Nestes tempos onde falta tempo, ler qualquer texto que tenha mais de 200 palavras é um grande sacrifício. Porém, existem situações onde devemos ler senão 200 palavras, que tal 2.000? É o que gostei lendo a entrevista de Andrés Oppenheimer - comentarista da CNN - à ÉPOCA. Leiam e entendam um pouco mais com profundidade a nossa vida latino americana. E como estamos num final de semana, tempo não vai faltar.
ÉPOCA – Que obsessão é essa pelo passado
que existe na América Latina?
Andrés Oppenheimer – Os países da América Latina vivem numa revisão
de suas histórias. Vamos pegar a Venezuela como exemplo. Lá, o presidente Hugo
Chávez mudou o nome do país para um ridículo “República Bolivariana da
Venezuela”. Ele fala ao país quase que diariamente em frente a uma imagem de
Simon Bolívar. E diz que toda sua política é baseada no que Bolívar disse. Usa
o passado para dar legitimidade histórica a suas ações. Mas Bolívar viveu há
quase dois séculos. Ele morreu 150 anos antes da invenção da internet e 40
antes do telefone. Ele pode ter sido um grande herói do seu tempo, mas vivemos
num mundo novo.
ÉPOCA – Ele não pode nos ajudar nos desafios
atuais.
Oppenheimer – Claro que não. Ele não é a resposta para os desafios
de um mundo globalizado. Estive em países como a Índia e China, que têm
história milenar e não vi ninguém ficar falando no passado. Mas Chávez insiste
nessa postura. Ano passado quis exumar o cadáver de Bolívar. A mesma coisa
aconteceu no México e Equador e países da América Central. No livro, eu falo
sobre minha surpresa quando cheguei a Cingapura, um dos países com maior renda
per capta do mundo. Um exemplo simbólico é a moeda local. No dinheiro deles há
imagem de uma universidade com o professor e os alunos e, abaixo, uma palavra:
Educação. Na América Latina, como nos EUA, temos nossos heróis da
independência. Nós olhamos para trás. Eles olham para frente.
ÉPOCA – Por que isso ocorre?
Oppenheimer – Talvez porque os países latino americanos sejam
relativamente jovens, idolatrar o passado é uma forma de criar um senso de
coesão ou identidade nacional. Mas não haveria problema se fosse só isso. O
problema é que nós exageramos. Hoje ficou uma obsessão. Se você for a uma livraria
em Buenos Aires, Cidade do México ou Lima vai ver que os best sellers são
romances históricos, biografias de heróis do passado ou ensaios de história.
Não vi isso na Ásia. Lá, vemos livros sobre o futuro. Não estou dizendo que
devemos esquecer nossa história. Eu gosto de história. O que digo é que essa
obsessão, esse exagero nos distrai de tarefas mais relevantes e urgentes como
investir em educação, ciência, tecnologia, que são os assuntos do futuro.
ÉPOCA – O senhor diz que a educação é a
chave para nosso futuro. Mas esse pensamento não existe desde o século 20?
Oppenheimer – Não era importante. Nós sempre medimos nosso sucesso
pelo nosso crescimento econômico. E descobrimos que, sem uma boa educação, o
crescimento da economia não reduz a pobreza nem a desigualdade, pelo menos tão
rápido quando vem acompanhado de crescimento educacional. Os dois devem caminhar
juntos. Caso contrário, não vamos nos desenvolver tão rápido quanto os
asiáticos. A razão é simples. Quando a economia cresce, as pessoas que se
beneficiam são pessoas como você e eu, que tiveram boa educação formal, que têm
empregos formais. A mulher que vende limão na rua, que vive numa favela e não
teve boa educação não vai conseguir um emprego tão bom. Se quisermos que essa
senhora ascenda socialmente, precisamos dar a ela – e ao filho dela – uma boa
educação. Senão, nunca fará parte da economia formal. Uma das coisas que
proponho no livro é medir nosso sucesso pela educação, como um PIB para a
educação, o Produto Educacional Bruto. Um, sem a outra, não nos ajudará a
reduzir a pobreza
ÉPOCA – E como vai o nosso PEB?
Oppenheimer – Terrível. Posso te dar exemplos. Não temos uma única
universidade da América do Sul entre as 200 melhores do mundo, segundo ranking
feito pelo Times, de Londres. Somente a Universidade
Autônoma do México (Unam) aparece na 190ª posição do ranking inglês. Isso é um
escândalo. O Brasil está entre as 12 maiores economias do mundo. No Pisa (Programa Internacional de Avaliação de
Alunos), dos 65 países que participaram no ranking, os países latino americanos
estão na parte de baixo. O Brasil está na 53ª posição em matemática. Outro
exemplo: temos férias muito longas. No Japão, o ano letivo tem 243 dias. Na
Coreia do Sul, é de 220. E no Brasil, 200. Se contarmos as greves, o ano letivo
é ainda menor. Não estou nem falando das horas de estudo por dia. Uma criança
chinesa estuda 12 horas por dia, muito mais do que uma criança brasileira ou de
outro país da América Latina. E o mais crítico exemplo: nós, na América Latina,
não registramos patentes, não inventamos nada. A Coreia do Sul, um pequeno país
asiático, que há 40 anos era mais pobre que o Brasil, no ano passado registrou
8.800 patentes nos Estados Unidos. Enquanto o Brasil, muito maior que a Coreia
do Sul, registrou 100 patentes. Não é coincidência que a renda per capta lá
seja maior que no Brasil.
