro.
ÉPOCA – O senhor diz que a educação é a chave para nosso futuro. Mas esse pensamento não existe desde o século 20?
Oppenheimer – Não era importante. Nós sempre medimos nosso sucesso pelo nosso crescimento econômico. E descobrimos que, sem uma boa educação, o crescimento da economia não reduz a pobreza nem a desigualdade, pelo menos tão rápido quando vem acompanhado de crescimento educacional. Os dois devem caminhar juntos. Caso contrário, não vamos nos desenvolver tão rápido quanto os asiáticos. A razão é simples. Quando a economia cresce, as pessoas que se beneficiam são pessoas como você e eu, que tiveram boa educação formal, que têm empregos formais. A mulher que vende limão na rua, que vive numa favela e não teve boa educação não vai conseguir um emprego tão bom. Se quisermos que essa senhora ascenda socialmente, precisamos dar a ela – e ao filho dela – uma boa educação. Senão, nunca fará parte da economia formal. Uma das coisas que proponho no livro é medir nosso sucesso pela educação, como um PIB para a educação, o Produto Educacional Bruto. Um, sem a outra, não nos ajudará a reduzir a pobreza
ÉPOCA – E como vai o nosso PEB?
Oppenheimer – Terrível. Posso te dar exemplos. Não temos uma única universidade da América do Sul entre as 200 melhores do mundo, segundo ranking feito pelo Times, de Londres. Somente a Universidade Autônoma do México (Unam) aparece na 190ª posição do ranking inglês. Isso é um escândalo. O Brasil está entre as 12 maiores economias do mundo. No Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), dos 65 países que participaram no ranking, os países latino americanos estão na parte de baixo. O Brasil está na 53ª posição em matemática. Outro exemplo: temos férias muito longas. No Japão, o ano letivo tem 243 dias. Na Coreia do Sul, é de 220. E no Brasil, 200. Se contarmos as greves, o ano letivo é ainda menor. Não estou nem falando das horas de estudo por dia. Uma criança chinesa estuda 12 horas por dia, muito mais do que uma criança brasileira ou de outro país da América Latina. E o mais crítico exemplo: nós, na América Latina, não registramos patentes, não inventamos nada. A Coreia do Sul, um pequeno país asiático, que há 40 anos era mais pobre que o Brasil, no ano passado registrou 8.800 patentes nos Estados Unidos. Enquanto o Brasil, muito maior que a Coreia do Sul, registrou 100 patentes. Não é coincidência que a renda per capta lá seja maior que no Brasil.
ÉPOCA – Não faz sentido o argumento de que nossas universidades não estão no ranking por preconceito e porque o inglês não é nossa língua nativa?
Oppenheimer – A última vez que fui à China o inglês não era a língua nativa por lá (risos). E esses países têm mais universidades no ranking do que nós. O que essas pessoas dizem sobre isso? É ridículo. E um ranking chinês com as 500 melhores universidades mostrou resultados parecidos que o ranking inglês. A Universidade de São Paulo (USP) ficou no grupo identificado como “entre a 100ª e 151ª posições”. A Unam e a Universidade de Buenos Aires estão entre a 152ª e 200ª posições.
ÉPOCA – Dentro da América Latina, qual país está melhor?
Oppenheimer – Brasil e Chile vão melhor na educação superior, não há a menor dúvida disso. E Brasil lidera nesse quesito. Produz 10 mil doutores por ano, tem indústrias de alta tecnologia como a Embraer. E o país anunciou recentemente que vai pagar por 100 mil bolsas de estudo para alunos estudarem fora. O Brasil está indo muito melhor do que outros países da América Latina. Mas está muito pior do que outros países com quem quer competir, como Índia ou China. Há muito a ser feito. Digo que é um “gigante com pés de barro”: tem boas universidades e péssimas escolas. E mesmo no sistema universitário, é preciso fazer mais para se destacar.
ÉPOCA – O que precisamos fazer?
Oppenheimer – Primeiro, criar uma cultura de inovação, que resulte em invenções e registro de mais patentes. Estamos no começo de uma era da Economia do Conhecimento. Se o Brasil quer se destacar nesse cenário, tem de produzir muito mais produtos de alta tecnologia do que hoje. O Brasil nunca vai ser tornar um poder mundial se registrar apenas cem patentes por ano nos Estados Unidos. No livro, cito como exemplo uma xícara de café brasileiro vendido no Starbucks nos Estados Unidos. Só 3% do que se paga pela xícara vai para os agricultores brasileiros. E 97% do preço vai para quem processou o café, para o marketing etc. O mesmo vale para uma camisa da Ralph Lauren vendida nos EUA. A fábrica peruana que entrega a camisa pronta fica com, no máximo, 13% do valor. Quem leva o resto? Quem criou o “estilo de vida Ralph Lauren” – o marketing, o design, a publicidade. Isso é um produto da Economia do Conhecimento. De qual lado da equação o Brasil quer estar? Do lado dos 3% ou dos 97%?
ÉPOCA – Mas como podemos investir em tecnologia se, como o senhor diz no livro, os estudantes brasileiros, como os latino americanos em geral, preferem Ciências Sociais e Humanas do que as Exatas?
Oppenheimer – Eu iria mencionar isso. Precisamos encorajar os estudantes a estudar mais engenharia e um pouco menos de Sociologia, Psicologia ou História.
ÉPOCA – Como explicar essa preferência?
Oppenheimer – Pode ser cultural, pode ser pelo fato de que engenharia é mais difícil e as pessoas escolhem o caminho mais tranquilo. Talvez porque muitos pensem que não vão conseguir empregos. Mas os governos não encorajam os alunos para áreas de Exatas. Na Ásia os governos encorajam.
ÉPOCA – O que esses países fazem?
Oppenheimer – Durante a pesquisa do livro eu estive em países como China, Índia, Cingapura, Israel ou Finlândia, que estão fazendo coisas muito interessantes nessa área. Na Índia, por exemplo, há muitos anos, começaram a produzir engenheiros. O governo deu bolsas de estudo, encorajou as universidades a aumentar seus programas de engenharia. Com tantos engenheiros, empresas multinacionais viram a grande quantidade de engenheiros e se instalaram lá. A Índia não esperou pela demanda de engenheiros. Criou a oferta e as multinacionais foram atrás.
ÉPOCA – Mesmo com os problemas educacionais, o Brasil cresce, a pobreza diminui e as classes média e alta estão maiores do que nunca.
Oppenheimer – Devemos celebrar isso, mas não podemos ignorar que esse crescimento não é sustentável. O crescimento está baseado na alta do preço das commodities e no bom momento da economia mundial. E quando o preço das matérias primas cair? E quando a China parar de comprar a soja e o aço produzidos aí? Se o Brasil quiser ter um crescimento sustentável, precisa melhorar sua educação e tecnologia. Repito: o Brasil nunca vai ser uma potência mundial se registrar apenas cem patentes por ano.
ÉPOCA –  Em suas visitas a universidades latinas, você notou se há preocupação em melhorar?
Oppenheimer – Não. Vi mais essa preocupação no Brasil do que em outros países. Na Argentina é patético. Quando o resultado do Pisa saiu e Argentina ficou nas últimas posições, o ministro da Educação argentino preferiu jogar a culpa no teste. Disse que o teste é quem estava errado. O Brasil está mais maduro e consciente. Mas precisa mais do que eu chamo de “paranoia construtiva”. Os países que se desenvolveram são paranoicos. Precisa olhar para Índia, China, Coreia.
ÉPOCA – O que é essa paranoia construtiva?
Oppenheimer – Países que pensam que não estão bem quando se comparam com outros países geralmente se empenham mais em melhorar. Enquanto que países que acreditam estar numa boa posição se tornam complacentes e acabam ficando para trás. China e Índia têm essa paranoia construtiva: eles acham que todos estão melhor do que eles. Na América Latina, muitos países acreditam que estão muito bem, apesar das evidências que mostram o contrário.
ÉPOCA – Como podemos pensar em tecnologias se vamos mal no ensino primário e não valorizamos o professor?
Oppenheimer – É algo pendente. Quando conversei com a presidente da Finlândia e perguntei por que o país vai tão bem, ela me respondeu: “Professores, professores e professores”. Para um aluno ser um professor na Finlândia, é preciso estar entre os 10% com melhor desempenho escolar. Se não está nesse grupo quando sai da escola, não pode se tornar um professor. Lá, se uma pessoa estuda para se tornar professor, você logo imagina que deve ser uma pessoa muito inteligente. Nos nossos países, pensamos: “Coitado, quis ser advogado e não conseguiu”. Precisamos formar bons professores, dar status à profissão, avaliar seus desempenhos e pagar bons salários aos bons profissionais.
ÉPOCA – O senhor acha que criar cotas para alunos negros ou de escolas públicas é benéfico?
Oppenheimer – De modo geral, sim. Mas a saída é melhorar qualidade das escolas. O nível hoje é muito baixo.
ÉPOCA – Por que não vemos revoluções na educação na América Latina como houve na Finlândia ou países asiáticos?
Oppenheimer – Porque confiamos demais na exportação de matérias primas. Fomos amaldiçoados com abundância de matérias primas. Não é coincidência que os países com maior renda per capta do mundo, como Luxemburgo, Liechtenstein ou Cingapura não têm recursos naturais. Por outro lado, países ricos em recursos naturais, como Nigéria ou Venezuela, estão entre os mais pobres. Não estou dizendo para pararmos de produzir recursos naturais. Digo que deveríamos fazer como a Noruega, que coloca o dinheiro obtido com a venda de recursos naturais num fundo que, no caso da América Latina, poderia ser usado para melhorar a educação e tecnologia.
ÉPOCA – O senhor cita no livro exemplos como Cingapura e China, onde as crianças e jovens estudam 12 ou mais horas por dia, são constantemente avaliadas em ranking de desempenho. Isso resulta em cidadãos felizes? Não é cruel?
Oppenheimer – Acho que muito mais cruel seria deixar nosso povo sem educação e sem as ferramentas para melhorar sua qualidade de vida. Não acredito no pensamento “eles são pobres, mas felizes” porque ninguém é feliz se passa a vida na pobreza. As pessoas devem ter o direito de sonhar e educar as crianças é a melhor forma de melhorar a vida delas. Nós somos guiados por ideologias e obcecados pelo passado. Os asiáticos são guiados por pragmatismo e obcecados com o futuro. Nós podemos aprender algo com eles.
ÉPOCA – Como está a democracia na América Latina?
Oppenheimer – Diria que muito melhor do que há 30 anos, mas pior do que há 10. Temos muitas democracias híbridas, como Venezuela, Bolívia ou Equador, que mantêm formalidades democráticas, mas, uma vez que o presidente assume o poder, adquire poderes absolutos e acaba com a separação dos poderes. Esses países criaram uma espécie de “clube”. Uns defendem os outros. E o Brasil teve muito a ver com isso.
ÉPOCA – De que forma?
Oppenheimer – Não sou entusiasta da política externa do Brasil, especialmente nos últimos anos do governo Lula.
ÉPOCA – Por quê?
Oppenheimer – Porque o Brasil parecia cair em amores por qualquer ditador do mundo.
ÉPOCA – A queda de influência de Hugo Chávez não seria prenúncio de que a situação está mudando?
Oppenheimer – Sim. A influência de Chávez na América Latina é diretamente proporcional ao preço do petróleo. Com o preço do óleo a US$ 150, Chávez era como Napoleão. Com o petróleo a US$ 90, Chávez já não tem tanto poder de influência.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Pensar o impensável na Europa.


