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domingo, 20 de novembro de 2011

O fracasso é bom.


PAUL KRUGMAN, ontem na FOLHA DE S. PAULO e a economia americana. 

É um pássaro! É um avião! É uma porcaria! É o supercomitê!

Até a próxima quarta, o chamado supercomitê, um grupo bipartidário de legisladores, tem de chegar a um acordo sobre como reduzir deficit futuros. Mas não vai conseguir cumprir esse prazo final.

Se essa notícia o deprime, anime-se: nesse caso, o fracasso é bom.

Por que o supercomitê está fadado a fracassar? Principalmente porque o abismo entre nossos dois principais partidos é enorme. Republicanos e democratas não têm só prioridades diferentes -habitam mundos intelectuais e morais distintos.

No mundo democrata, o alto é alto e o baixo é baixo. Elevar impostos aumenta a receita, e reduzir os gastos com a economia ainda deprimida reduz o emprego. No mundo republicano, o baixo é alto. Para elevar a receita, o jeito é cortar os impostos das empresas e dos ricos, e reduzir os gastos do governo é uma estratégia de geração de empregos.

Ademais, os dois partidos têm visões nitidamente diferentes sobre o que constitui justiça econômica.

Os democratas veem os programas de seguridade social como algo que satisfaz o imperativo moral de segurança básica aos nossos concidadãos e ajuda aos necessitados.

Os republicanos podem expressar a visão democrata em público, mas reservadamente veem o Estado de bem-estar social como imoral, uma questão de forçar cidadãos, sob a mira de armas, a entregar seu dinheiro a outras pessoas.

Assim, o supercomitê reuniu legisladores que discordam por completo. Por que alguém achou que isso poderia funcionar?

Talvez a ideia seja que os partidos chegarão a um meio-termo por medo do preço político de parecerem intransigentes. Mas isso só aconteceria se a imprensa estivesse disposta a mostrar quem se nega a fazer concessões. E ela não o faz.

Para começo de conversa, a história nos diz que o Partido Republicano renegaria seu lado de qualquer acordo assim que tivesse a chance.

As perspectivas fiscais dos EUA estavam bastante boas em 2000, mas, assim que os republicanos assumiram a Casa Branca, desperdiçaram o superavit com reduções dos impostos e guerras não financiadas. Assim, qualquer acordo agora seria, na prática, nada mais que cortes na Previdência e no Medicare sem melhora duradoura do deficit.

Outra coisa: qualquer acordo fechado agora quase certamente agravaria a recessão. Reduzir os gastos com a economia deprimida destrói empregos e provavelmente é contraproducente até em termos de redução do deficit, já que leva a receitas mais baixas agora e no futuro. E projeções como as do Fed sugerem que a economia continuará deprimida até pelo menos 2014.

É verdade que, com o tempo, teremos que equiparar gastos com receita. Mas a decisão sobre como fazer isso não é contábil. Diz respeito a valores fundamentais -e deve ser tomada pelos eleitores, não por algum comitê que supostamente transcende divisões entre partidos.

Com o tempo, um lado ou outro receberá o mandato popular de que precisa para resolver os problemas orçamentários de longo prazo. Enquanto isso não ocorrer, as tentativas de um Grande Acordo são fundamentalmente destrutivas. Se o supercomitê fracassar, como se prevê, será um momento para festejar.

sábado, 22 de outubro de 2011

O partido da poluição.


Hoje, na FOLHA DE S. PAULO, o excelente texto de Paul Krugman. 

No mês passado o presidente Obama enfim divulgou um plano sério de estímulo à economia -bem aquém do que eu preferiria mas ainda assim um passo na direção certa. Os republicanos o bloquearam.

Mas o novo plano, somado ao movimento "Ocupe Wall Street", parece ter provocado uma virada no diálogo nacional. Estamos concentrando atenções no emprego.

Qual é o plano de criação de empregos do Partido Republicano? A resposta é permitir mais poluição.

Tanto Rick Perry quanto Mitt Romney fizeram de uma redução na proteção ao ambiente peça essencial de suas propostas econômicas, e o mesmo se aplica aos republicanos do Senado.

Perry ofereceu um número específico -1,2 milhão de empregos-, que parece ter por base um estudo divulgado pelo American Petroleum Institute, associação das companhias petroleiras. O estudo alega que remover as restrições à extração de petróleo e gás natural teria efeito positivo sobre o emprego.

Mas o estudo depende de um suposto "efeito multiplicador", sob o qual cada emprego gerado no setor resultaria na criação de outros 2,5 empregos em outras áreas.

Seria bom recordar que os republicanos desdenharam alegações de que assistência governamental para evitar a demissão de professores ajudaria a manter empregos indiretos no setor privado.

Além disso, todos os grandes números do relatório se referem a projeções para o final da década. O relatório prevê menos de 200 mil empregos novos no ano que vem, e menos de 700 mil até 2015.

Seria útil comparar esses números a dois outros: os 14 milhões de norte-americanos desempregados e o total de um a dois milhões de novos empregos que pesquisas independentes sugerem que seriam criados pelo plano de Obama, isso em 2012, e não em um futuro distante.

A poluição causa danos reais e mensuráveis à saúde humana. E as autoridades econômicas precisam levar esses danos em conta.

Precisamos de mais políticos como aquele corajoso governador que apoiou controles ambientais sobre uma usina de energia a carvão, a despeito de alertas de que eles poderiam resultar em seu fechamento, porque "não criarei ou manterei empregos que causam mortes".
Ah, é: esse governador era Mitt Romney, em 2003.

Qual é a dimensão dos danos? Um novo estudo conduzido por pesquisadores da Universidade Yale e do Middlebury College agrega dados de diversas fontes para estimar o valor monetário dos danos ambientais infligidos por diversos setores.

