Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), é professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP. Escreveu este artigo especialmente para o Valor Econômico de hoje.
A crise financeira do subprime e o
colapso do sistema financeiro com a quebra do Lehman Brothers desencadeou a
chamada "Grande Recessão". Mas ela é um fenômeno distinto da crise
financeira em si. Com a crescente incerteza, as economias dos países centrais
saem da normalidade e passam a ser regidas por comportamentos induzidos pela
incerteza, medo, pânico etc., nos quais prevalecem a lógica da desalavancagem,
da "balance sheet recession" e da demanda de ativos com sinais
trocados gerando instabilidades nesses mercados. Como entender o que acontecerá
como a economia global nesse contexto? A experiência histórica similar, a
"Grande Depressão de 1890", a "Grande Depressão de 1930" e
a crise japonesa dos anos 90, nos permite fazer analogias e algumas conjecturas
sobre o que acontecerá nos próximos anos.
A atual "Grande Recessão" não
deverá ser tão profunda quanto a "Grande Depressão de 1929 a 1939",
afinal aprendemos alguma coisa com ela, mas será tão abrangente e duradoura
quanto e deverá ter significado histórico similar ao da "Grande Depressão
do final do século XIX.
Será abrangente no sentido de ser uma
crise global, diferentemente da crise japonesa, ou seja, é uma crise do próprio
processo de integração e globalização financeira promovido pela plutocracia
financeira que vem exercendo poder, tanto nos Estados Unidos como na Europa
(talvez nem tanto na Alemanha). A "Grande Recessão" está centrada nos
Estados Unidos e Europa, e já vem causando uma crise de governabilidade, mas
tem também causas e dimensão internacional de forma que nenhum país ficará
inume a seus efeitos de uma forma ou outra.
Será duradoura porque como a crise dos
anos 30 e a crise japonesa ela afeta tanto os credores/emprestadores como os
devedores/tomadores de empréstimos. O Federal Reserve (Fed, banco central
americano) aumentou brutalmente a oferta de moeda e reduziu a taxa de juros
para próximo a zero procurando salvar credores/emprestadores, subsidiando-os.
Assumindo a função de emprestador em última instância, absorve ativos
problemáticos no seu balanço, mas não resolve o problema dos devedores, que
tiveram sua riqueza financeira destruída pela crise, e agora têm que pagar as
dívidas.
A política monetária pode também
resolver o problema de liquidez do credor/emprestador, que detém ativos
emitidos pelos devedores, já que o banco central está disposto a prover
recursos com juros zero para que continuem carregando os ativos e assim fazendo
por longo período poderá mascarar, amenizar e, com o tempo suficientemente
prolongado, até resolver o problema de insolvência.
Do outro lado, tanto as famílias como as
empresas que se endividaram excessivamente durante o boom de crédito que
antecedeu a crise, têm que desalavancar, aumentando a poupança (deixando de
consumir e de investir produtivamente) para pagar a dívida acumulada. A
"Grande Recessão" é o resultado dessa redução persistente da demanda
agregada. Aqui a política monetária não tem efeito, pois somente uma política
fiscal ativa pode recolher o aumento de poupança privada e reinjetá-la de volta
no sistema econômico como demanda, para reanimar a economia. E essa foi a
reação de todos os governos. Mas ao executar essa política, o déficit público
aumenta e, com isso, a dívida publica se transforma também em crise da dívida
soberana. A reação política da sociedade contra a classe dirigente será quase
imediata. Ela está perdendo tanto a credibilidade como legitimidade, abrindo
espaço para a ação de grupos radicais, tornando praticamente impossível manter
uma política fiscal para tentar sustentar o nível de atividade econômica.
Ao contrário, os investidores perceberam
que os governos estão com a dívida crescendo rapidamente e perdendo
legitimidade e vão não só deixar de financiar os seus déficit, mas vão tentar
desfazer dos títulos públicos com consequente elevação da taxa de juros. Na
medida em que a política fiscal fica travada, podemos ter uma nova contração no
nível de atividade, agravando o problema de déficit publico. Assim, somente
quando a segunda contração for suficientemente profunda e prolongada a trava
política da política fiscal será removida.
Qual o significado histórico da
"Grande Recessão"? Em primeiro lugar essa é uma crise centrada nos
Estados Unidos e Europa, portanto do núcleo do sistema global. Internamente,
nesses países, foi a ascensão da plutocracia financeira, com a aliança do setor
industrial, no início dos anos 1980 que permitiu a desregulamentação do sistema
bancário e consequente introdução de inovações financeiras e explosão de
crédito que gerou a crise. O poder do setor industrial já estava em declínio
com a desindustrialização. Agora, tanto os Estados Unidos como a Europa, nas
próximas décadas, deverão ter como prioridade absoluta a revitalização das suas
economias, voltando-se para dentro eventualmente com medidas protecionistas,
para enfrentar a ascensão da China.
Somado a isso, a perda de credibilidade e
de legitimidade da sua classe dirigente, a governança global mudará
radicalmente. Viveremos nas próximas décadas um interregno com a ausência de um
centro que ditava as regras do jogo, exercia liderança política e ideológica e
impunha um pensamento econômico.
A "Grande Recessão" será um
longo processo de declínio da hegemonia americana, de um paradigma histórico e
a gradual ascensão da China. Com o colapso de um paradigma, de um modelo
econômico (uma variedade de capitalismo) que prevaleceu plenamente nas últimas
três décadas, o que virá no seu lugar?
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