George Soros é presidente da Soros Fund Management. Copyright: Project Syndicate, 2011, hoje no VALOR ECONÔMICO.

Para resolver uma crise em que o impossível tornou-se possível, é necessário pensar o impensável. Assim, para resolver a crise da dívida soberana na Europa, é agora imperativo uma preparação para a possibilidade de inadimplência e de saída da Grécia, Portugal e, talvez, da Irlanda da zona do euro.

Em tal cenário, medidas terão de ser tomadas para evitar um colapso financeiro da zona do euro como um todo. Primeiro, os depósitos bancários precisam ser protegidos. Se um euro depositado num banco grego fosse perdido devido a um calote e saída da zona, um euro depositado num banco italiano passaria imediatamente a valer menos do que um euro em um banco alemão ou holandês, resultando em uma corrida aos bancos dos países deficitários.

Além disso, alguns bancos nos países inadimplentes teriam de ser mantidos em funcionamento para evitar um colapso econômico. Ao mesmo tempo, o sistema bancário europeu teria de ser recapitalizado e colocado sob supervisão europeia, em vez de fiscalização nacional. Finalmente, os títulos governamentais emitidos por outros países deficitários na zona do euro teriam de ser protegidos de contágio. (Os dois últimos requisitos seriam aplicáveis mesmo que nenhum país resultasse inadimplente).

