Mostrando postagens com marcador YOSHIAKI NAKANO. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador YOSHIAKI NAKANO. Mostrar todas as postagens

domingo, 31 de março de 2013

Economistas e a economia brasileira hoje.


Excelente matéria do ESTADÃO sobre a atual situação econômica brasileira. 

Os críticos dizem que, com sorte, seis economistas reunidos chegam a sete soluções para o mesmo problema. A resposta para o dilema do baixo crescimento e da inflação alta no Brasil, porém, aponta quase um só caminho. Seis dos principais economistas brasileiros, de correntes de pensamento diferentes, convidados pelo 'Estado' a refletir sobre o assunto, chegaram ao mesmo diagnóstico.

Da Casa das Garças, reduto tucano, à Unicamp, de onde saíram os principais condutores da política econômica do governo, incluindo a presidente Dilma, a resposta é quase unânime. Para reanimar o crescimento, o governo precisa estimular o setor privado a investir, e, para domar a inflação, é preciso subir os juros e cortar gastos do setor público.

É claro que há divergência sobre como fazer isso. Mas, surpreendentemente, apenas Luiz Carlos Bresser-Pereira - professor emérito da Fundação Getúlio (FGV) e ministro nos governos Sarney e FHC - é contra a alta de juros.

Essa discussão ganhou ainda mais relevância na semana passada, depois da polêmica provocada por uma declaração da presidente Dilma. "Não concordo com políticas de combate à inflação que olhem a redução do crescimento econômico", disse, durante encontro dos Brics na África do Sul. "Esse receituário que quer matar o doente em vez de curar a doença, ele é complicado, você entende?"

O Brasil vive uma situação complexa e paradoxal. Nos últimos dois anos, o crescimento médio do PIB foi de apenas 1,8%. Ao mesmo tempo, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) bateu em 6% no acumulado em 12 meses até fevereiro, e só não ultrapassou o teto da meta de inflação (6,5%) por conta de manobras, como o corte do preço da energia e os pedidos aos prefeitos para não reajustar a passagem de ônibus.

Em 2012, a taxa de desemprego ficou em 4,6%. O País está em pleno emprego, o que significa demanda aquecida. A produção industrial, no entanto, caiu 2,7% no ano passado.

Edmar Bacha, um dos pais do Plano Real, fundador e diretor da Casa das Garças, não minimiza os desafios, mas diz que o governo tem hoje todos os instrumentos para lidar com a situação. "Só precisa decidir utilizá-los de maneira adequada", diz. Ele defende uma política "eficaz" de concessões de obras de infraestrutura.

A conclusão de Luiz Gonzaga Belluzzo, professor emérito da Unicamp, fundador da Facamp, e um dos conselheiros de Dilma, é parecida. "Se o governo quer apoiar o crescimento através do investimento, certamente não pode ser leniente com a inflação", diz. Belluzzo, no entanto, acredita que um aperto monetário leve será suficiente para recuperar a credibilidade do BC e conter as expectativas de inflação.

Gustavo Franco, ex-presidente do BC e hoje sócio da Rio Bravo Investimentos, afirma que o aumento dos juros é uma solução de "qualidade inferior" e que o grande problema da economia brasileira é a "gastança" do governo. "Já deveríamos ter aprendido a lição que é muito melhor combater a inflação atacando a sua causa, que é a política fiscal."

Para Yoshiaki Nakano, diretor da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo, o Brasil precisa de uma "inversão total" da política fiscal com contração dos gastos correntes, que permitiria, ao mesmo tempo, controlar a inflação no setor de serviços e manter juros baixos e câmbio depreciado para ajudar a indústria.

Affonso Celso Pastore, ex-presidente do BC e sócio da A.C. Pastore Associados, diz que o pleno emprego é um sinal inequívoco de que não existe um problema de demanda. "O País não investe em infraestrutura e, por isso, não cresce. O governo fica tentando resolver injetando mais demanda na economia e deixando a inflação subir", resume.

Para Bresser-Pereira, os empresários não investem porque o câmbio continua apreciado, apesar da recente desvalorização promovida pelo governo Dilma. "O câmbio é o interruptor da economia, que liga ou desliga a demanda para as empresas."

Pelos sinais mais recentes, como os pacotes de concessão de obras de infraestrutura, parece que a equipe econômica de Dilma chegou à mesma conclusão que esses economistas. Mas ainda há muitas dúvidas sobre a convicção e a eficiência com que as autoridades estão implementando as medidas necessárias. Em breve, o BC terá de decidir se sobe ou não os juros e com que intensidade. Será um bom teste.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

A "Grande Recessão"


Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), é professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP. Escreveu este artigo especialmente para o Valor Econômico de hoje. 

A crise financeira do subprime e o colapso do sistema financeiro com a quebra do Lehman Brothers desencadeou a chamada "Grande Recessão". Mas ela é um fenômeno distinto da crise financeira em si. Com a crescente incerteza, as economias dos países centrais saem da normalidade e passam a ser regidas por comportamentos induzidos pela incerteza, medo, pânico etc., nos quais prevalecem a lógica da desalavancagem, da "balance sheet recession" e da demanda de ativos com sinais trocados gerando instabilidades nesses mercados. Como entender o que acontecerá como a economia global nesse contexto? A experiência histórica similar, a "Grande Depressão de 1890", a "Grande Depressão de 1930" e a crise japonesa dos anos 90, nos permite fazer analogias e algumas conjecturas sobre o que acontecerá nos próximos anos.