Pois há diversos setores da economia que infligem danos ambientais maiores que a soma dos salários que pagam e dos lucros que realizam -o que significa que, na realidade, eles destroem valor econômico e não o criam.
Isso não significa que eles devam ser desativados, mas que a regulação ambiental é pouco severa.


Os republicanos têm forte incentivo a alegar o contrário. As indústrias que mais destroem valor se concentram nos setores de energia e recursos naturais, que costumam doar verbas de campanha. Mas a realidade é que poluir mais não resolveria nosso problema de emprego



E só nos tornaria mais pobres e mais doentes.

domingo, 16 de outubro de 2011

Economia da toca do coelho.


PAUL KRUGMAN, Nobel de Economia em 2008, direto da FOLHA DE S. PAULO.

Para qualquer pessoa que tenha acompanhado os acontecimentos econômicos nos últimos anos, ler a transcrição do debate republicano da terça-feira sobre a economia é como cair numa toca de coelho. De repente, você se descobre em um mundo de fantasia em que nada se comporta como na vida real. E, como a política econômica tem a ver com o mundo em que vivemos, e não com o mundo de fantasia republicano, a perspectiva de que uma dessas pessoas possa ser nosso próximo presidente é apavorante. 

No mundo real, os acontecimentos recentes foram uma refutação devastadora da ortodoxia de livre-mercado que rege a política americana há três décadas. A longa cruzada contra a regulamentação financeira e o esforço bem-sucedido para desfazer as regras prudentes adotadas após a Grande Depressão, com o argumento de que eram desnecessárias, demonstraram -a um custo imenso para o país- que aquelas regras eram necessárias, sim. Mas, lá no fundo da toca do coelho, nada disso tinha acontecido.

O que os republicanos querem fazer agora, em especial em relação ao desemprego?Bem, eles querem demitir Ben Bernanke, presidente do Fed -não por fazer muito pouco, que é um argumento que poderia ser apresentado, mas por fazer demais. Obviamente, não estão propondo nenhuma ação geradora de empregos que passe pela política monetária.Incidentalmente, durante o debate Mitt Romney citou como um de seus assessores N. Gregory Mankiw, de Harvard. Quantos republicanos saberão que Mankiw pelo menos costumava advogar -corretamente, em minha opinião- a promoção proposital de inflação pelo Fed para resolver nossos problemas?

Logo, nada de alívio monetário. O que mais? Bem, Rick Perry fez uma afirmação pouco plausível: disse que poderia criar 1,2 milhão de empregos no setor energético. Romney, enquanto isso, pediu cortes permanentes nos impostos -basicamente, um replay dos anos Bush. E Herman Cain? Nem vale a pena citar.

Detalhe interessante: alguém mais notou o desaparecimento dos deficits orçamentários como grande preocupação republicana, a partir do momento em que começaram a falar em redução dos impostos cobrados de empresas e dos ricos?

É tudo bastante engraçado. Mas também, como falei, é assustador.A Grande Recessão deveria ter funcionado como um enorme chamado para despertar. Nada assim deveria ser possível no mundo moderno. Todo mundo deveria fazer um exame de consciência sério, indagando quanto do que pensava ser verdade na realidade não o é.

O Partido Republicano reagiu à crise não repensando seu dogma, mas adotando uma versão ainda mais grosseira dele -tornando-se uma caricatura dele mesmo. Durante o debate, os anfitriões exibiram um clipe de Ronald Reagan pedindo aumento de receitas; hoje, nenhum político que tenha esperança de chegar perto do partido de Reagan ousaria dizer algo assim.

Quando um indivíduo perde o domínio sobre a realidade, é terrível. Mas é muito pior quando a mesma coisa acontece com um partido inteiro, que já tem o poder de bloquear qualquer coisa que o presidente proponha -e que, dentro em breve, poderá controlar o governo inteiro.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Ocupar Wall Street?


Paul Krugman, do seu blog, especialmente disponível no ESTADÃO.

O website Nieman Watchdog traz um bom artigo de John Hanrahan   sobre a cobertura da imprensa das manifestações com o  slogan Ocupar Wall Street. A cobertura inicialmente foi depreciativa e mínima - e "mea culpa", eu mesmo não dei muito atenção a elas. Mas está cada vez mais claro que alguma coisa importante está sucedendo: finalmente, depois de três anos em que Pessoas Muito Sérias se recusam a exigir que Wall Street preste contas à sociedade, existe uma insurreição popular contra os Mestres do Universo.

Naturalmente, surgirão as costumeiras tentativas para negar todo o movimento, baseadas em trivialidades. Veja como as pessoas estão vestidas de modo estranho! E daí?  É melhor quando banqueiros nos seus ternos sob medida e cujas apostas colocaram a economia mundial de joelhos - e foram socorridos pelos contribuintes - se queixam que o presidente Obama está dizendo coisas um pouco duras sobre eles.

Ou, por que não tentam trabalhar dentro do sistema?  E o que tem ocorrido com aqueles que de fato tentaram? Quando as intrigas palacianas prejudicaram pessoas como Elizabeth Warren mesmo dentro do governo Obama, e os republicanos lançaram seu apoio total aos delinquentes das grandes riquezas, por que os manifestantes não podem agir fora dos canais usuais?

Finalmente, por que não acatar a opinião das pessoas que sabem o que necessita ser feito? Os leitores regulares sabem a resposta: as Pessoas Muito Sérias erraram de modo impressionante e consistente,  antes da crise financeira e depois.  Nada nos recentes fatos políticos sugere que os sagazes homens das finanças merecem algum crédito, absolutamente.

Portanto, bom para os manifestantes. E se as pessoas que cercam Obama tiverem algum instinto de autopreservação,  elas tentarão se reconciliar com as pessoas que decepcionaram tanto.

sábado, 1 de outubro de 2011

Fator medo fajuto


PAUL KRUGMAN, hoje na FOLHA DE S. PAULO. 