Tudo isso custaria dinheiro, mas, nos termos do regime existente acordado pelos líderes nacionais da zona do euro, não há mais dinheiro mobilizável. Portanto, não há alternativa: é preciso criar o componente que falta: um Tesouro europeu com poder de tributar e, portanto, de captar empréstimos. Isso exigiria um novo tratado, transformando o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (EFSF, em inglês) em um Tesouro propriamente dito.

Mas isso pressupõe uma admissão de que circunstâncias radicalmente distintas exigem mudanças de posicionamento, particularmente na Alemanha. A opinião pública alemã continua acreditando que pode optar por dar ou não seu apoio ao euro. Esse é um erro grave. O euro existe, e os ativos e passivos do sistema financeiro mundial estão tão mesclados em função da moeda comum que seu colapso poderia causar uma implosão além da capacidade das autoridades alemãs - ou de qualquer outra - de contê-la. Quanto mais tempo levar para que os alemães percebam esse fato nu e cru, maior o preço que eles, e o resto do mundo, terão que pagar.

A questão é se o público alemão pode ser convencido desse argumento. A chanceler Angela Merkel pode não ser capaz de persuadir sua coalizão inteira dos méritos do argumento, mas poderia apoiar-se na oposição para construir uma nova maioria que defenda o que é necessário para preservar o euro. Tendo resolvido a crise do euro, ela teria menos a temer da próxima eleição.

Preparar-se para o possível calote ou a deserção de três pequenos países do euro não significa que esses países seriam, necessariamente, abandonados. Ao contrário, a possibilidade de um default coordenado - financiado pelos países da zona do euro e pelo Fundo Monetário Internacional - proporcionaria à Grécia e Portugal opções de política de governo. Adicionalmente, isso poria fim ao ciclo vicioso - que agora ameaça todos os países deficitários na zona do euro - em que a austeridade enfraquece suas perspectivas de crescimento, levando investidores a cobrar taxas de juros proibitivas e, portanto, obrigando seus governos a reduzir ainda mais seus gastos.

Sair da zona do euro facilitaria, para os países em dificuldades mais graves, recuperar sua competitividade. Mas, caso se disponham a assumir os sacrifícios necessários, poderiam também permanecer: o EFSF protegeria os depósitos em seus bancos domésticos e o FMI ajudaria a recapitalizar seus sistemas bancários, o que ajudaria esses países a escapar da armadilha atual. Seja qual for o caso, não é de interesse da União Europeia permitir que esses países entrem em colapso e arrastem consigo todo o sistema bancário mundial.

Os países membros da UE, e não apenas os pertencentes à zona do euro, precisam aceitar que é necessário um novo tratado para salvar o euro. Essa lógica é clara. Assim, as discussões sobre o que incluir em tal novo tratado deveria começar imediatamente, porque mesmo com os líderes europeus sob extrema pressão para chegarem rapidamente a um consenso, as negociações serão, necessariamente, um processo prolongado. Depois que houver um acordo em torno do princípio fundamental, porém, o Conselho Europeu poderia autorizar o BCE a preencher o vácuo, protegendo-o preventivametne contra riscos de solvência.

A perspectiva de uma solução para a crise da dívida soberana na zona do euro seria uma fonte de alívio para os mercados financeiros. Mesmo assim, uma vez que os termos de um novo tratado seriam, inevitavelmente, ditados pela Alemanha, seria quase certa uma grave desaceleração da atividade económica. Isso poderia induzir uma mudança de atitude adicional na Alemanha, o que, por sua vez, permitiria a adoção de políticas anticíclicas. Nesse ponto, o crescimento em grande parte da zona do euro poderia recomeçar.

Como sair desta enrascada?


MOISÉS NAÍM, hoje na FOLHA DE S. PAULO, pergunta e responde didaticamente “Como sair desta enrascada?

Ninguém sabe como vão evoluir as convulsões que estão transformando as economias europeias. Mas, num momento em que é tão difícil prever o que está por vir, é útil recorrer à história.

A análise de grande número de crises desse tipo em países diversos permitiu à economista Carmen Reinhart identificar as cinco táticas mais comuns que já foram usadas por países altamente endividados para reduzir suas dívidas.

1. Crescer. Trata-se de ir saindo do problema, ampliando a economia. À medida que esta cresce, aumentam as receitas fiscais e diminui a dívida como proporção do tamanho da economia. Muitos países já o tentaram; poucos conseguiram.

2. Deixar de pagar. Em linguagem mais técnica, é moratória, cessão de pagamentos, reestruturação da dívida, "default" ou "Plano Brady". Consiste, na prática, em que os países notifiquem a seus credores que lhes pagarão menos que o que lhes devem e que o farão em um prazo maior que com o qual se comprometeram inicialmente. Reinhart descobriu que, desde sua independência, em 1832, a Grécia esteve em moratória 48% do tempo. A Argentina é usuária frequente dessa tática.

3. Austeridade. Esse é um tema tão dolorosamente familiar para os europeus, hoje, quanto foi nos anos 1990 para latino-americanos, russos e asiáticos. Implica em draconianos cortes nos gastos públicos, tanto nos gastos supérfluos como nos que não o são tanto. Reduz a dívida, mas também leva manifestantes às ruas e, às vezes, derruba governos.

4. Inflação. Quando aumentam os preços, o valor da dívida nessa moeda diminui tanto quanto a taxa de inflação. A inflação é ruim para a economia, especialmente para os assalariados, e alivia o problema do endividamento de uma maneira menos politicamente estridente. Mas não resolve o problema do endividamento em outras moedas.

5. Repressão financeira. Acontece quando os governos tomam medidas que canalizam para eles recursos que, de outro modo, seriam destinados a outras finalidades ou sairiam da economia. O arsenal que inclui essas medidas é diversificado, tentador, perigoso e... frequentemente utilizado. Inclui a imposição de limites aos juros pagos pelo governo, a obrigação dos bancos usarem dívida pública como parte de suas reservas, a estatização do sistema bancário ou parte dele ou a imposição de controles ao livre fluxo internacional de capitais. Soa extremo, e é. Mas esteve na moda nos países menos desenvolvidos entre os anos 1960 e 1980. Carmen Reinhart, que suspeita que possa vir outro auge de medidas desse tipo, recorda que elas também foram comuns nos EUA e outros países desenvolvidos entre 1945 e 1980 e que foram críticas para ajudar a "liquidar" as dívidas acumuladas na 2ª Guerra Mundial.
É evidente que nenhuma destas cinco táticas exclui as demais; em especial, a inflação e a repressão financeira frequentemente se acompanham. Em meio à confusão, este esquema ajuda a entender muitas das notícias que nos estarão chegando da Europa.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

A fogueira das vaidades!