ÉPOCA – Não faz sentido o argumento de que
nossas universidades não estão no ranking por preconceito e porque o inglês não
é nossa língua nativa?
Oppenheimer – A última vez que fui à China o inglês não era a
língua nativa por lá (risos). E esses países têm mais universidades no ranking
do que nós. O que essas pessoas dizem sobre isso? É ridículo. E um ranking
chinês com as 500 melhores universidades mostrou resultados parecidos que o
ranking inglês. A Universidade de São Paulo (USP) ficou no grupo identificado
como “entre a 100ª e 151ª posições”. A Unam e a Universidade de Buenos Aires
estão entre a 152ª e 200ª posições.
ÉPOCA – Dentro da América Latina, qual
país está melhor?
Oppenheimer – Brasil e Chile vão melhor na educação superior, não
há a menor dúvida disso. E Brasil lidera nesse quesito. Produz 10 mil doutores
por ano, tem indústrias de alta tecnologia como a Embraer. E o país anunciou
recentemente que vai pagar por 100 mil bolsas de estudo para alunos estudarem
fora. O Brasil está indo muito melhor do que outros países da América Latina.
Mas está muito pior do que outros países com quem quer competir, como Índia ou
China. Há muito a ser feito. Digo que é um “gigante com pés de barro”: tem boas
universidades e péssimas escolas. E mesmo no sistema universitário, é preciso
fazer mais para se destacar.
ÉPOCA – O que precisamos fazer?
Oppenheimer – Primeiro, criar uma cultura de inovação, que resulte
em invenções e registro de mais patentes. Estamos no começo de uma era da
Economia do Conhecimento. Se o Brasil quer se destacar nesse cenário, tem de
produzir muito mais produtos de alta tecnologia do que hoje. O Brasil nunca vai
ser tornar um poder mundial se registrar apenas cem patentes por ano nos
Estados Unidos. No livro, cito como exemplo uma xícara de café brasileiro
vendido no Starbucks nos Estados Unidos. Só 3% do que se paga pela xícara vai
para os agricultores brasileiros. E 97% do preço vai para quem processou o
café, para o marketing etc. O mesmo vale para uma camisa da Ralph Lauren
vendida nos EUA. A fábrica peruana que entrega a camisa pronta fica com, no
máximo, 13% do valor. Quem leva o resto? Quem criou o “estilo de vida Ralph
Lauren” – o marketing, o design, a publicidade. Isso é um produto da Economia
do Conhecimento. De qual lado da equação o Brasil quer estar? Do lado dos 3% ou
dos 97%?
ÉPOCA – Mas como podemos investir em
tecnologia se, como o senhor diz no livro, os estudantes brasileiros, como os
latino americanos em geral, preferem Ciências Sociais e Humanas do que as
Exatas?
Oppenheimer – Eu iria mencionar isso. Precisamos encorajar os
estudantes a estudar mais engenharia e um pouco menos de Sociologia, Psicologia
ou História.
ÉPOCA – Como explicar essa preferência?
Oppenheimer – Pode ser cultural, pode ser pelo fato de que
engenharia é mais difícil e as pessoas escolhem o caminho mais tranquilo.
Talvez porque muitos pensem que não vão conseguir empregos. Mas os governos não
encorajam os alunos para áreas de Exatas. Na Ásia os governos encorajam.
ÉPOCA – O que esses países fazem?
Oppenheimer – Durante a pesquisa do livro eu estive em países como
China, Índia, Cingapura, Israel ou Finlândia, que estão fazendo coisas muito
interessantes nessa área. Na Índia, por exemplo, há muitos anos, começaram a
produzir engenheiros. O governo deu bolsas de estudo, encorajou as
universidades a aumentar seus programas de engenharia. Com tantos engenheiros,
empresas multinacionais viram a grande quantidade de engenheiros e se
instalaram lá. A Índia não esperou pela demanda de engenheiros. Criou a oferta
e as multinacionais foram atrás.
ÉPOCA – Mesmo com os problemas
educacionais, o Brasil cresce, a pobreza diminui e as classes média e alta
estão maiores do que nunca.
Oppenheimer – Devemos celebrar isso, mas não podemos ignorar que
esse crescimento não é sustentável. O crescimento está baseado na alta do preço
das commodities e no bom momento da economia mundial. E quando o preço das
matérias primas cair? E quando a China parar de comprar a soja e o aço
produzidos aí? Se o Brasil quiser ter um crescimento sustentável, precisa
melhorar sua educação e tecnologia. Repito: o Brasil nunca vai ser uma potência
mundial se registrar apenas cem patentes por ano.