A boa notícia: depois de passar um ano e meio falando sobre deficits, quando deveríamos estar falando de empregos, finalmente voltamos a discutir a questão certa.
A má notícia: os republicanos estão fixados em uma visão sobre o bloqueio à geração de empregos que se encaixa em seus preconceitos e atende a interesses de seus patrocinadores ricos. Mas essa visão não guarda relação com a realidade.
Em qualquer discurso de um pré-candidato presidencial republicano, você ouvirá declarações de que a administração Obama é responsável pelo pouco aumento na oferta de empregos.
Por quê? A resposta, reiterada sempre, é que as empresas têm medo de se expandir e gerar empregos porque temem regulamentos caros e impostos mais altos.
Não há provas que substanciem essa afirmação. Há muitas provas que a desmentem.
O ponto de partida de muitas alegações de que políticas antiempresas estariam prejudicando a economia é a afirmação de que o vagar da recuperação econômica após a recessão é algo sem precedentes. Mas, como documenta artigo de Lawrence Mishel, do Instituto de Política Econômica, isso não é verdade.
Períodos extensos de "recuperação sem empregos" depois de recessões vêm sendo a regra nas duas últimas décadas. Na realidade, o crescimento do emprego no setor privado desde a recessão de 2007-2009 vem sendo melhor do que foi após a recessão de 2001.
Mesmo assim, não há algo de estranho no fato de as empresas estarem auferindo lucros, mas não estarem gastando para ampliar sua capacidade e gerar empregos? Não.
Afinal, por que as empresas deveriam se expandir se não estão utilizando a capacidade que já possuem? O estouro da bolha imobiliária e a dívida das famílias vêm levando os consumidores a gastar menos e deixaram muitas empresas com mais capacidade ociosa.
Os investimentos das empresas sempre reagem ao estado da economia e, considerando quão fraca a economia dos EUA ainda está, não deve surpreender que os investimentos continuem baixos.
Mas os empresários não andam reclamando do ônus de impostos e regulamentos? Sim, mas não mais do que de costume. Mishel observa que a Federação Nacional de Empresas Independentes vem fazendo sondagens com pequenas empresas há quase 40 anos, pedindo que identifiquem seu problema mais importante. Os impostos e regulamentos sempre se destacam na lista de queixas, mas o que chama a atenção agora são as vendas fracas -o que sugere que seja a falta de demanda, e não o medo do governo, o que vem freando as empresas.
Logo, as declarações republicanas sobre o que está atrapalhando a economia são pura fantasia.
Isso também reflete a necessidade política da direita de fazer crer que tudo de ruim que acontece na América é culpa do presidente Barack Obama.
Não importa que bolha imobiliária, explosão da dívida e crise financeira tenham acontecido durante o governo de um presidente conservador; é o democrata que está na Casa Branca agora quem leva a culpa. A verdade é que estamos nesta confusão porque tivemos regulamentação de menos, não demais.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

A armadilha mortal da zona do euro.


PAUL KRUGMAN, direto no UOL.
É possível estar tanto apavorado quanto entediado? É como me sinto a respeito das negociações em andamento sobre como responder à crise econômica da Europa, e suspeito que outros observadores compartilham o sentimento.
Por um lado, a situação da Europa é realmente assustadora: com países que representam um terço da economia da zona do euro atualmente sob ataque especulativo, a própria existência da moeda única está sendo ameaçada –e um colapso do euro poderia infligir um vasto dano ao mundo.
Por outro lado, os autores de políticas europeus parecem decididos a fazer mais do mesmo. Eles provavelmente encontrarão uma forma de fornecer mais crédito para os países em dificuldades, o que pode vir ou não a impedir um desastre iminente. Mas eles parecem não estar prontos para reconhecer um fato crucial –o de que sem políticas fiscais e monetárias mais expansionistas nas economias mais fortes da Europa, todas essas tentativas de resgate fracassarão.
A história até o momento: a introdução do euro em 1999 levou a um vasto boom de empréstimos para as economias periféricas da Europa, porque os investidores acreditavam (equivocadamente) que a moeda comum tornava as dívidas da Grécia ou da Espanha tão seguras quanto a da Alemanha. Diferente do que você costuma ouvir, este boom de empréstimos não estava em grande parte financiando gastanças do governo –a Espanha e a Irlanda apresentavam na verdade superávits orçamentários às vésperas da crise, e apresentavam níveis baixos de endividamento. Em vez disso, o afluxo de dinheiro alimentava principalmente um boom de gastos privados, especialmente em imóveis residenciais.
Mas quando o boom de empréstimos terminou repentinamente, o resultado foi uma crise tanto econômica quanto fiscal. Recessões selvagens derrubaram a receita de impostos, colocando os orçamentos no vermelho; enquanto isso, o custo do resgate aos bancos levou a um aumento repentino da dívida pública. E um resultado foi o colapso da confiança dos investidores nos títulos da dívida dos países periféricos.
E agora? A resposta da Europa tem sido exigir uma dura austeridade fiscal, especialmente cortes profundos em gastos públicos, por parte dos devedores com problemas, fornecendo enquanto isso um financiamento tapa-buraco até o retorno da confiança do investidor privado. Essa estratégica pode funcionar?
Não para a Grécia, que realmente gastou excessivamente durante os anos bons, e deve mais do que plausivelmente pode pagar. Provavelmente não para a Irlanda e Portugal, que por motivos diferentes também têm um fardo pesado de dívida. Mas com um ambiente externo favorável –especialmente uma economia europeia de modo geral forte, com inflação moderada– a Espanha, que ainda possui uma dívida relativamente baixa, e a Itália, que apresenta uma dívida elevada, mas déficits surpreendentemente pequenos, possivelmente poderiam escapar.
Infelizmente, os autores de políticas europeus parecem determinados a negar a esses devedores o ambiente que precisam.
Pense desta forma: a demanda privada nos países devedores caiu com o fim do boom financiado pelo endividamento. Enquanto isso, os gastos do setor público também estão sendo profundamente reduzidos pelos programas de austeridade. Então, de onde viriam os empregos e o crescimento? A resposta é das exportações, principalmente para outros países europeus.
Mas as exportações não podem passar por um boom se os países credores também estão implantando políticas de austeridade, possivelmente levando a Europa como um todo de volta à recessão.
Além disso, os países devedores precisam reduzir preços e custos em relação a países credores como a Alemanha, o que não seria difícil se a Alemanha tivesse 3% ou 4% de inflação, permitindo aos países devedores ganharem terreno, simplesmente ao terem inflação baixa ou zero. Mas o Banco Central Europeu tem uma tendência deflacionária –ele cometeu um erro terrível ao elevar as taxas de juros em 2008, enquanto a crise financeira estava ganhando força, e mostrou que não aprendeu nada ao repetir o erro neste ano.
Como resultado, o mercado agora espera inflação muito baixa na Alemanha –em torno de 1% nos próximos cinco anos– o que implica em deflação significativa nos países devedores. Isso aprofundará suas recessões e aumentará o fardo real de suas dívidas, mais ou menos assegurando que todos os esforços de resgate fracassarão.
E eu não vejo sinal de que todas aquelas elites europeias de políticas estão prontas para repensar seu dogma de empréstimo com dinheiro de confiança e austeridade.
Parte do problema pode ser que essas elites de políticas tenham uma memória histórica seletiva. Elas adoram falar sobre a inflação alemã do início dos anos 20 –uma história que não tem nenhuma relação com nossa situação atual. Mas elas quase nunca falam sobre um exemplo muito mais relevante: as políticas de Heinrich Bruening, o chanceler da Alemanha de 1930 a 1932, cuja insistência em equilibrar o orçamento e preservar o padrão ouro tornou a Grande Depressão ainda pior na Alemanha do que no restante da Europa –preparando o caminho para você sabe o quê.
Agora, eu não espero que algo ruim assim aconteça na Europa do século 21. Mas há um abismo muito grande entre o que o euro precisa para sobreviver e o que os líderes europeus estão dispostos a fazer, ou mesmo falar em fazer. E diante desse abismo, é difícil encontrar razões para otimismo.