A atual "Grande Recessão" não deverá ser tão profunda quanto a "Grande Depressão de 1929 a 1939", afinal aprendemos alguma coisa com ela, mas será tão abrangente e duradoura quanto e deverá ter significado histórico similar ao da "Grande Depressão do final do século XIX.

Será abrangente no sentido de ser uma crise global, diferentemente da crise japonesa, ou seja, é uma crise do próprio processo de integração e globalização financeira promovido pela plutocracia financeira que vem exercendo poder, tanto nos Estados Unidos como na Europa (talvez nem tanto na Alemanha). A "Grande Recessão" está centrada nos Estados Unidos e Europa, e já vem causando uma crise de governabilidade, mas tem também causas e dimensão internacional de forma que nenhum país ficará inume a seus efeitos de uma forma ou outra.

Será duradoura porque como a crise dos anos 30 e a crise japonesa ela afeta tanto os credores/emprestadores como os devedores/tomadores de empréstimos. O Federal Reserve (Fed, banco central americano) aumentou brutalmente a oferta de moeda e reduziu a taxa de juros para próximo a zero procurando salvar credores/emprestadores, subsidiando-os. Assumindo a função de emprestador em última instância, absorve ativos problemáticos no seu balanço, mas não resolve o problema dos devedores, que tiveram sua riqueza financeira destruída pela crise, e agora têm que pagar as dívidas.

A política monetária pode também resolver o problema de liquidez do credor/emprestador, que detém ativos emitidos pelos devedores, já que o banco central está disposto a prover recursos com juros zero para que continuem carregando os ativos e assim fazendo por longo período poderá mascarar, amenizar e, com o tempo suficientemente prolongado, até resolver o problema de insolvência.

Do outro lado, tanto as famílias como as empresas que se endividaram excessivamente durante o boom de crédito que antecedeu a crise, têm que desalavancar, aumentando a poupança (deixando de consumir e de investir produtivamente) para pagar a dívida acumulada. A "Grande Recessão" é o resultado dessa redução persistente da demanda agregada. Aqui a política monetária não tem efeito, pois somente uma política fiscal ativa pode recolher o aumento de poupança privada e reinjetá-la de volta no sistema econômico como demanda, para reanimar a economia. E essa foi a reação de todos os governos. Mas ao executar essa política, o déficit público aumenta e, com isso, a dívida publica se transforma também em crise da dívida soberana. A reação política da sociedade contra a classe dirigente será quase imediata. Ela está perdendo tanto a credibilidade como legitimidade, abrindo espaço para a ação de grupos radicais, tornando praticamente impossível manter uma política fiscal para tentar sustentar o nível de atividade econômica.

Ao contrário, os investidores perceberam que os governos estão com a dívida crescendo rapidamente e perdendo legitimidade e vão não só deixar de financiar os seus déficit, mas vão tentar desfazer dos títulos públicos com consequente elevação da taxa de juros. Na medida em que a política fiscal fica travada, podemos ter uma nova contração no nível de atividade, agravando o problema de déficit publico. Assim, somente quando a segunda contração for suficientemente profunda e prolongada a trava política da política fiscal será removida.

Qual o significado histórico da "Grande Recessão"? Em primeiro lugar essa é uma crise centrada nos Estados Unidos e Europa, portanto do núcleo do sistema global. Internamente, nesses países, foi a ascensão da plutocracia financeira, com a aliança do setor industrial, no início dos anos 1980 que permitiu a desregulamentação do sistema bancário e consequente introdução de inovações financeiras e explosão de crédito que gerou a crise. O poder do setor industrial já estava em declínio com a desindustrialização. Agora, tanto os Estados Unidos como a Europa, nas próximas décadas, deverão ter como prioridade absoluta a revitalização das suas economias, voltando-se para dentro eventualmente com medidas protecionistas, para enfrentar a ascensão da China.

Somado a isso, a perda de credibilidade e de legitimidade da sua classe dirigente, a governança global mudará radicalmente. Viveremos nas próximas décadas um interregno com a ausência de um centro que ditava as regras do jogo, exercia liderança política e ideológica e impunha um pensamento econômico.

A "Grande Recessão" será um longo processo de declínio da hegemonia americana, de um paradigma histórico e a gradual ascensão da China. Com o colapso de um paradigma, de um modelo econômico (uma variedade de capitalismo) que prevaleceu plenamente nas últimas três décadas, o que virá no seu lugar?

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Dois mitos sobre a poupança nacional.


Yoshiaki Nakano, professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP ,hoje no Valor Econômico, escreve sobre “Dois mitos sobre a poupança nacional.”

Existem muitos mitos sobre a taxa de poupança no Brasil. Vejamos dois desses mitos. Primeiro, a maioria dos economistas quando fala em poupança está pensando em poupança pessoal, das famílias, ignorando a poupança das empresas. Segundo, a maioria dos analistas assume como óbvio que a baixa taxa de poupança é a responsável pela baixa taxa de investimento na economia brasileira. Vamos verificar se esses dois mitos se sustentam diante dos dados e das pesquisas empíricas.