ÉPOCA – Em suas visitas a
universidades latinas, você notou se há preocupação em melhorar?
Oppenheimer – Não. Vi mais essa preocupação no Brasil do que em
outros países. Na Argentina é patético. Quando o resultado do Pisa saiu e
Argentina ficou nas últimas posições, o ministro da Educação argentino preferiu
jogar a culpa no teste. Disse que o teste é quem estava errado. O Brasil está
mais maduro e consciente. Mas precisa mais do que eu chamo de “paranoia
construtiva”. Os países que se desenvolveram são paranoicos. Precisa olhar para
Índia, China, Coreia.
ÉPOCA – O que é essa paranoia construtiva?
Oppenheimer – Países que pensam que não estão bem quando se
comparam com outros países geralmente se empenham mais em melhorar. Enquanto
que países que acreditam estar numa boa posição se tornam complacentes e acabam
ficando para trás. China e Índia têm essa paranoia construtiva: eles acham que
todos estão melhor do que eles. Na América Latina, muitos países acreditam que
estão muito bem, apesar das evidências que mostram o contrário.
ÉPOCA – Como podemos pensar em tecnologias
se vamos mal no ensino primário e não valorizamos o professor?
Oppenheimer – É algo pendente. Quando conversei com a presidente da
Finlândia e perguntei por que o país vai tão bem, ela me respondeu:
“Professores, professores e professores”. Para um aluno ser um professor na
Finlândia, é preciso estar entre os 10% com melhor desempenho escolar. Se não
está nesse grupo quando sai da escola, não pode se tornar um professor. Lá, se
uma pessoa estuda para se tornar professor, você logo imagina que deve ser uma
pessoa muito inteligente. Nos nossos países, pensamos: “Coitado, quis ser advogado
e não conseguiu”. Precisamos formar bons professores, dar status à profissão,
avaliar seus desempenhos e pagar bons salários aos bons profissionais.
ÉPOCA – O senhor acha que criar cotas para
alunos negros ou de escolas públicas é benéfico?
Oppenheimer – De modo geral, sim. Mas a saída é melhorar qualidade
das escolas. O nível hoje é muito baixo.
ÉPOCA – Por que não vemos revoluções na
educação na América Latina como houve na Finlândia ou países asiáticos?
Oppenheimer – Porque confiamos demais na exportação de matérias
primas. Fomos amaldiçoados com abundância de matérias primas. Não é
coincidência que os países com maior renda per capta do mundo, como Luxemburgo,
Liechtenstein ou Cingapura não têm recursos naturais. Por outro lado, países
ricos em recursos naturais, como Nigéria ou Venezuela, estão entre os mais
pobres. Não estou dizendo para pararmos de produzir recursos naturais. Digo que
deveríamos fazer como a Noruega, que coloca o dinheiro obtido com a venda de
recursos naturais num fundo que, no caso da América Latina, poderia ser usado
para melhorar a educação e tecnologia.
ÉPOCA – O senhor cita no livro exemplos
como Cingapura e China, onde as crianças e jovens estudam 12 ou mais horas por
dia, são constantemente avaliadas em ranking de desempenho. Isso resulta em
cidadãos felizes? Não é cruel?
Oppenheimer – Acho que muito mais cruel seria deixar nosso povo sem
educação e sem as ferramentas para melhorar sua qualidade de vida. Não acredito
no pensamento “eles são pobres, mas felizes” porque ninguém é feliz se passa a
vida na pobreza. As pessoas devem ter o direito de sonhar e educar as crianças
é a melhor forma de melhorar a vida delas. Nós somos guiados por ideologias e
obcecados pelo passado. Os asiáticos são guiados por pragmatismo e obcecados com
o futuro. Nós podemos aprender algo com eles.
ÉPOCA – Como está a democracia na América
Latina?
Oppenheimer – Diria que muito melhor do que há 30 anos, mas pior do
que há 10. Temos muitas democracias híbridas, como Venezuela, Bolívia ou
Equador, que mantêm formalidades democráticas, mas, uma vez que o presidente
assume o poder, adquire poderes absolutos e acaba com a separação dos poderes.
Esses países criaram uma espécie de “clube”. Uns defendem os outros. E o Brasil
teve muito a ver com isso.
ÉPOCA – De que forma?
Oppenheimer – Não sou entusiasta da política externa do Brasil,
especialmente nos últimos anos do governo Lula.
ÉPOCA – Por quê?
Oppenheimer – Porque o Brasil parecia cair em amores por qualquer
ditador do mundo.
ÉPOCA – A queda de influência de Hugo
Chávez não seria prenúncio de que a situação está mudando?
Oppenheimer – Sim. A influência de Chávez na América Latina é
diretamente proporcional ao preço do petróleo. Com o preço do óleo a US$ 150,
Chávez era como Napoleão. Com o petróleo a US$ 90, Chávez já não tem tanto
poder de influência.