Semanalmente leio e gosto do texto de JOÃO PEREIRA COUTINHO. Ele não é economista, mas hoje não podemos deixar de ler seu artigo na FOLHA DE S. PAULO sobre “A fogueira das vaidades”. Ele resume exatamente o atual momento econômico: Os ricos que paguem a crise? Erro. Em Estados balofos são os pobres que acabarão por pagar.

A estupidez não paga imposto. Pena. Depois de ler as palavras de Warren Buffett no "New York Times", a pedir mais impostos para ricos como ele, é a sua estupidez, não a sua riqueza, que deveria ser fortemente tributada.

Digo estupidez, mas digo mal. Vaidade, a palavra certa é vaidade. Entendo Buffett. Uma pessoa acumula uma fortuna colossal. Compra casas, carros. Excentricidades.

Mas eis que chega a gadanha do tédio para arranhar a nossa consciência mortal. Como resolver esse desconforto e fazer as pazes com a culpa primitiva?

Adotando, por exemplo. Celebridades de Hollywood foram cultivando a moda: viagens repetidas a África, Ásia e outros recantos de miséria, em busca do órfão respectivo. Toda a gente pode tomar o café da manhã na Tiffany, pelo menos a partir de um certo patamar (obrigado, Truman Capote).

Mas um órfão é outra história: exige trabalho, disponibilidade e uma dose maciça de sentimentalismo, que sempre comove as lentes fotográficas. Passear um diamante na passadeira vermelha é "kitsch". Passear um cambojano ou um etíope, o cúmulo da sofisticação.

E quem não adota contribui. Tenho respeito pelos filantropos. Mas apenas pelos filantropos anônimos, que partilham a fortuna anonimamente. Não é preciso ler Kant para saber que a base da moralidade é o ato de tratar alguém como um fim, não como um meio.

Infelizmente, os filantropos que conheço, alguns pessoalmente, gostam de ajudar os pobres desde que isso renda boas matérias de jornal. O efeito, por vezes, é irônico e até perverso: eles querem partilhar a fortuna; mas, à custa da propaganda, multiplicam a fortuna porque os consumidores gostam de premiar a "consciência social".

Caro leitor: se você é rico, ou deseja ser mais rico, esqueça os mecanismos vulgares de gerar riqueza. O melhor negócio é adotar um sudanês (nunca um brasileiro!) e montar uma fundação humanitária com o seu nome em letras garrafais.

Ou então pedir mais impostos sobre sua própria fortuna. Fato: nenhum imposto especial sobre os ricos resolve os problemas estruturais dos países deficitários do Ocidente. Pelo contrário, agrava-os (já lá irei). Mas, pelo menos, consola a alma e, no caso de Warren Buffett, faz sucesso dentro e fora de portas.

Dentro de portas, já há mais bilionários americanos na fila, dispostos a ceder fortunas na fogueira das vaidades. Fora de portas, 16 bilionários franceses pediram tratamento de chicote. "Noblesse oblige": o governo Sarkozy promete descer o dito cujo sobre contribuintes cujas receitas fiscais superem € 1 milhão.

E até no exaurido Portugal, onde bato estas linhas, a ideia de Buffett promete frutificar, com presidente da República e primeiro-ministro a aceitarem um dos mantras mais famosos do "verão revolucionário" de 1975: os ricos que paguem a crise. Os ricos prometem pagar, claro. Pelo menos aqueles que não tencionam fazer as malas e fugir.

Moral da história? Não vale a pena repetir o óbvio: um sistema fiscal justo é aquele em que quem tem mais contribui com mais. Mas é também um sistema que não demoniza a riqueza e aqueles que a criam. Exceto se o modelo de sociedade ideal estiver em Cuba ou na Coreia do Norte, onde os únicos recursos são a fome e a violência.

Até Marx, que não era propriamente um capitalista (Engels fazia esse serviço por ele), sabia que, sem riqueza criada, não há riqueza para redistribuir. Nem riqueza, nem investimento, nem emprego.

Quando alguns ricos abrem as portas às predações do Estado, seja por vaidade ou interesse, eles não resolvem coisa nenhuma com suas esmolas generosas.

Apenas consolam o ego; afugentam parceiros sem sentimentos de culpa para outras paragens; e, pior, ajudam a perpetuar a exata doença que tem enterrado a Europa e os Estados Unidos: Estados falidos que, incapazes de controlar gastos, persistem de forma suicida num "modelo social" insustentável no século 21. Um modelo que, quando estourar, não vai estourar em cima de Warren Buffett e amigos. Vai estourar sobre os pobres e remendados.

Os ricos que paguem a crise? Erro. Em Estados balofos e sem incentivo para reformarem seus modos de vida, são os pobres que acabarão por pagar.

domingo, 21 de agosto de 2011

O capitalismo está condenado?


NOURIEL ROUBINI é presidente da Roubini Global Economics, professor da Escola Stern de Administração de Empresas (Universidade de Nova York) e coautor do livro "Crisis Economics", hoje na FOLHA DE S. PAULO. 