A maioria dos economistas adquire o "estranho hábito" de raciocinar como se a poupança nacional fosse composta apenas da poupança pessoal, isto é, das famílias. E daí deriva um conjunto de diagnósticos incorretos. De fato, nos fundamentos teóricos dos neoclássicos estuda-se a decisão do consumidor, mas a empresa (firma) é identificada apenas por um conjunto de curvas de custos. Nesse mundo teórico, as categorias lucros, dividendos e lucros retidos não existem.

Quando se considera a empresa como uma complexa organização dirigida por executivos, que busca maximizar lucros e distribuir dividendos para os acionistas e interagindo com outras empresas, o equilibrio geral, para o conjunto da economia, fica indeterminado e as conclusões teóricas se desfazem. Daí o "estranho hábito" de identificar o mundo real com os modelos por eles criados e pior, agem como se fossem portadores da verdade. O que os fatos e o mundo real das análises financeiras nos dizem é algo completamente diferente.

Os dados do IBGE nos mostram que 88,4% da poupança bruta total no Brasil foi gerada pelas empresas, representando, em relação ao PIB, 17,1%, em 2006, último dado disponível. A poupança das famílias representou 26,8% da poupança total, o que representa 5,2% em relação ao PIB no mesmo período. O problema está localizado na Administração Pública, que tem uma despoupança de -15,9% da poupança bruta total, representando -3,1% do PIB. Logo, o setor privado poupou 22,3% do PIB e, se o governo tivesse consumido menos e poupasse o equivalente aos seus investimentos, a taxa de poupança teria atingido 25,4% do PIB.

Na verdade, estes dados apenas ratificam muitos estudos empíricos anteriores. Por exemplo, R. Bebczuk em pesquisas empíricas relatadas no seu livro texto sobre finanças ("Asynmetric Information in Financial Markets", Cambridge University Press, 2003) mostra que na América Latina, em média, 80,6% dos investimentos produtivos em firmas não financeiras eram financiados pelos lucros retidos no periodo 1990-1996. No Brasil esse percentual era pouco menor - 76,1% - dado certamente à elevada participação do BNDES. Nos países desenvolvidos, os lucros retidos financiavam, em média, 71,1% dos investimentos produtivos, tendo em vista a participação de 9,9% de ações.

Outra informação relevante é que nos países menos desenvolvidos a poupança das famílias é pouco expressiva e na America Latina representa apenas 13,6% da poupança privada total, enquanto que nos países desenvolvidos chega a representar, em média, cerca de 50%. No Brasil, a poupança das famílias representou 27,8% da poupança privada total e tenderá a aumentar com o crescimento, aumento da renda per capita e envelhecimento da população.

Portanto, o problema da poupança nacional está localizado no setor público que absorveu 15,9% da poupança do setor privado para financiar suas despesas, e investindo muito pouco produtivamente. Na realidade, o Governo apropria e reduz a poupança privada utilizando-se de dois instrumentos: 1) mantém taxas de juros num patamar recordista mundial; e 2) impõe carga tributária de mais de 36% do PIB.

O segundo mito advém do hábito de imputar a fatores exógenos ao sistema econômico os seus males. Nessa forma de pensar, a taxa de poupança é um dado exógeno, um dado não explicado pelo modelo. Assim, as elevadas taxas de juros, excesso de investimento em relação à poupança e o baixo crescimento seriam explicados por esse dado exógeno. Da mesma forma, é a baixa taxa de poupança doméstica que explica a taxa real de câmbio apreciada e o déficit em transacões correntes.

Na verdade, a taxa de poupança, depende dos lucros e este é endógeno e resultado da operação do sistema econômico: lucro não depende da decisão da empresa, depende do volume de vendas (demanda agregada) e seus preços, que resultam da negociação da taxa de salário com os trabalhadores e da competição e interação com as demais empresas. Em economias abertas, o lucro ou a margem de lucro tem uma relação com a taxa de câmbio, se ela for competitiva tendem a ser maiores, mas a relação é complexa e certamente não linear.

A poupança total, nas economias emergentes, ao depender fundamentalmente dos lucros retidos, e o fato dos trabalhadores (salários) pouparem menos do que os capitalistas (dividendos), fazem com ela seja variável e resultado final da operação e do desempenho do sistema econômico. Assim, quanto maior forem o volume de investimentos produtivos, este sim objeto de decisão das empresas, e o crescimento da economia, maior será a poupança nacional.

O que os dados do IBGE mostram é que não há excesso de investimento sobre a poupança de forma que esta última seja a restrição ao crescimento, ao contrário. Tanto as empresas como as famílias têm um excesso de poupança em relação aos investimentos produtivos, particularmente, nos anos recentes em que houve uma aceleração do crescimento. As empresas não financeiras pouparam 12,1% a mais do que a formação brutal de capital, isto é, os lucros retidos excessivos foram emprestados ou fizeram aplicações financeiras, em 2006, segundo os dados do IBGE. A baixa taxa de investimento sim é a causa da baixa taxa de crescimento da economia brasileira e ela é baixa porque a taxa de juros e a carga tributária são elevadas, assim como a taxa de câmbio está excessivamente apreciada.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

A inflação passada e os juros altos.


Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP, em artigo especialmente para o VALOR ECONÔMICO. 