sábado, 17 de setembro de 2011

Livre para morrer.


PAUL KRUGMAN, hoje na FOLHA DE S. PAULO, está "livre para morrer". Na realidade, ele escreveu mesmo foi "livre para escolher". 

EM 1980, justamente quando os Estados Unidos estavam descrevendo uma virada política para a direita, Milton Friedman defendeu a mudança com a famosa série de TV "Free to Choose". Em um episódio após outro, o simpático economista identificou a economia do laissez-faire com a escolha e o empoderamento pessoais -uma visão otimista que seria ecoada e ampliada por Ronald Reagan.
Mas, hoje, "livre para escolher" virou "livre para morrer".
No debate dos pré-candidatos republicanos na última segunda-feira, Wolf Blitzer, da CNN, perguntou ao deputado Ron Paul o que deveríamos fazer se um homem de 30 anos que optou por não ter convênio médico precisasse de seis meses de atendimento em UTI.
Paul respondeu: "A liberdade implica nisso -assumir seus próprios riscos". Blitzer o pressionou outra vez, perguntando se "a sociedade deveria simplesmente deixá-lo morrer". A plateia explodiu com aplausos e gritos de "sim, sim!".
O incidente destacou algo que a maioria dos comentaristas políticos ainda não absorveu: hoje, a política americana envolve visões morais fundamentalmente distintas.
Poucas das pessoas que morrem por falta de atendimento médico se parecem com o indivíduo hipotético postulado por Blitzer, que poderia ter pagado seguro médico.
A maioria dos americanos sem seguro médico ou tem renda baixa e não pode pagar, ou é rejeitada pelos convênios porque sofre de problemas médicos crônicos.
Então pessoas da direita estariam dispostas a permitir que as pessoas que não têm seguro médico, sem serem culpadas por isso, morram por falta de atendimento? Com base na história recente, a resposta é um "sim!" retumbante.
No dia seguinte ao debate, o Birô do Censo divulgou suas estimativas mais recentes. O quadro geral é lamentável, mas um ponto relativamente positivo foi o atendimento médico a crianças. A porcentagem de crianças sem cobertura foi mais baixa em 2010 que antes da recessão, graças à ampliação em 2009 do Programa de Seguro-Saúde Infantil do Estado, ou SCHIP.
O ex-presidente George W. Bush tinha bloqueado tentativas anteriores de proporcionar cobertura a mais crianças -sob aplausos de muitos da direita.
Logo, a liberdade de morrer se estende não apenas aos imprevidentes, mas também às crianças e às pessoas sem sorte. E a adesão da direita a essa noção assinala um deslocamento importante na natureza da política americana.
Agora, a compaixão está fora de moda -na realidade, a falta de compaixão tornou-se uma questão de princípio, pelo menos na base republicana.
O conservadorismo moderno é, na realidade, um movimento profundamente radical, hostil ao tipo de sociedade que temos há três gerações -que, agindo por meio do governo, procura mitigar alguns dos "perigos comuns da vida" por meio de programas como a Previdência Social, seguro-desemprego, Medicare e Medicaid.
Os eleitores estão preparados para aderir a uma rejeição tão radical do tipo de América em que todos nós crescemos? Vamos descobrir em 2012.

sábado, 10 de setembro de 2011

Ateando fogo aos cabelos.


Paul Krugman, hoje na FOLHA DE S. PAULO, enfim um pouco otimista com o novo plano de Obama.