A imensa instabilidade e a correção acentuada nos preços das ações que vêm varrendo os mercados mundiais sinalizam que as economias mais avançadas estão à beira de uma recessão de duplo mergulho. 
Uma crise econômica e financeira causada pela dívida excessiva do setor privado resultou em endividamento pesado do setor público, em razão das medidas tomadas para impedir uma Grande Depressão 2.0. 
Mas a recuperação subsequente vem sendo anêmica e fica abaixo dos padrões usuais na maioria das economias avançadas, em consequência do doloroso processo de redução das dívidas privadas. 
Agora, uma combinação entre preços elevados para petróleo e commodities, tumultos no Oriente Médio, o terremoto/tsunami no Japão, as crises da zona do euro e os problemas fiscais dos Estados Unidos (que acabam de ter seus títulos de dívida rebaixados) resultou em alta acentuada na aversão a riscos. 
Economicamente, os EUA, a zona do euro, o Reino Unido e o Japão funcionam em marcha lenta. 
Mesmo os mercados emergentes de crescimento rápido e as economias avançadas cujo foco são exportações que dependem desses mercados (Alemanha e Austrália) estão vivendo severa desaceleração. 
Até o ano passado, as autoridades econômicas sempre se provaram capazes de tirar um coelho da cartola e reflacionar os preços dos ativos, deflagrando uma recuperação econômica. 
Estímulo fiscal, taxas de juros próximas de zero, duas rodadas de "relaxamento quantitativo", esforços de contenção das más dívidas e trilhões de dólares em resgates e injeções de liquidez para bancos e instituições financeiras: as autoridades já tentaram tudo isso, mas agora os coelhos parecem ter acabado. 
A política fiscal no momento causa arrasto para o crescimento econômico tanto na zona do euro como no Reino Unido. 
Mesmo nos Estados Unidos, os governos estaduais e locais, e agora o governo federal, cortam gastos e reduzem transferências. Em breve, estarão elevando impostos. 
Outra rodada de resgates aos bancos é politicamente inaceitável e economicamente inviável. 
A maioria dos governos, especialmente na Europa, está em situação tão precária que não é possível bancar resgates. O grau de risco de seus títulos vem até alimentando preocupações sobre a saúde dos bancos europeus, que detêm o maior volume desses papéis hoje precários. 
E a política monetária tampouco pode ajudar. O relaxamento quantitativo fica limitado pela inflação acima da meta na zona do euro e no Reino Unido. O Federal Reserve provavelmente iniciará uma terceira rodada de relaxamento quantitativo (QE3), mas ela virá tarde demais e em montante insuficiente. 
Os US$ 600 bilhões do QE2, em 2010, e mais US$ 1 trilhão em cortes de impostos e transferências de renda aos cidadãos mal produziram crescimento anualizado de 3% durante apenas um trimestre. 
Em seguida, o crescimento caiu para menos de 1% no primeiro semestre de 2011. O QE3 será muito menor e fará menos para reflacionar os preços dos ativos e restaurar o crescimento. 
Depreciação cambial não é uma alternativa viável para todas as economias avançadas: todas elas precisam de moedas mais fracas e de melhores balanças comerciais a fim de restaurar o crescimento, mas não é possível que todas as obtenham ao mesmo tempo. 
Por isso, depender das taxas de câmbio para influenciar a balança comercial é um jogo em que a vantagem de alguns resultará em desvantagem para outros. 
Portanto, temos guerras cambiais no horizonte -Japão e Suíça já travam as primeiras batalhas para enfraquecer suas taxas de câmbio. 
Com o tempo, as economias avançadas terão de investir em capital humano, capacitação profissional e redes de segurança social, a fim de elevar a produtividade e permitir que os trabalhadores concorram, sejam flexíveis e prosperem. 
A alternativa -como vimos nos anos 1930- será estagnação infinda, depressão, guerras cambiais e de comércio, controles de capital, crise financeira, bancarrotas nacionais e imensa instabilidade social e política. 

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

VEJA entrevista o Nobel EDWARD PRESCOTT.


Hoje na VEJA, entrevista com o Nobel EDWARD PRESCOTT.

Os Estados Unidos correm o risco de enfrentar uma “década perdida” se reformas urgentes não forem colocadas em andamento. O alerta é do economista e matemático norte-americano Edward Prescott, ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 2004 e conselheiro do banco central dos EUA (Fed).
Prescott defende que o presidente americano, Barack Obama, diminua gastos e impostos, além de relaxar a regulação nos mercados. Ele também argumentou que a Casa Branca tem de eliminar o que classifica como subsídios “ineficientes”, como aqueles concedidos aos produtores americanos de etanol feito de milho. “O etanol brasileiro é muito mais barato”, afirma.
O conselheiro do Fed declarou apoio às medidas tomadas pela instituição no combate à inflação, mas criticou a política de resgatar antecipadamente títulos do Tesouro americano com o objetivo de injetar liquidez na economia – prática que ficou conhecida como “afrouxamento quantitativo” (QE, do inglês quantitative easing) “Eram somente subsídios disfarçados”, afirma.
O economista rechaça a visão de que esse afrouxamento teria colaborado para valorizar as moedas nos países emergentes. Na avaliação dele, a apreciação ocorreu em função do crescimento rápido dessas economias. Edward Prescott visita o Brasil nesta semana. Ele conversou com o site de VEJA no evento “Economia global: riscos e oportunidades”, realizado pelo Principal Financial Group.

O senhor tem se destacado como um crítico contumaz das escolhas realizadas pelo governo Barack Obama. Por que?
Tenho sido crítico assim porque tenho uma convicção: o que acontece num determinado país depende muito mais do que seus governantes fazem do que de fatores externos. Só algumas partes do mundo estão muito mal atualmente. Canadá, México, América Latina, o norte da Europa, a China e a Índia vão muito bem. Os Estados Unidos foram tão bem por tanto tempo que as pessoas enjoaram e quiseram mudanças (risos). Por isso, houve uma grande guinada na composição dos legisladores no Congresso, particularmente no Senado. Nos últimos dois anos, a economia americana vai muito mal por absoluta culpa de nossos governantes. Corremos o risco de enfrentar uma “década perdida” de crescimento, como aconteceu no Japão nos anos 90, se reformas urgentes não forem feitas.

A administração Obama poderia fazer mais para estimular o crescimento e não correr o risco de perder uma década?
Já seria bom se o presidente fizesse menos, isto é, parasse de bloquear o crescimento. Os gastos da administração Obama, por exemplo, são assustadores e têm de ser contidos. Precisamos de menos regulação nos mercados, mais competição e menos subsídios a ineficiências. Os subsídios aos produtores de etanol de milho são um exemplo. Eles mantiveram por muito tempo o álcool brasileiro de fora do jogo no mercado americano. E o etanol brasileiro, produzido de cana-de-açúcar, é muito mais barato. Subsídios são ruins. O Japão e a Itália fizeram o mesmo e perderam uma década. Precisamos discutir já as reformas necessárias e chegar a um consenso sobre como implementá-las.

