Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Este especial artigo foi publicado no VALOR ECONÔMICO e mostra a visão do professor Delfim Netto para este 2012 que já começou.
As "profecias" para 2012 estão
dadas. As medianas das informações do Boletim Focus do Banco Central de 30 de
dezembro de 2011, produzidas pelas opiniões de profissionais altamente qualificados,
estão na tabela abaixo.
Duas circunstâncias são importantes: 1)
há um viés informacional a favor dos "consultores financeiros", que
pode ter alguma influência. O "valor" de mercado do consultor depende
da qualidade da sua "consulta". Ele tem de se esforçar para ser o
mais preciso possível, mas não pode se afastar muito da opinião dos outros. Se
todos errarem juntos ninguém de fato errou. Apenas ignoraram alguma
condicionalidade; 2) o número de condicionalidades não explicitadas que as
previsões do Focus implicam não é enumerável.
Depois de terminar o ano, se as
"profecias" diferirem da realidade, os "desvios" serão
facilmente explicáveis, porque tudo o que poderia ter acontecido já aconteceu,
não restará nenhuma condicionalidade. Como disse J. M. Keynes, em carta ao
grande economista e historiador Jacob Viner, "a experiência mostra que o
que acontece é sempre algo contra o qual nunca nos prevenimos".
Profecias feitas com modelos
aparentemente simples, como é o caso, por exemplo, da "contabilidade do
crescimento" (com a qual se calcula o "produto potencial")
envolvem ligações internas que as tornam muito vulneráveis e têm consequências
sobre toda a economia (por exemplo, a divertida teoria dos ciclos reais) e
sobre a política econômica (por exemplo, a teoria das metas inflacionárias).
A "contabilidade do
crescimento" é um exercício de cálculo diferencial, onde se supõe que as
variáveis "trabalho" e "capital" são bem definidas e
independentes, condicionadas por uma função de produção que revela o limite superior
do PIB. Com a função de produção, bem educada, podemos calcular a contribuição,
na margem, de um aumento do fator "trabalho" e de um aumento do fator
"capital". Somados, eles informam o aumento do PIB que deveria
resultar desses dois aumentos.
Acontece que esses incrementos, quando
calculados empiricamente, são sempre muito menores do que o aumento empírico do
PIB. A "solução" foi atribuir a essa diferença o pomposo nome de
produtividade total dos fatores (o que falta para completar o aumento não
"explicado" do PIB).
Há dois fatos notáveis sobre essa
operação. Já nos anos 50 do século passado: 1) Herbert Simon mostrou que o
sucesso empírico da função de produção usada (Cobb-Douglas) é o resultado de
uma simples manipulação algébrica da identidade renda global = renda do
trabalho + renda do capital; e 2) Moses Abramovitz, mostrou que as variáveis
"trabalho" e "capital" estão longe de ser independentes e
que o "resíduo" (a produtividade total dos fatores, PTF) era um
"saco de caranguejos". Ele a chamou, com muita propriedade, de
"medida da nossa ignorância", pois "explicava" 80% de
variação do PIB, enquanto a soma dos "fatores" chegava a 20%.
Pois bem, nos últimos 60 anos fizemos
muito progresso no refinamento das definições do "trabalho", a ponto
de chamá-lo de "capital humano", e do "capital", mas
avançamos pouco na compreensão da PTF. O recente "survey" sobre o
assunto (Hsieh,C.T; Klenow,P.J. "Development Accounting", AEJ
Macroeconomics, 2, 2010), que analisa as "causas" das diferenças de crescimento
entre as nações, termina melancolicamente: "Aprendemos muita coisa nas
últimas décadas sobre os determinantes dessas diferenças. Ainda que importantes
questões não estejam resolvidas, particularmente o papel das diferenças do
capital humano, existe um grande consenso que estas dão conta entre 10 a 30%
delas; o capital físico talvez explique qualquer coisa como 10%. As diferenças
entre a produtividade total dos fatores contam a maior parte da história:
talvez entre 50 e 70%", praticamente o mesmo de 1950!
A verdade - continuam os autores - é
"que entendemos muito mal, porque as PTFs diferem. Sugerimos que um
aumento da PTF não tem um efeito apenas no crescimento do PIB, mas pode ter um
importante aumento indireto (previsto por Abramovitz em 1955) no capital físico
e humano pela redução do preço do capital e da educação com relação ao preço do
PIB... Finalmente, sugerimos que a má alocação de fatores entre firmas e
setores industriais pode ser um determinante importante das diferenças da PTF,
mas resta saber quais as forças que levam a essa má alocação".
Como é possível, no início de 2012, que
alguém ainda leve a sério a "previsão científica" apoiada numa função
Cobb-Douglas e numa PTF "inventada", que o produto potencial do
Brasil em 2012 é de 3,5%? E que qualquer "ameaça" da economia de superá-la
deve exigir o aumento da taxa de juros real?
Voltamos a insistir: 2012 não está
escrito nas estrelas! Ele será o que nós, governo e a sociedade, soubermos
fazer dele, se tivermos a coragem e a inteligência necessárias para enfrentar a
"má alocação" de nossos fatores (públicos e privados) e promover
políticas que aumentem, simultaneamente, a oferta e a demanda globais, como é o
caso, por exemplo, dos investimentos em infraestrutura que eliminem rapidamente
gargalos produtivos.
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