O novo plano de emprego do presidente Barack Obama me surpreendeu de maneira positiva. É muito melhor e mais audacioso do que eu esperava. Caso venha a ser aprovado, é provável que reduza o desemprego de maneira substancial.
Não é provável que o plano seja aprovado, evidentemente, graças à oposição do Partido Republicano. E tampouco é provável que qualquer coisa mais aconteça para ajudar os 14 milhões de americanos que estão sem trabalho. O que representa tanto uma tragédia quanto um ultraje.
Antes de chegar ao plano de Obama, permitam-me discorrer sobre outro discurso econômico importante da semana, pronunciado por Charles Evans, presidente do Federal Reserve de Chicago. Evans declarou sem meias medidas aquilo que alguns de nós esperávamos há anos ouvir de um dirigente do banco central.
Evans afirmou que o Fed, tanto em função da lei quanto por responsabilidade social, deveria se esforçar para manter tanto a inflação quanto o desemprego baixos -e embora a inflação provavelmente deva continuar perto ou abaixo da meta de cerca de 2% adotada pelo banco central, o desemprego permanece extremamente elevado.
Qual deveria ser a reação do Fed, portanto? Evans: "Imagine que a inflação estivesse correndo próxima aos 5%, ante nossa meta de 2%. Há alguma dúvida de que um dirigente competente de banco central reagiria de maneira vigorosa para combater uma inflação tão alta? Não. Estariam agindo com se os seus cabelos estivessem pegando fogo. Deveríamos trabalhar de maneira semelhantemente enérgica para a melhora das condições do mercado de trabalho".
Mas o cabelo do Fed não está em chamas, e a maioria dos políticos tampouco parece considerar a situação urgente. Hoje em dia, falta convicção aos homens e mulheres supostamente sábios que deveriam cuidar do bem estar da nação, enquanto os piores, representados por boa parte do Partido Republicano, estão repletos de intensidade apaixonada. E por isso os desempregados terminam abandonados.
Bem, quanto ao plano de Obama: requer US$ 200 bilhões em novos gastos -boa parte dos quais em coisas das quais necessitamos de qualquer maneira, tais como reparos nas escolas e redes de transporte, e medidas para evitar a demissão de professores- e US$ 240 bilhões em cortes de impostos.
O montante pode parecer muito elevado, mas não é. O efeito persistente do estouro da bolha na habitação e a dívida domiciliar remanescente criam um rombo anual de cerca de US$ 1 trilhão na economia dos EUA, e o novo plano -que não concretizaria todos os seus benefícios no primeiro ano- só supriria em parte essa lacuna. E não está claro até que ponto os cortes de impostos seriam efetivos como estímulo ao consumo e investimento.
Ainda assim, o plano seria muito melhor que nada, e parte de suas medidas, especialmente as destinadas a promover incentivos à contratação de pessoal, poderiam produzir resultado alto em termos de empregos gerados.
O cabelo de Obama talvez não esteja em chamas, mas certamente está soltando fumaça e devemos ser gratos por ele perceber até que ponto a situação é desesperada.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Reconhecendo a ausência de recuperação.


Paul Krugman, em seu blog aqui publicado pelo ESTADÃO, “reconhecendo a ausência da recuperação”.


Um aspecto positivo do discurso de Bernanke - estou tentando ser otimista – é o fato de, pela primeira vez, ele ter mais ou menos reconhecido que não estamos de maneira nenhuma testemunhando uma recuperação:
“Mas, independentemente destes desenvolvimentos mais positivos, tornou-se claro que a recuperação após a crise tem sido muito menos robusta do que o esperado. Com as mais recentes revisões abrangentes à contabilidade nacional e também com as mais recentes estimativas de crescimento para a primeira metade deste ano, aprendemos que a recessão foi ainda mais profunda – e a recuperação, ainda mais fraca – do que tínhamos pensado; de fato, a produção agregada nos Estados Unidos ainda não retornou ao nível alcançado antes da crise. É importante o dado de que o crescimento econômico tem apresentado em geral um ritmo insuficiente para produzir reduções sustentáveis no desemprego, que tem ultimamente pairado um pouco acima dos 9%.”
Pois é. Costumo ilustrar a ausência da recuperação por meio da proporção entre população e postos de trabalho, mas há uma representação alternativa: a proporção entre o PIB real e a estimativa de potencial elaborada pela Comissão Orçamentária do Congresso (que representa um nível de atividade consistente com a inflação estável, e não o máximo absoluto que a economia seria capaz de produzir):
Por acaso isto se assemelha a uma recuperação sólida, ainda que lenta? É claro que não.
Num mundo ideal, a conclusão de que a economia não está se recuperando faria com que o Fed adotasse o tipo de medida que Bernanke recomendou dez anos atrás quando o Japão se encontrava numa armadilha parecida, de longo prazo. Mas parece que ainda não chegamos a este ponto.

sábado, 27 de agosto de 2011

O problema de Ben Bernanke


PAUL KRUGMAN, hoje na FOLHA DE S. PAULO, escreve que com o FED intimidado pela oposição para que fique inativo, eh difícil ver um fim para o desastre econômico.   