Há um problema diante desta tarefa: o antagonismo político piorou muito nos EUA. O acordo de último minuto sobre o aumento do teto da dívida foi um claro exemplo disso. Considerando esse ambiente, como facilitar o consenso para adoção de reformas?
Esse antagonismo não é novidade. Nos Estados Unidos, sempre existiram dois grupos: um que quer aumentar os gastos públicos e ter mais distribuição de renda; e outro que quer cortar despesas e impostos. A divisão só ganhou mais publicidade desta vez. Houve debates como esse nas presidências de Nixon, Carter, Reagan e Clinton. A questão é o que vai acontecer com os gastos e os impostos. Os tributos no país já estão em um nível muito alto historicamente. Veja Singapura. O governo deles gasta um quarto menos com o sistema de saúde, o que é muito melhor. O presidente Obama está tentando implantar nos EUA um estado de bem-estar social, mas  já ficou demonstrado, pelo exemplo da Europa, que isso não funciona.
De qualquer forma, respondendo a sua pergunta, a execução das reformas dependerá muito das próximas eleições, sobretudo no Senado. É possível que ocorram mudanças. Os congressistas e a Casa Branca têm de encontrar um jeito de sair dessa situação. Contudo, coisas boas podem acontecer mesmo antes da implementação das reformas porque são as expectativas que determinam as decisões das pessoas.

O BC americano manteve as taxas de juros perto de zero por muito tempo e, na semana passada, decidiu estender esses baixos valores até 2013. Essa ferramenta aparentemente não está tendo o efeito esperado para estimular a economia. Como o senhor avalia a atuação do Fed na crise?
As autoridades do Fed determinam o nível de preços da economia e eles têm feito um bom trabalho. Tivemos uma inflação de aproximadamente 2% em doze meses, que está estável em relação à meta. Sou contrário, no entanto, a essa estratégia de se comprometer por tanto tempo com taxas de juros baixas. Não podemos nos esquecer de que o quadro inflacionário simplesmente pode mudar. A credibilidade do governo e dos bancos centrais depende de uma inflação previsivelmente baixa. E também da capacidade de lidar com crises. Quando todos ficam com medo, os empréstimos congelam, como em setembro de 2008. Naquela época, o Fed acertou em promover uma grande liquidez e evitou uma crise muito maior, que poderia ter acabado com a economia real, como a crise 1929.

Como o senhor avalia os resultados da estratégia de antecipar o pagamento de títulos do Tesouro para injetar liquidez na economia?
Esse afrouxamento monetário foi só uma forma de conceder subsídios disfarçados. Não foi uma estratégia boa. Aconteceu por razões políticas. Ao menos, não prejudicou os Estados Unidos em nada.

Mas prejudicaram o resto do mundo, não? A política monetária frouxa dos EUA não acabou colaborando para a valorização das moedas nos países emergentes?
Eu entendo que o real, assim como outras moedas de emergentes, valorizou-se muito em relação ao dólar. Entretanto, se o Brasil está em trajetória vertiginosa de crescimento, a moeda vai se valorizar de qualquer forma. Já aconteceu no Canadá, na Austrália. Não tem nada a ver com a política monetária americana.

Qual é a probabilidade de uma nova rodada de afrouxamento monetário?
Improvável. O governo tem tentado diminuir a dívida. Não soube de nenhuma estratégia para um novo QE.

Nas últimas semanas, tem havido uma onda de aversão ao risco nos mercados globais por conta da quebra de expectativas em relação à Europa e aos Estados Unidos. O senhor veio ao Brasil, não somente para falar dos riscos, mas também de oportunidades. Quais seriam?
As bolsas estão voláteis, mas historicamente elas registram muito mais ganhos no longo prazo que títulos de dívida ou poupança. Os mercados estão muito abaixo de seu valor fundamental – por isso as chances de que subam são maiores. No curto prazo, é imprevisível. É claro que há riscos. Contudo, no longo prazo, é esse o lugar para estar.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Ideias sombrias by Krugman.


Paul Krugman, no ESTADÃO, e suas ideias sombrias. 

Ser um economista hoje em dia  e basicamente da linha de Keynes via John Kicks que concluiu quando o Lehman faliu que estávamos numa armadilha de liquidez clássica com tudo o que isso implicava – é uma experiência agridoce, muito mais amarga do que doce.

A boa notícia é que o nosso modelo subjacente tem tido um bom desempenho. As taxas de juro se mantiveram baixas apesar dos empréstimos do governo; o “crowding out” (redução dos investimentos privados) tem estado completamente ausente; grandes aumentos da base monetária não provocaram grandes altas inflacionárias.

A má notícia é que os responsáveis pelas políticas no país falharam completamente e parecem determinados a não aprender as lições da experiência, histórica,  ou o que vivenciamos nos últimos anos. Como diz Joe Stiglitz,
Quando a recessão começou falou-se muito e sensatamente que tínhamos aprendido as lições tanto da Grande Depressão como do longo marasmo da economia do Japão. Agora sabemos que não aprendemos uma coisa. Nosso estímulo foi fraco demais, muito rápido e não foi bem planejado. Os bancos não foram obrigados a voltar a emprestar. Nossos líderes tentaram ocultar as fragilidades da economia – talvez por receio de que, se fossem muito honestos a respeito delas, a confiança já frágil da sociedade seria totalmente corroída. Mas agora perdemos essa aposta.  Hoje, a dimensão do problema está tão aparente que  uma nova confiança surgiu:  de que as coisas vão ficar ainda piores, sejam quais forem as medidas adotadas. E uma longa depressão parece ser o cenário mais otimista.

Robert Reich, conversando com pessoas do governo, diz que foi deliberado o foco nas questões erradas, sabendo que eram erradas.
Assim, em vez de lutar por um plano de empregos corajoso, a Casa Branca aparentemente decidiu que era politicamente mais sensato continuar lutando na questão do déficit. A ideia era manter a sociedade concentrada no drama do déficit – convencer as pessoas de que suas dificuldades econômicas atuais tem a ver com o déficit era uma forma de criticar a paralisia de Washington em resolver a situação e então  clamar vitória no caso de qualquer resultado que surgisse do processo de negociação para resolver o problema.  Eles esperam que tudo isso desviasse a atenção do público do fracasso do presidente em fazer alguma coisa para acabar com o alto nível de desemprego e a anemia econômica.

E na Europa, diz Kantoos Economics,  a meta de inflação baixa tornou-se um ícone sagrado mesmo que todas as evidências –incluindo a experiência com o padrão ouro – digam que isso será fatal.
Eu sinceramente espero ter lido os jornais errados e não ter entendido todos esses economistas e comentaristas europeus esbravejando a respeito (ou melhor: que eu estou errado). Mas quando tento ouvir alguma coisa, o que ouço é apenas silêncio – ou então Axel Weber criticando rispidamente Olivier Blanchard. Enquanto isso, os estrategistas políticos e presidentes de bancos centrais europeus estão destruindo um dos mais fascinantes projetos da história da humanidade, a unidade e amizade entre os países da Europa. Isso vai além da depressão. Muito além.