Toda decisão do Banco Central de aumentar ou reduzir a taxa de juros envolve interesses setoriais. Não é a toa que a decisão da última reunião gerou uma controvérsia maior do que a usual, pois significou uma ruptura com o comportamento passado. Aqueles que fizeram análise defendendo a redução na taxa de juros foram taxados, pelos "sábios" consultores e economistas de bancos, como se eles não tivessem fundamentos em teoria econômica e nos fatos empíricos. Nada mais longe da verdade. Aqui neste espaço o que apontei no mês passado foi uma mudança, na direção correta, no comportamento do Banco Central, baseado na boa teoria e prática das metas de inflação.

Os críticos da decisão do Banco Central apontam que a taxa de inflação medida pelo IPCA estaria aumentando e estão fazendo um estardalhaço com o índice que atingiu 7,31% em setembro e que as previsões para 2011 ultrapassarão o teto. Mas antes de mais nada é preciso lembrar que a redução na taxa de juros, na última reunião do Copom, terá efeitos sobre o nível de demanda agregada e os preços somente nos próximos meses; seus efeitos mais fortes serão sentidos daqui a seis a doze meses.

Portanto, a boa teoria e boa prática recomendam que a taxa de inflação de referência como meta deve sempre ser a inflação prevista para os próximos doze meses, a partir da data da tomada de decisão. Logo, o pré-requisito para implantar um modelo formal de meta de inflação é a existência de algum modelo econométrico transparente e confiável. O que a boa teoria nos diz é que, na ausência desse modelo, é melhor não adotar um modelo formal e rígido de metas - é o que recomenda um dos maiores estudiosos do tema, Lars Svensson, do banco central sueco. Por essas e outras razões, Greenspan também rejeitava a política de metas de inflação.

Assim, utilizar a taxa de inflação dos últimos doze meses é um erro grosseiro do nosso sistema vigente, desde a sua implantação. Quando a inflação está em queda, a inflação passada gera uma inércia longa na taxa de juros, desnecessária e de elevados custos sociais. Quando a inflação sobe, provoca uma reação tardia do banco central, levando na maioria dos casos, a uma elevação da taxa de juros acima do necessário. Pior ainda, inexplicavelmente no nosso sistema, a inflação refere-se ao ano calendário. Levando estritamente ao pé da letra, é como se o Banco Central, nesta próxima reunião de outubro, tivesse que fixar uma taxa de juros capaz ou de reduzir a inflação nos meses de novembro e dezembro, de tal forma a atingir a meta no final de dezembro ou teríamos que fazer a "mágica" da taxa de juros ter efeitos retroativos a janeiro, reescrevendo a trajetória dos preços. Evidentemente, ambas alternativas são inviáveis ou absurdas.

Deixando de lado esse rigor teórico e na ausência de um modelo econométrico confiável de previsão da inflação, para pelo menos os próximos 12 meses, é inevitável que pragmaticamente se utilize a inflação passada para formar a previsão da inflação futura, mas aí existem pelo menos dois critérios alternativos: 1) a taxa média mensal anualizada do período mais recente (por exemplo, ultimo trimestre 4,1% a.a.); e 2) a taxa acumulada da inflação passada (acumulado de 12 meses 7,31%). Qual melhor critério? Quais as implicações de cada critério? No primeiro, temos maior flexibilidade de detectar se existem ou não pressões inflacionarias persistentes; mudanças de patamar; se elas desapareceram e, de tornar a inércia nas taxas de juros menores. No segundo caso, a inércia é mais longa e acelerações desaparecidas, há mais de três trimestres, podem estar afetando a taxa de juros que, de fato, terá efeitos no futuro.

Vamos aos fatos. Analisando a trajetória da inflação medida pelo IPCA nos últimos 12 meses verificamos que até setembro de 2010, a inflação estava sob controle, dentro da meta. A inflação acelerou a partir de outubro de 2010, quando aumentou 0,75%, em relação ao mês anterior, permanecendo nesse patamar até abril de 2010. Nesse período, a taxa media mensal alcançou 0,77% ao mês, o que nos dá uma taxa anualizada de 9,65%, estourando a meta. O que esses dados mostram é que houve uma pressão inflacionária que se manifestou nos índices entre outubro de 2010 e abril de 2011 que levou a taxa de inflação anualizada para um patamar fora da meta. A função do Banco Central é exatamente antecipar essas pressões e tomar medidas para que a inflação fique dentro da meta. É importante lembrar que, em dezembro de 2010, o Banco Central, com defasagem de pelo menos três meses, pois a taxa de inflação de 12 meses tem forte componente inercial, tomou medidas macro-prudenciais restringindo o crédito. O que já sinalizava também mudanças técnicas, com utilização de novos instrumentos que equivalem a uma elevação na taxa de juros.

Em seguida, a taxa de inflação sofreu uma queda de 0,77% em abril, para 0,47% em maio, tendo ficado em junho e julho em 0,15% e 0,16%, voltando a acelerar um pouco em agosto e setembro, sempre em relação ao mês anterior. De qualquer forma, a taxa média mensal de maio a setembro de 2011 passou para 0,34%, o que anualizada nos dá 4,1%, portanto por esse critério de taxa anualizada dentro da meta.

Nada mais correto que o Banco Central reduzir a taxa de inflação no final do mês de agosto, pois desde o mês de maio a inflação passada mais recente já dava sinais de que as pressões de aceleração da inflação haviam desaparecido. Mais justificado ainda se havia já indicadores confiáveis de que o crescimento da economia estava caminhando para um nível abaixo do potencial.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Finalmente a independência do BC.


Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP, escreveu este artigo especialmente para o VALOR ECONÔMICO.


O Banco Central (BC) tomou a decisão de reduzir em 0,5 ponto percentual a sua taxa de juros, o que surpreendeu o mercado financeiro. Os seus "porta vozes", por meio da imprensa, falaram em quebra de "protocolo", da "liturgia" e na subversão aos "princípios mais valiosos" do sistema de metas de inflação. Isso teria deixado o mercado "perplexo" segundo a imprensa. Mas, afinal, qual era esse protocolo ou liturgia a que o mercado estava acostumado? Quais eram esses "princípios mais valiosos do sistema de metas de inflação" que o BC teria abandonado?
De fato, o BC, que não tem na sua diretoria atual funcionários de bancos privados, como tivemos nas diretorias anteriores, surpreendeu os tesoureiros e economistas dos bancos privados, que estavam acostumados a uma relação, no mínimo, promíscua. Nessa relação, o Banco Central reagia às expectativas de inflação dos economistas dos bancos privados, materializadas na pesquisa Focus e nas taxas de juros futuras das operações efetuadas pelas tesourarias.
Na véspera das reuniões do Copom, a imprensa fazia a pesquisa informando o Banco Central, qual o aumento ou redução em que a maioria dos bancos e empresas de consultoria apostavam. Lógico que a maioria sempre acertava. Esse era o protocolo ou a liturgia seguidos pelas diretorias anteriores do Banco Central sempre ocupados por funcionários do sistema bancário. Na última reunião de agosto, esse protocolo foi de fato abandonado. Daí a grande surpresa e perplexidade do mercado financeiro. A rigor, o BC finalmente tornou-se independente do mercado.
Banco não tem na sua diretoria atual funcionários de bancos privados, como tivemos nas diretorias anteriores
Nesse protocolo ou liturgia prevaleciam, evidentemente, os interesses dos mercados financeiros. Se as expectativas de inflação e de taxas de juros futuras do próprio mercado financeiro guiavam as decisões do Banco Central, os riscos de erros nas projeções eram minimizados e as possibilidades de ganho maximizadas. Vale lembrar que, no Brasil, o Banco Central fixa a taxa Selic, que é a mesma dos títulos públicos de longo prazo e, que serve de base (CDI) para a fixação das demais taxas de juros ativas e passivas. Assim, a indexação dos ativos financeiros à taxa diária Selic/DI elimina o risco da variação da taxa de juros e, tal "protocolo" entre o mercado e o Banco Central reduzia o risco de erros de expectativas. A dita "perplexidade" do mercado é compreensível, pois agora aumentam os riscos de serem surpreendidos se errarem nas as suas projeções.
Outro aspecto que merece atenção é que muitos economistas de bancos ou de consultorias ligadas ao mercado financeiro imputam a última decisão do Banco Central como subversão das regras ("princípios mais valiosos") da política monetária baseada em metas de inflação. Nada mais longe da verdade. A rigor, o sistema de metas que tínhamos no Brasil, era um arremedo do verdadeiro. Como a variação da taxa de juros tem uma defasagem longa, de seis a 12 meses, para ter efeitos mais relevantes sobre o lado real da economia (demanda agregada) e sobre a inflação, a taxa de inflação relevante, que tem que ser monitorada, é a taxa estimada para os próximos seis a 12 meses. Portanto, o sistema de metas pressupõe um bom sistema de previsão de inflação futura para compará-la com a meta e daí tomar a decisão de mudar a taxa de juros. No Brasil, além de considerarmos a inflação medida e acumulada de doze meses, portanto, referente ao passado, estamos presos à inflação calendário.
Além da inflação passada de 12 meses dificilmente ser uma projeção correta da inflação futura, a não ser por acaso, não consideramos nem mesmo a inflação contemporânea. Se esta for mais relevante para extrapolarmos para o futuro, a taxa de juros deverá ter um comportamento completamente diferente do nosso caso.
Por exemplo, a taxa de inflação de agosto foi de 0,37%, portanto, anualizando temos como taxa de inflação referência 4,5%, coincidindo com a meta. A taxa de juros deveria ser muito menor. Ao utilizarmos a inflação passada de 12 meses como referência, temos que manter a taxa de juros em níveis elevados mesmo que as pressões inflacionárias efetivas tenham desaparecido e a inflação contemporânea esteja dentro da meta. É compreensível que aqueles que ganham com juros elevados defendam os "princípios mais valiosos" da atual regra.
Outro aspecto que chamou a atenção dos "porta-vozes" do sistema financeiro é que o BC não está considerando só a taxa de inflação, mas o crescimento da economia, como se isso fosse um pecado mortal praticado pelo banco. Novamente, isso representa uma ignorância sobre o sistema de metas de inflação ou a defesa de interesses setoriais. O sistema de metas pressupõe que a taxa de juros afeta a inflação por diversos canais, entre eles o da demanda agregada ou o hiato do produto. A taxa de juros não afeta diretamente a inflação. Assim, ao elevar a taxa de juros, o Banco Central pretende eliminar o excesso de demanda ou atingir o hiato zero para assim controlar a inflação.
O Banco Central do Brasil agiu de forma correta se seus estudos técnicos e as projeções de seus modelos indicam tanto a desaceleração do nível de atividade econômica, como a queda nas pressões inflacionárias nos próximos 12 meses. Se isso for verdade, estamos mais próximos de um verdadeiro sistema de metas. Se acrescentarmos que o ministro da Fazenda anunciou um aperto fiscal maior para poder afrouxar a política monetária, estamos iniciando uma nova era e podemos caminhar para um novo regime de política macroeconômica compatível com crescimento acelerado e sustentado.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Os desafios da política macroeconômica.

Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP, escreveu hoje no VALOR ECONÔMICO, sobre os desafios da política macroeconômica.

Os desdobramentos da grande crise financeira, a ascensão da China e mudanças estruturais pelas quais passa a economia global e a economia brasileira nos últimos anos colocam enormes desafios aos economistas brasileiros. Vivemos uma época histórica ímpar em que somos obrigados a repensar a economia diante das mudanças impostas pela necessidade de enfrentar os novos problemas ou velhos problemas em novos contextos.

Os desafios e os problemas estão postos, mas o verdadeiro debate nem começou ainda. Os economistas ainda se reúnem em grupos doutrinários e de interesses, continuam defendendo as suas "verdades", contidas nos seus pressupostos ou aquelas que convêm aos seus interesses. Em vez de destilar doutrinas, é preciso caminhar para um debate pragmático para enfrentarmos os problemas novos que nos apresentam.

Vamos nos restringir ao problema da inflação que ganhou novos componentes e impõe alguns desafios, particularmente o fato de os instrumentos até agora utilizados tornarem-se insuficientes diante do novo contexto trazido pelas mudanças tanto na economia global, como doméstica. Além disso, sabemos que, para cada problema, devidamente convertido em objetivo da política, é necessário um instrumento para resolvê-lo. Hoje, os instrumentos utilizados são em número muito menor do que as metas e objetivos a serem enfrentados.

Hoje todos concordam que a inflação tem origens externa e interna. Do lado externo, a elevação dos preços das commodities causada pelo excesso de demanda global gerado pela rápida expansão econômica da China e de outros países asiáticos. Esse novo quadro inflacionário veio substituir o quadro anterior de desinflação, em função da contenção dos salários nos países desenvolvidos, pelo "deslocamento" das fábricas e empregos para China e outros países com baixos salários e da queda nos preços das manufaturas pela acirrada competição global. No quadro desinflacionário, a política de metas de inflação, com os bancos centrais perseguindo uma única meta, com um instrumento, a taxa de juros, podia ser aceitável, já que a meta de emprego ou de crescimento era providenciada pelo "boom de crédito". Com a crise financeira, a política monetária assumiu novas funções e a política de metas de inflação precisará ser repensada, incorporando no mínimo novos instrumentos e metas.

Essa elevação generalizada dos preços de commodities, especialmente no caso dos alimentos, é um fenômeno novo, pelo menos no período pós-guerra, e tem também uma inovação. A causa original do excesso de demanda global tem sido impulsionada pela inovação financeira, que converteu as commodities e as moedas de países produtores em ativos financeiros, objeto hoje de forte especulação. No novo quadro inflacionário, o instrumento taxa de juros tem eficácia limitada, pois a demanda tanto de alimentos como de petróleo são inelásticas e não consegue inibir a especulação financeira.

Além disso, a atual pressão inflacionária não é passageira, decorrente de simples quebra de safra, mas um deslocamento persistente para cima na demanda, em função do rápido crescimento da China e Índia em que a oferta só conseguirá eliminar o excesso de demanda no longo prazo. E mais, a elevação da taxa de juros atrai fluxo de capitais e aprecia a taxa de câmbio e tem efeitos perversos. Taxa de juros elevadas e taxa de câmbio apreciada inibem novos investimentos em vez de ampliar a oferta de commodities e geram déficits em transações correntes. O aumento do fluxo de capitais acaba expandindo a oferta de moeda e de crédito.

Do lado interno, a causa da aceleração da inflação no Brasil que preocupa neste momento é a elevação dos salários, acima da produtividade, e que está pressionando principalmente o setor de serviços. Aqui há um fenômeno novo, pois, pela primeira vez, atingimos o "pleno emprego" e, com isso tudo indica que a chamada "curva de Phillips" que estabelece um "trade off" entre variação da taxa de salário e taxa de desemprego começa a valer de fato no Brasil. Não é o esgotamento da capacidade ociosa na indústria, nem a depreciação da taxa de câmbio ou algum choque de oferta doméstica que pressionam a inflação, mas o esgotamento relativo do excesso de oferta de trabalho.

Mudanças demográficas ocorridas ainda na década de 70 e 80, com redução na taxa de natalidade e que já há alguns anos vem diminuindo o número de trabalhadores que procuram o seu primeiro emprego, modificou completamente a dinâmica do mercado de trabalho no Brasil.