Investidores aguardavam ansiosamente o discurso de Ben Bernanke na reunião anual do Fed em Jackson Hole.
Eles queriam saber se Bernanke iria anunciar novas políticas capazes de tirar a economia dos Estados Unidos de algo que está parecendo um estado quase permanente de demanda deprimida e desemprego alto.
Eu ficaria muito surpreso se Bernanke propusesse qualquer coisa significativa.
Por que eu não espero muito de Bernanke? Em duas palavras: Rick Perry.
Não quero dizer que Perry, o governador do Texas, esteja pessoalmente funcionando como obstáculo a uma política monetária eficaz. Ainda não, pelo menos.
Estou usando Perry -que ameaçou Bernanke de consequências pessoais graves se implementar uma política expansionista antes da eleição de 2012 - como símbolo da intimidação política que está matando nossa esperança de recuperação.
Sob condições normais, esperaríamos que o Fed injetasse ânimo na economia, reduzindo as taxas de juros.
Mas os juros que o Fed normalmente visa já estão em quase zero. Então o que o Fed pode fazer?
Em 2000 um economista chamado Ben Bernanke apresentou uma série de propostas para uma política no "limite inferior zero". É verdade que o artigo focou o Japão, não os Estados Unidos. Mas os EUA se encontram agora em uma armadilha econômica muito semelhante à japonesa, apenas mais aguda. Por que Bernanke 2011 não está ouvindo os conselhos de Bernanke 2000?
Em 2000, ele sugeriu estimular a economia japonesa com uma série de políticas não convencionais e estava no caminho certo.
Então por que o Fed não segue a agenda que seu próprio presidente recomendou?
No ano passado o Fed chegou a instituir uma política de comprar dívida de longo prazo. Mas enfrentou uma reação política totalmente fora de proporção ao efeito modesto que isso exerceu sobre a economia, reação essa que culminou com a declaração de Rick Perry de que qualquer afrouxamento monetário antes da eleição de 2012 seria "quase uma traição" e que, se Bernanke fosse adiante e o fizesse, "nós aqui no Texas lhe daríamos tratamento brutal".
Imagine a reação que haveria se o Federal Reserve implementasse as outras e possivelmente mais importantes partes da agenda de Bernanke 2000, visando um índice de inflação mais alto e saudando o enfraquecimento do dólar. É certo que haveria uma tempestade política.
Agora você entende por que não previa anúncios de políticas de peso em Jackson Hole. Em 2000, Bernanke acusou o Banco do Japão de sofrer de "paralisia autoinduzida"; bem, agora o Fed está sofrendo de paralisia externamente induzida.
Na prática, ele foi intimidado politicamente para que fique de lado, como mero observador, enquanto a economia estagna.
A oposição política paralisou a política fiscal; ao invés de ajudar a criar empregos, o governo federal está recuando, com desincentivo à produção e ao emprego.
Com o Federal Reserve também intimidado para que fique inativo, é difícil divisar qualquer fim para o desastre econômico em curso

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Ideias sombrias by Krugman.


Paul Krugman, no ESTADÃO, e suas ideias sombrias. 

Ser um economista hoje em dia  e basicamente da linha de Keynes via John Kicks que concluiu quando o Lehman faliu que estávamos numa armadilha de liquidez clássica com tudo o que isso implicava – é uma experiência agridoce, muito mais amarga do que doce.

A boa notícia é que o nosso modelo subjacente tem tido um bom desempenho. As taxas de juro se mantiveram baixas apesar dos empréstimos do governo; o “crowding out” (redução dos investimentos privados) tem estado completamente ausente; grandes aumentos da base monetária não provocaram grandes altas inflacionárias.

A má notícia é que os responsáveis pelas políticas no país falharam completamente e parecem determinados a não aprender as lições da experiência, histórica,  ou o que vivenciamos nos últimos anos. Como diz Joe Stiglitz,
Quando a recessão começou falou-se muito e sensatamente que tínhamos aprendido as lições tanto da Grande Depressão como do longo marasmo da economia do Japão. Agora sabemos que não aprendemos uma coisa. Nosso estímulo foi fraco demais, muito rápido e não foi bem planejado. Os bancos não foram obrigados a voltar a emprestar. Nossos líderes tentaram ocultar as fragilidades da economia – talvez por receio de que, se fossem muito honestos a respeito delas, a confiança já frágil da sociedade seria totalmente corroída. Mas agora perdemos essa aposta.  Hoje, a dimensão do problema está tão aparente que  uma nova confiança surgiu:  de que as coisas vão ficar ainda piores, sejam quais forem as medidas adotadas. E uma longa depressão parece ser o cenário mais otimista.

Robert Reich, conversando com pessoas do governo, diz que foi deliberado o foco nas questões erradas, sabendo que eram erradas.
Assim, em vez de lutar por um plano de empregos corajoso, a Casa Branca aparentemente decidiu que era politicamente mais sensato continuar lutando na questão do déficit. A ideia era manter a sociedade concentrada no drama do déficit – convencer as pessoas de que suas dificuldades econômicas atuais tem a ver com o déficit era uma forma de criticar a paralisia de Washington em resolver a situação e então  clamar vitória no caso de qualquer resultado que surgisse do processo de negociação para resolver o problema.  Eles esperam que tudo isso desviasse a atenção do público do fracasso do presidente em fazer alguma coisa para acabar com o alto nível de desemprego e a anemia econômica.

E na Europa, diz Kantoos Economics,  a meta de inflação baixa tornou-se um ícone sagrado mesmo que todas as evidências –incluindo a experiência com o padrão ouro – digam que isso será fatal.
Eu sinceramente espero ter lido os jornais errados e não ter entendido todos esses economistas e comentaristas europeus esbravejando a respeito (ou melhor: que eu estou errado). Mas quando tento ouvir alguma coisa, o que ouço é apenas silêncio – ou então Axel Weber criticando rispidamente Olivier Blanchard. Enquanto isso, os estrategistas políticos e presidentes de bancos centrais europeus estão destruindo um dos mais fascinantes projetos da história da humanidade, a unidade e amizade entre os países da Europa. Isso vai além da depressão. Muito além.

Ainda estou tentando ver o sentido deste fracasso intelectual global. Mas os resultados não estão em questão: estamos fazendo um total imbróglio de um problema passível de solução, com consequências que vão nos assombrar nas próximas décadas.

sábado, 13 de agosto de 2011

A crise que foi feita refém.


PAUL KRUGMAN, hoje na FOLHA DE S. PAULO, escreve sobre A CRISE QUE FOI FEITA REFÉM.


A turbulência dos mercados assustou você? Você tem razão em estar com medo. Está claro que a crise econômica que começou em 2008 não acabou, de maneira alguma.


Mas há outra emoção que você deveria sentir: raiva. Pois estamos vendo o que acontece quando pessoas influentes exploram uma crise, em vez de tentar solucioná-la.