Ainda estou tentando ver o sentido deste fracasso intelectual global. Mas os resultados não estão em questão: estamos fazendo um total imbróglio de um problema passível de solução, com consequências que vão nos assombrar nas próximas décadas.

sábado, 13 de agosto de 2011

A crise que foi feita refém.


PAUL KRUGMAN, hoje na FOLHA DE S. PAULO, escreve sobre A CRISE QUE FOI FEITA REFÉM.


A turbulência dos mercados assustou você? Você tem razão em estar com medo. Está claro que a crise econômica que começou em 2008 não acabou, de maneira alguma.


Mas há outra emoção que você deveria sentir: raiva. Pois estamos vendo o que acontece quando pessoas influentes exploram uma crise, em vez de tentar solucioná-la.


Há mais de um ano e meio, temos uma conversa pública que vem sendo dominada por preocupações com o Orçamento e, na maior parte do tempo, ignora o desemprego.


A necessidade supostamente urgente de reduzir deficits vem dominando o discurso a tal ponto que na segunda-feira, em meio a um pânico nos mercados, Obama dedicou a maior parte de suas observações ao deficit, em lugar de tratar do perigo imediato de recessão renovada.


O que tornou isso tão bizarro foi o fato de os mercados estarem assinalando, com a maior clareza possível, que nosso maior problema é o desemprego, e não o deficit.


Imediatamente após um rebaixamento da classificação de crédito dos EUA, algo que supostamente deveria assustar os investidores em títulos do governo, o que aconteceu de fato foi que esses juros mergulharam para níveis baixos recordes.


O que o mercado estava dizendo -quase gritando- era "não estamos preocupados com o deficit, mas com a economia fraca!". Isso porque uma economia fraca significa tanto juros baixos quanto ausência de oportunidades econômicas. 


Como foi que o discurso de Washington passou a ser dominado pela questão errada?


Os republicanos exerceram um papel nisso. Mas nosso discurso não teria se desviado tanto do que interessa se outras pessoas influentes não estivessem ansiosas por mudar de assunto, afastando o discurso da questão dos empregos, mesmo diante de um desemprego de 9%.


Procure a página de opinião de qualquer jornal importante e você provavelmente encontrará algum autoproclamado centrista declarando que não há soluções de curto prazo para essas dificuldades. Quando encontrar, saiba que pessoas desse tipo são a razão principal pela qual estamos em situação tão difícil.


Neste momento, a economia precisa desesperadamente de uma solução de curto prazo. Quando você está sangrando, você quer um médico que enfaixe a ferida, não um que faça sermão sobre a importância de um estilo de vida saudável.


Quando milhões de pessoas jovens, capacitadas e dispostas estão desempregadas e o potencial econômico está sendo desperdiçado no valor de quase US$ 1 trilhão por ano, queremos responsáveis políticos que trabalhem para garantir uma recuperação rápida, e não pessoas que façam sermões sobre a necessidade de sustentabilidade fiscal.


O que envolveria uma resposta real a nossos problemas? Para começar, envolveria mais gastos governamentais, e não menos. Envolveria iniciativas agressivas para reduzir a dívida das famílias. E envolveria um esforço total para fazer a economia avançar outra vez. Claro que os suspeitos de sempre tacharão essas ideias de irresponsáveis. Mas você sabe o que é realmente irresponsável? É sequestrar a discussão sobre a crise, deixando que a economia continue a sangrar.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Entrevista com Gustavo Franco.