Além disso, é do setor de não "tradables" que vem a maior pressão inflacionária, pois a apreciação da taxa de câmbio não tem efeito anti-inflacionário neste setor, ao contrário, a apreciação, ao elevar os salários, geram pressões de demanda e inflação, exatamente em setores não expostos à competição das importações. É importante lembrar que a apreciacão da taxa de câmbio significa elevação relativa de preços dos setores não "tradables" onde a produtividade aumenta menos do que no setor de "tradables", expostos a competição internacional. Isso somado à desindustrialização fará com que a produtividade cresça lentamente na economia brasileira, fazendo com que os custos unitários de trabalho tenham que ser repassados aos preços. Os desafios estão postos: "pleno emprego" e inflação do setor de serviços estão aí para exigir muito maior eficácia da política de juros do que no passado.

domingo, 27 de dezembro de 2009

2010 SEGUNDO NAKANO

Com o título “2010”, YOSHIAKI NAKANO, diretor da nossa Escola de Economia de São Paulo, da FGV, escreve hoje na FOLHA DE S. PAULO. Conforme já postei anteriormente, tenho prazer em divulgar aos meus quase dois (milhões de) leitores, o texto inteiro, ao invés de fazer o link, apesar das reclamações de alguns que somente gostam de ler o título do texto...

O ano de 2010 deverá ficar na história econômica mundial como início de uma nova era ou do verdadeiro início do século 21.

A grande crise do sistema financeiro norte-americano de 2007-2009 marcará o fim de um longo ciclo de expansão econômica mundial marcada pela hegemonia absoluta dos EUA e pela globalização financeira.

Essa crise já trouxe mudanças profundas tanto na configuração política como na economia global. É verdade que mudanças estão ainda em gestação, mas algumas tendências são visíveis, de forma que podemos fazer pelo menos duas conjecturas do quadro global a partir de 2010.

Em primeiro lugar, a mudança na governança global é visível com a constituição do G20, em substituição ao G7. É importante lembrar que o G20 era um fórum de ministros de Fazenda.

Com a crise financeira, a reunião do G20, em outubro passado, transformou-se em fórum maior de chefes de Estado das 20 nações mais importantes do planeta. A participação do presidente dos Estados Unidos nessa reunião representou simbolicamente o fim do unilateralismo e da hegemonia absoluta norte-americana e o reconhecimento da "cidadania política mundial" de países emergentes como a Índia, o Brasil e a África do Sul.

Essa mudança na governança global terá consequências mais profundas na América Latina e no Brasil do que na Ásia. Está surgindo o novo desenvolvimentismo nacional, em que alguns emergentes terão espaço para traçar autonomamente o seu destino, ainda que num mundo cada vez mais integrado e globalizado. De fato, o Brasil nesse novo quadro do G20 está tendo que descobrir e definir pragmaticamente os seus interesses nacionais, na medida em que tem de negociar de igual para igual com nações desenvolvidas que sabem muito bem defender os seus.

A segunda grande mudança está ocorrendo na dinâmica da economia global. O superendividamento do consumidor norte-americano, que se traduzia num enorme deficit em transações correntes e num desequilíbrio global, está na raiz da atual crise. Isso está provocando grandes ajustes, com aumento da taxa de poupança e redução do deficit.

O colossal socorro do governo norte-americano aos bancos está se convertendo num crescimento explosivo da sua dívida pública, enfraquecendo o dólar como moeda de reserva. Tudo isso deverá romper com a estrutura dinâmica da economia mundial, em que os EUA estão deixando de ser o centro dinâmico global como consumidores e importadores em última instância. Além disso, como a única saída sustentável para a recuperação do emprego está no aumento das exportações, os EUA estão depreciando o dólar e promovendo uma "guerra cambial" contra o resto do mundo.

Por outro lado, em 2010 a China ultrapassará o Japão, constituindo-se na segunda maior e mais dinâmica economia mundial. Mas, ao atrelar o yuan ao dólar, a China também promove a "guerra cambial". Nesse quadro, o dinamismo para os demais países emergentes como o Brasil terá de se localizar na expansão do mercado doméstico e nas exportações de commodities para a China, que está configurando uma nova divisão internacional do trabalho.

domingo, 1 de novembro de 2009

ATÉ ONDE VAI ESSA GUERRA CAMBIAL?

Na FOLHA de hoje, mais um artigo sobre o comportamento do DÓLAR, desta vez, no texto do colega YOSHIAKI NAKANO, da nossa Escola de Economia de São Paulo, da FGV (Fundação Getulio Vargas).

PAUL KRUGMAN, na Folha de 24 de outubro, critica a "escandalosa política cambial chinesa" de fixar sua moeda em relação ao dólar. Segundo ele, o "mau comportamento da China constitui uma crescente ameaça para a economia mundial", e "a verdade nua e crua" é que "a China está roubando o emprego de outros países".

A verdade é que os EUA desencadearam uma guerra cambial dissimulada com sua política monetária escandalosa de juro zero e de emissão de dólares, inundando as economias emergentes, adquirindo ativos, inflando as Bolsas e apreciando suas moedas. A China, que sabe defender seus interesses estratégicos, pegou carona, alinhando-se com os EUA, interrompendo, com a crise, a sua política cambial de apreciação gradual do yuan, fixando a taxa cambial ao dólar.

Portanto, quando o dólar se deprecia ante as demais moedas, o yuan também se depreciará. Na prática, são bens americanos e chineses desembarcando nos demais países, "roubando emprego", nas palavras de Krugman. Essa emissão de dólares, sem nenhum lastro, nos EUA chegou a triplicar seu estoque logo depois da crise financeira e, neste ano, está em média mais de 100% maior do que no período pré-crise.