Há mais de um ano e meio, temos uma conversa pública que vem sendo dominada por preocupações com o Orçamento e, na maior parte do tempo, ignora o desemprego.


A necessidade supostamente urgente de reduzir deficits vem dominando o discurso a tal ponto que na segunda-feira, em meio a um pânico nos mercados, Obama dedicou a maior parte de suas observações ao deficit, em lugar de tratar do perigo imediato de recessão renovada.


O que tornou isso tão bizarro foi o fato de os mercados estarem assinalando, com a maior clareza possível, que nosso maior problema é o desemprego, e não o deficit.


Imediatamente após um rebaixamento da classificação de crédito dos EUA, algo que supostamente deveria assustar os investidores em títulos do governo, o que aconteceu de fato foi que esses juros mergulharam para níveis baixos recordes.


O que o mercado estava dizendo -quase gritando- era "não estamos preocupados com o deficit, mas com a economia fraca!". Isso porque uma economia fraca significa tanto juros baixos quanto ausência de oportunidades econômicas. 


Como foi que o discurso de Washington passou a ser dominado pela questão errada?


Os republicanos exerceram um papel nisso. Mas nosso discurso não teria se desviado tanto do que interessa se outras pessoas influentes não estivessem ansiosas por mudar de assunto, afastando o discurso da questão dos empregos, mesmo diante de um desemprego de 9%.


Procure a página de opinião de qualquer jornal importante e você provavelmente encontrará algum autoproclamado centrista declarando que não há soluções de curto prazo para essas dificuldades. Quando encontrar, saiba que pessoas desse tipo são a razão principal pela qual estamos em situação tão difícil.


Neste momento, a economia precisa desesperadamente de uma solução de curto prazo. Quando você está sangrando, você quer um médico que enfaixe a ferida, não um que faça sermão sobre a importância de um estilo de vida saudável.


Quando milhões de pessoas jovens, capacitadas e dispostas estão desempregadas e o potencial econômico está sendo desperdiçado no valor de quase US$ 1 trilhão por ano, queremos responsáveis políticos que trabalhem para garantir uma recuperação rápida, e não pessoas que façam sermões sobre a necessidade de sustentabilidade fiscal.


O que envolveria uma resposta real a nossos problemas? Para começar, envolveria mais gastos governamentais, e não menos. Envolveria iniciativas agressivas para reduzir a dívida das famílias. E envolveria um esforço total para fazer a economia avançar outra vez. Claro que os suspeitos de sempre tacharão essas ideias de irresponsáveis. Mas você sabe o que é realmente irresponsável? É sequestrar a discussão sobre a crise, deixando que a economia continue a sangrar.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Standard & Poor's não tem credibilidade para avaliar dívida dos EUA

PAUL KRUGMAN é totalmente radical quando o assunto é a avaliação do risco americano. O texto é didático, inteligente e dirime as dúvidas ainda existentes.

Para entender todo o furor em torno da decisão da agência de classificação de risco Standard & Poor's de rebaixar os títulos da dívida do governo dos Estados Unidos, é preciso que se leve em consideração duas ideias aparentemente (mas não realmente) contraditórias. A primeira é que os Estados Unidos não são de fato mais aquele país estável e confiável que era no passado. A segunda é que a própria Standard & Poor’s tem ainda menos credibilidade; esta agência é a pior instituição à qual alguém deveria recorrer para receber opiniões sobre as perspectivas do nosso país.

Comecemos pela falta de credibilidade da Standard & Poor’s. Se existe uma única expressão que melhor descreve a decisão da agência de classificação de risco de rebaixar os Estados Unidos, esta palavra é chutzpah (cara de pau) – tradicionalmente definida pelo exemplo do jovem que mata os pais e depois suplica por clemência pelo fato de ser órfão.

O grande déficit orçamentário dos Estados Unidos é, afinal de contas, basicamente o resultado da queda econômica que se seguiu à crise financeira de 2008. E, a Standard & Poor’s, juntamente com as outras agências de classificação de riscos, desempenhou um papel importante no que se refere a provocar aquela crise, ao conceder classificações AAA a papeis lastreados em hipotecas que acabaram se transformando em lixo tóxico.

E a má avaliação não parou aí. É notório o fato de a Standard & Poor’s ter dado ao Lehman Brothers, cujo colapso provocou um pânico global, uma classificação A no mês em que aquele banco faliu. E como foi que a agência de classificação de risco reagiu depois que a instituição financeira de nota A foi à falência? Ela emitiu um relatório no qual negava ter cometido qualquer erro.

Então, são essas as pessoas que agora decretam que os Estados Unidos da América não são mais dignos de crédito?

Mas esperem, essa história fica ainda melhor. Antes de rebaixar os papeis da dívida dos Estados Unidos, a Standard & Poor’s enviou um esboço preliminar do seu novo relatório ao Departamento do Tesouro. Os funcionários do departamento identificaram rapidamente um erro de US$ 2 trilhões nos cálculos da Standard & Poor’s. E o erro era daquele tipo que nenhum especialista em orçamento poderia cometer. Após discussões, a Standard & Poor’s admitiu que estava errada – e rebaixou os Estados Unidos assim mesmo, após remover uma parte da sua análise econômica do relatório.

Conforme eu explicarei daqui a pouco, não se deveria dar muito crédito, de qualquer maneira, a tais estimativas de orçamento. Mas o episódio não gera exatamente confiança na avaliação da Standard & Poor’s.

De forma mais geral, as agências de classificação de risco jamais nos proporcionaram qualquer motivo para que nós levássemos a sério as suas avaliações sobre solvência nacional. É verdade que nações que declararam moratória geralmente foram rebaixadas antes que isso acontecesse. Mas em tais casos as agências de classificação de risco estavam simplesmente seguindo os mercados, que já haviam repudiado esses devedores problemáticos.