A entrevista de Eleonora de Lucena com GUSTAVO FRANCO, hoje na FOLHA DE S. PAULO está imperdível. Para FRANCO, "teremos uma marcha lenta no Primeiro Mundo em razão da necessidade de corrigir os excessos fiscais. Não há espaço para políticas keynesianas de gasto nem para redução dos juros." Na realidade, ele avalia que a crise pode significar "o fim de uma era de keynesianismo fácil".
Folha - Qual o impacto da decisão da Standard & Poor's de rebaixar os EUA? Gustavo Franco - No primeiro momento é simbólico, pois os EUA continuam AAA em duas outras agências. As determinações estatutárias de fundos de pensão e dos bancos centrais geralmente falam de grau máximo em duas agências. Acho que é um belo "wake up call" [chamada para despertar], pois fica claro que a disciplina que se exige de todos num mundo interconectado também deve ser praticada e cobrada na potência central.
Por que as Bolsas caíram? É, de fato, por causa de temores de recessão ou há outros ingredientes? Sim, há temores quanto à recessão, sobretudo no hemisfério Norte, mas o que torna as coisas mais preocupantes é a situação fiscal no Primeiro Mundo, onde as dívidas dos governos chegaram a patamares tão altos que a sensação é a de que se esgotou a capacidade desses países fazerem políticas fiscais expansionistas.
Os governos devem colocar mais dinheiro no mercado financeiro? Haverá nova socialização das perdas? Não é a situação de 2008, não há bancos a salvar. Ao menos por ora, nunca se sabe. A natureza do problema é outra: os países se engasgaram com tanta "socialização das perdas" por cima de "socializações de ganhos" e conquistas sociais e excessos de gasto público em geral.
Se as agências de risco erraram de forma tão dramática em 2008 (não prevendo o colapso do Lehman; qualificando os bancos da Islândia como AAA) e também agora nos cálculos do rebaixamento dos EUA, por que elas seguem tão importantes? Elas vão ser "rebaixadas" por governos e outras instituições? Essa é uma boa pergunta. Em boa medida, na segunda-feira [hoje] os mercados estarão se perguntando se a Standard & Poor's está com essa bola toda. Normalmente as agências reagem defasadamente ao que todo mundo já sabe, padrão que se repete dessa vez. E erram o tempo inteiro, sim e, em muitos casos, no contexto de conflitos de interesse. O Tesouro Americano contesta os cálculos da S&P. Uma das revelações desta segunda vai ser a importância que os mercados atribuem às agências de risco.
Se os títulos dos EUA estão com pior avaliação, qual a opção? Títulos alemães? Títulos dos EUA.
Estamos entrando num período de recessão mais longo e profundo? Recessão é uma palavra forte, não é bem isso. Cresce a consciência de que teremos uma marcha lenta no Primeiro Mundo em razão da necessidade de corrigir os excessos fiscais. Não há espaço para políticas keynesianas de gasto nem para redução dos juros, que já estão no chão. De onde vai vir o crescimento?
De onde? O capitalismo não consegue mais fazer crescimento? Seria errado pensar assim, a julgar pelos quatro séculos de bons serviços que o capitalismo tem com este planeta, e também porque não há alternativa. O desafio será o de direcionar políticas públicas para trabalhar fatores como produtividade, inovação, regulação, ambiente de negócios, infraestrutura e num contexto de economia fiscal, de modo a elevar a confiança da economia privada, de empresas e consumidores.
Se recessão é uma palavra forte, como o sr. definiria a situação atual? Estagnação? Apenas baixo crescimento, ao menos durante o período de acomodação dos efeitos financeiros e fiscais de crise. Há certa ansiedade nesses países, pois há muito crescimento na Ásia e, em menor escala, no Brasil.
Em termos históricos essa recessão seria comparável à recessão de 29 ou à do final do século 19, que resultou no declínio da Grã-Bretanha e na ascensão dos EUA e da Alemanha? A crise de 1929 é uma fonte inesgotável de lições, e o presidente do FED [banco central americano], que é um historiador que conhece o assunto, tratou muito bem de evitar os erros daquele tempo, especialmente no terreno da política monetária. Acho meio exagerado falar da decadência dos EUA como potência econômica.
Vivemos o estouro de várias bolhas? Há quem afirme que a crise desses dias é a prova do fracasso neoliberal. É? Não vejo bolha nenhuma, muito menos fracasso neoliberal. É preciso olhar a situação com frieza, sem preconceitos ideológicos: o que estamos vivendo é o esgotamento do crescimento do Estado nas grandes democracias ocidentais, e mais o Japão, onde os níveis de endividamento público ultrapassaram medidas habitualmente aceitas de responsabilidade fiscal. O mal-estar é causado pelo fato de que há deficits e dívidas enormes. Os gastos públicos têm que cair. Em cada sociedade há um grupo, como o Tea Party, que vai se opor a aumento de impostos. O enredo do impasse americano é global, e, por isso mesmo, foi tão impactante. É uma prévia do que vai ser visto em muitos países. É como se fosse o fim de uma era de keynesianismo fácil, onde tudo sempre se resolve com o gasto público, socializando perdas, ou acomodando sucessivas e inesgotáveis "conquistas", e coalizões cada vez maiores. Essa paralisação fiscal-financeira do Estado representa novo desafio, talvez início de um novo tempo.
Politicamente, quais serão os efeitos da decisão da S&P e todo o enrosco de Obama com o Congresso? A China já está reclamando. Acho que o impacto pode até ser positivo, na medida em que mobiliza energias políticas para a busca de soluções. A China é um capítulo à parte, pois não tem os problemas fiscais próprios das democracias ocidentais por uma razão simples e óbvia: não é uma democracia. Para ser, e evitar uma primavera que pode ser tumultuada, teria que alterar muito de suas instituições ligadas ao mercado de trabalho e à seguridade social. O fato é que a China tem sido a fonte de um discurso meio vigarista sobre o "fracasso do modelo liberal" que na verdade é uma velha cantilena sobre a ineficiência da democracia.
Como o sr. avalia a fragilidade de economias como Itália e França? Como está a saúde financeira dos bancos europeus? O temor alcança todos, e por isso era bom ficarmos nós, aqui no Brasil, bem quietos e prudentes, pois os nossos números fiscais não estão muito diferentes daqueles dos países com problemas. Nesses episódios de elevação da aversão ao risco, os mercados ficam procurando os países e as empresas fragilizados.
A situação dos bancos europeus terá impacto no Brasil? Se aparecer algum grande problema bancário europeu, certamente terá efeitos por toda parte. Mas hoje não há clareza sobre isso.
Alguns analistas têm receio do excessivo endividamento privado brasileiro no exterior. Uma virada no câmbio poderia colocar empresas sob risco. O sr. compartilha desse temor? Não compartilho. Acho que o volume não é muito grande, e as empresas sabem fazer hedge. A medida descabida foi o IOF [Imposto sobre Operações Financeiras] sobre derivativos que torna o hedge mais caro para as empresas. O tema do momento é outro: dívida pública. E o que me preocupa no Brasil é o governo achar que tudo está bem nesse terreno, e que o rebaixamento americano seria como uma promoção para nós. Nada mais perigoso.
Qual deve ser o impacto na taxa de juros, no câmbio e no crescimento? Os impactos sobre o Brasil estão ainda indefinidos. As pressões sobre a Bolsa são meio exageradas e fazem as empresas brasileiras ficarem muito baratas relativamente a seus resultados. A oportunidade para comprar parece-me clara.
O sr. prevê novos rebaixamentos de países pelas agências de risco? É provável, ao menos pela S&P, pois, ao alterar a classificação do país, geralmente se alteraram as de todas as empresas ali sediadas. Será interessante verificar se esse protocolo será obedecido dessa vez. Parece que a S&P não tinha muita ideia do tamanho da dificuldade que criou para si. E a impressão que tenho é que o próximo assunto é a Europa, pois é onde estão os maiores problemas de dívida soberana.
O que aconteceu nos últimos dias é uma tragédia inesperada ou é algo de dimensão menor? A recuperação vai demorar mais? A natureza do problema não me parece ser a de um problema agudo, como o pânico bancário provocado por uma sucessão de bancos quebrando como em meados de 2008. Mas de um peso, que dobrou de tamanho em dois anos, que os governos terão que carregar por um bom tempo. É a exaustão fiscal global. Alguns mais fracos, os Piigs [Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha], estão com dificuldades, e mesmo nos países mais sólidos as pessoas estão debatendo sobre como distribuir o peso e os sacrifícios. É uma espécie de marcha forçada, onde será preciso algum tempo para diminuir o peso e ajustar as contas, na qual pode acontecer algum incidente, é claro. Os EUA estão fazendo a sua parte. Talvez amanhã [hoje], por curioso que pareça, as pessoas voltem seus olhos para Itália e Espanha. Na verdade, os assuntos das conversas no âmbito do G7 e de bancos centrais da Europa não serão muito relacionados aos EUA, mas à blindagem da Europa.
O que o sr. recomendará aos clientes? Onde investir? Ouro? Ativos reais? Depende de cada caso. E o nosso perfil é de investidor de longo prazo, e a receita para esse tipo de investidor é contrária ao comportamento da "manada". A oportunidade que se apresenta é a de comprar ações de boas empresas que subitamente se tornaram baratas.

A importância de debater o PIB nas eleições 2022.

Desde o início deste 2022 percebemos um ano complicado tanto na área econômica como na política. Temos um ano com eleições para presidente, ...