A consequência óbvia é a depreciação do dólar, mas essa política monetária não tem efeito sobre o setor real da economia americana, pois não há demanda de crédito porque foi o superendividamento que gerou a crise financeira e o consumidor americano iniciou um longo processo de desalavancagem. Do lado da oferta de crédito, os bancos estão mais cautelosos diante do aumento do calote e da incerteza e acumulam reservas excedentes e ociosas de quase US$ 1 trilhão. Assim, a redução do juro para zero é um subsídio para o sistema financeiro americano que causou a desastrosa crise financeira global e tornou-se na realidade insolvente.

É uma escandalosa política, na qual os EUA estão tentando fazer o resto do mundo pagar a conta da crise e exportando desemprego. A taxa de juros do Fed não precisava ter sido reduzida a zero, pois, nas atuais circunstâncias de crise financeira, o instrumento adequado para evitar depressão e deflação é a política fiscal. Isso é uma imensa transferência de riqueza do resto do mundo para os bancos norte-americanos recomporem seus balanços.

A rigor, quando o Fed emite dólar, que chega como uma enxurrada ao Brasil e aprecia o real, são os exportadores brasileiros que têm suas receitas reduzidas e que estão transferindo recursos para os bancos e especuladores americanos. Os bancos americanos, sentindo que o Fed os socorrerá se houver nova crise, voltaram rapidamente a captar recursos a custo próximo a zero e a especular nas Bolsas de emergentes, criando novas bolhas.

É essa guerra cambial e essa transferência de riqueza que o governo decidiu enfrentar tributando com 2% de IOF a entrada excessiva de capitais. Mas a guerra cambial está apenas começando e, com o vigor do nosso mercado doméstico, poucos perceberam - a não ser a indústria de manufaturados que exporta ou compete com as importações - que estão roubando empregos dos brasileiros.

domingo, 9 de agosto de 2009

DA SÉRIE: TEXTOS INTERESSANTES - YOSHIAKI NAKANO

Mais, do melhor da Economia, para o nosso domingo, um artigo do nosso colega YOSHIAKI NAKANO, também diretor da nossa FGV, no ESTADÃO, com o sugestivo nome: CÂMBIO MATA.

"Inflação aleija, câmbio mata" - alerta de Mario Henrique Simonsen que continua válido para o grupo de países dependentes de condições internacionais para seu crescimento. São dependentes porque não conseguem traçar a própria trajetória; têm horizonte temporal curto, portanto não planejam a longo prazo, privilegiando sempre o consumo imediato em detrimento da poupança, ou seja, investimento com recursos próprios. Incorrem em déficits em transações correntes, endividamento externo e crises de balanço de pagamento, interrompendo repetidamente o seu crescimento. Com essa nova apreciação excessiva da taxa de câmbio, cabe alertar: por que mata o crescimento?
Parece fora de propósito falar em crise de balanço de endividamento externo e de balanço de pagamento quando o Brasil tem mais de US$ 200 bilhões de reserva cambial, a situação das contas externas é boa e o risco Brasil está num nível muito baixo. Mas o Brasil ainda não tem a característica fundamental de países que crescem persistentemente para alcançar os países desenvolvidos: horizonte temporal longo para tomada de decisões de política econômica. Não respeitamos ensinamentos básicos da teoria econômica: para crescer é preciso elevadas taxas de investimento e poupança.
Países que crescem persistentemente privilegiam os investimentos que ampliam a capacidade produtiva em vez do consumo imediato; as exportações diversificadas de manufaturados para construir uma estrutura produtiva moderna, enfrentando os próprios países desenvolvidos, e poder importar bens de capital para trazer o conhecimento e a fronteira tecnológica para o país sem se endividar. A taxa de câmbio mata esse processo porque é o preço-chave nessas economias.
A taxa real de câmbio define a escala de comparação entre os preços de todos os produtos nacionais em relação aos do resto do mundo. País que privilegia o consumo imediato prefere câmbio apreciado, pois os importados ficam mais baratos relativamente aos nacionais. Taxa de câmbio determina preços relativos macroeconômicos que definem a alocação de recursos ("tradables" x "non-tradables"), a distribuição de renda (lucro x salário, ou seja, poupança x consumo) e a demanda agregada (tirar proveito ou não da ampla e elástica demanda externa).
A taxa nominal de câmbio é preço de um ativo financeiro, a moeda nacional - assim é âncora nominal do sistema de preços e afeta a inflação tanto via custos como canal de transmissão da política monetária, e pode ser usado também para controlar as expectativas no mercado.
Assim, permitir a apreciação e a flutuação excessiva da taxa de câmbio é uma escolha entre consumo imediato ou crescimento; entre importar e transferir emprego para o exterior ou construir uma estrutura produtiva nacional competitiva e gerar emprego no país; entre flutuações na taxa de inflação ou estabilidade de preços; entre ganho imediato e único no salário real ou aumento contínuo nos salários acompanhado de aumento de produtividade; entre especulação, falso e momentâneo fortalecimento da moeda nacional (ancorado nos ciclos de fluxo de capitais) e instabilidade ou estabilidade no mercado financeiro e fortalecimento da moeda ancorado nos fundamentos (sistemáticos superávits transações correntes).

A importância de debater o PIB nas eleições 2022.

Desde o início deste 2022 percebemos um ano complicado tanto na área econômica como na política. Temos um ano com eleições para presidente, ...