E, nos casos raros em que as agências de classificação de risco rebaixaram países que, como os Estados Unidos neste momento, ainda gozavam da confiança dos investidores, essa decisão por parte delas se revelou consistentemente equivocada. Vejamos, particularmente, o caso do Japão, que foi rebaixado pela Standard & Poor’s em 2002. Bem, nove anos depois o Japão ainda consegue pegar dinheiro emprestado livremente e a juros módicos. De fato, na última sexta-feira, a taxa de juros sobre os títulos de 10 anos do Japão era de apenas 1%.

Portanto, não existe motivo para levar a sério o rebaixamento dos Estados Unidos ocorrido na sexta-feira passada. As últimas pessoas em cuja avaliação deveríamos confiar são os analistas da Standard & Poor’s.

No entanto, os Estados Unidos têm de fato grandes problemas.

Esses problemas têm muito pouco a ver com a aritmética orçamentária de curto prazo ou mesmo com a de médio prazo. O governo dos Estados Unidos não está tendo problemas para pegar dinheiro emprestado para cobrir a sua dívida atual. É verdade que nós estamos acumulando dívida, sobre a qual teremos que pagar juros. Mas se fizermos de fato as contas, em vez de ficarmos repetindo os números enormes com voz sinistra, descobriremos que até mesmo déficits muito elevados no decorrer dos próximos anos terão um impacto pequeno sobre a sustentabilidade fiscal dos Estados Unidos.

Não, o que faz com se tenha a impressão de que os Estados Unidos não são confiáveis não é a matemática orçamentária, mas sim a política. E, por favor, não vamos repetir as declarações usuais de que ambos os lados são culpados. Os nossos problemas são quase que inteiramente provocados por um dos lados – eles são causados, especificamente, pelo crescimento de um extremismo de direita que está preparado para criar crises repetidas em vez de ceder um centímetro sequer em relação às suas exigências.

O fato é que, no que se refere à economia básica, os problemas fiscais de longo prazo dos Estados Unidos não devem ser tão difíceis assim de se resolver. É verdade que uma população em processo de envelhecimento e o aumento dos custos dos serviços de saúde provocarão um aumento mais rápido - sob as atuais políticas - dos gastos do que das receitas tributárias. Mas os Estados Unidos têm custos com saúde bem mais elevados do que os de qualquer outra nação desenvolvida, e impostos muito baixos segundo os padrões internacionais. Se nós pudéssemos nos aproximar, ainda que parcialmente, das normas internacionais nessas duas frentes, os nossos problemas orçamentários seriam resolvidos.

Então, por que é que não podemos fazer isso? Porque temos neste país um movimento político poderoso que gritou “comitês da morte” ao se deparar com tentativas modestas de utilização mais efetiva das verbas do Medicare, e que preferiu que nós corrêssemos o risco de uma catástrofe financeira do que concordar com a cobrança de um único centavo em impostos adicionais.

O verdadeiro problema enfrentado pelos Estados Unidos, mesmo em termos puramente fiscais, não é determinar se nós cortaremos um trilhão aqui ou um trilhão ali do nosso déficit. O problema é saber se os extremistas que estão atualmente bloqueando qualquer tipo de política responsável podem ser derrotados e marginalizados.

domingo, 7 de agosto de 2011

A Standard & Poor's e o rebaixamento dos Estados Unidos.

Paul Krugman, colunista do The New York Times, hoje no O Estado de S.Paulo, comenta sobre o novo rating AA+ dos Estados Unidos.

Pois é, a Standard & Poor"s fez o que ameaçava fazer: rebaixou o rating dos Estados Unidos. É uma situação estranha.

Por um lado, agora justifica-se a afirmação de que a loucura da direita tornou os Estados Unidos uma nação fundamentalmente doente. Porque, de fato, é a loucura da direita: se não fosse o radicalismo dos republicanos, sempre contrários a impostos, seria possível chegar, sem nenhum problema, a um acordo que garantiria a solvência a longo prazo.

Por outro lado, é difícil imaginar uma entidade menos qualificada para passar um julgamento sobre o nosso país do que as agências de rating. Então as pessoas que classificaram os títulos respaldados em empréstimos subprime agora se declaram os juízes da política fiscal? É mesmo? E, para a coisa ficar mais perfeita, ficou claro que a S&P errou nos cálculos em US$ 2 trilhões; depois de muitas discussões reconheceu - e rebaixou a classificação. Mais do que isso, tudo o que já ouvi sobre as exigências da S&P indica que a agência está falando absurdos a respeito da situação fiscal dos EUA. Ela sugeriu que o rebaixamento se deu por causa do montante da redução do déficit que havia sido negociada para a próxima década, e aparentemente acenou com o mágico número de US$ 4 trilhões.

Entretanto, a solvência dos EUA não depende do que acontece a curto e até mesmo a médio prazo: mais de U$ 1 trilhão de dívidas representa um aumento de apenas uma fração de um ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB) aos custos dos juros futuros. Portanto, U$ 2 trilhões a mais ou a menos não têm grande significado a longo prazo. O que importa é a perspectiva a prazo mais longo, que, por sua vez, depende em grande parte dos custos da saúde.

Então, do que é que a S&P estava falando?

Supostamente, ela possuía alguma teoria segundo a qual a restrição agora é um indicador do futuro - mas não há nenhuma boa razão para se acreditar nesta teoria, e seguramente a S&P não tem nenhuma autoridade para fazer esse tipo de vago julgamento político.Em suma, a S&P fez uma asneira - e, depois da débâcle das hipotecas, não tem mais esse direito. É um escândalo - não porque os EUA estejam numa boa situação, mas porque estas pessoas não têm condições de julgar.

A importância de debater o PIB nas eleições 2022.

Desde o início deste 2022 percebemos um ano complicado tanto na área econômica como na política. Temos um ano com eleições para presidente, ...