Neste início de semana, uma entrevista na FOLHA DE S. PAULO com um conhecido dos tempos que o Brasil seguia a cartilha do FMI.
O homem que na década de 80 cobrava
duramente que o Brasil honrasse suas dívidas e seguisse a cartilha do FMI
(Fundo Monetário Internacional) hoje cai de amores pelo país. Entremeia suas
frases com palavras em português, cita de cabeça dados macroeconômicos
brasileiros e exibe fotos com os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e
Lula.
Nos anos 80, William R. Rhodes ajudou a
renegociar a dívida externa brasileira, articulando o diálogo entre bancos,
organismos internacionais e governos. Ficou famoso pelo estilo persistente: ele
se recusava a deixar que os negociadores abandonassem a sala de reunião até que
chegassem a um consenso.
"Eu sabia bem que o prazo a que um
negociador se opunha vigorosamente se tornava, subitamente, mais palatável por
volta das 4h", escreve no livro "Banker to the World" (banqueiro
para o mundo), em que revela memórias e bastidores da renegociação das dívidas
latino-americanas, entre outros casos. A obra será lançada no meio deste ano no
Brasil.
Hoje, Rhodes afirma que os países em
crise na Europa "não quiseram aprender as lições" postas em prática
pelos latino-americanos nas décadas de 80 e 90: "Os europeus se achavam
diferentes".
Confira trechos da entrevista de Rhodes
à Folha, concedida no escritório que ele ocupa no prédio do Citibank, em Nova
York.
Folha - Na renegociação da dívida dos
países latino-americanos nos anos 80, o senhor agiu como um diplomata em nome
do sistema financeiro, apelando para que os países emergentes pagassem suas
dívidas. O sistema financeiro se desacreditou, e os países emergentes é que
fazem apelos aos ricos. O mundo se inverteu?
William R. Rhodes - Os europeus até
agora não quiseram aprender as lições que os países latino-americanos,
principalmente o Brasil, aprenderam nos anos 80 e no início dos 90. E isso é
verdade também para as lições da crise na Ásia em 1997 e 1998.
A lição é que você deve olhar para as
características de cada país, as causas, a cultura, a história e a política.
A segunda lição é sobre contágio, e os
europeus erraram ao subestimá-lo. Eles pensaram que os problemas estavam
isolados na Grécia, uma das menores economias da zona do euro, mas afetaram
Irlanda, Portugal, Espanha e Itália. Pena que não quiseram aprender as lições.
Lembro de participar de uma conferência
em junho do ano passado na Europa e transmitir aos presidentes de bancos
centrais as lições que o Brasil trouxe.
Eles disseram: somos diferentes, o
Brasil é um mercado emergente e nós somos europeus. Os mercados emergentes
aprenderam a corrigir seus gastos públicos e a fortalecer o sistema bancário.
No seu livro, o senhor diz que alguns
países adotaram medidas austeras demais para conter a crise dos anos 80, o que
puniu as populações locais. Que países tomaram essas medidas que o senhor
considera hoje austeras demais e quais foram essas medidas?
Algumas medidas podem ter sido duras
demais, mas veja o Brasil gerado por elas. O país viveu um período difícil com
a moratória, saiu dela, renegociou a dívida quando FHC era ministro da Fazenda
e imediatamente depois o Plano Real foi anunciado.
A economia foi estabilizada, a inflação
combatida e, a partir de então, o Brasil não parou mais de avançar. Levou tempo
e foi difícil de realizar, mas eu acho que o Brasil tomou as medidas certas. O
país teve sorte de ter tido líderes fortes nos níveis presidencial e
financeiro.
Os economistas brasileiros estão entre
os melhores do mundo, e essas são pessoas que deveriam estar dando conselhos
para os europeus. Mas os europeus não estão interessados em ouvir.
Outra coisa é que a população do país
deve estar convencida sobre os programas, que são sempre duros... no caso da
Grécia, isso não está claro. Uma das coisas que o FMI apontou, não sei se do
jeito certo, é que você tem que ter um plano que leve ao crescimento.
A única maneira de convencer as pessoas
sobre reformas para fortalecer as instituições e o sistema financeiro e medidas
para tornar a economia mais competitiva é mostrar que assim se consegue
crescimento.
O senhor acha que os planos dos anos 80
colocaram a ênfase devida no crescimento? E os planos na Europa hoje?
O Plano Brady [batizado com o sobrenome
do então secretário do Tesouro dos EUA, Nicholas Brady] focou o crescimento. E,
no período anterior, tentamos ganhar tempo para que os países fizessem as
reformas necessárias. Não está claro ainda o quanto os planos europeus hoje
focam o crescimento.
Você precisa de um equilíbrio entre a
necessidade de cortar gastos e de envolver o setor privado, que tem que ser
convencido a investir. E ele só investe se tiver confiança.
Os argumentos que apresentei em relação
a tempo, liderança, convencimento da população e combate ao contágio são os que
acho que os europeus deveriam observar e que foram os que aprendemos com a
crise da dívida da América Latina e da Ásia.
Qual foi a responsabilidade dos bancos
na crise de 2008 e 2009? E como avalia o resgate feito pelo governo americano?
O que aconteceu é que o Federal Reserve
se certificou de que os bancos tivessem suficientes liquidez e capital. Funcionou.
É o que tentamos dizer aos europeus: deveriam ter agido mais cedo, antes que a
crise ficasse tão séria. Eles escolheram não fazê-lo.
Você pode criticar a implementação [do
resgate nos EUA], mas foi a coisa certa a fazer. E os bancos pagaram o que
deviam ao governo. Aprendemos a tomar medidas regulatórias para evitar uma
crise na mesma intensidade da de 2007 e 2008. Todo mundo teve responsabilidade
nela: bancos, agências de risco, reguladores.
O senhor acha que o Banco Central
Europeu tem de comprar títulos da dívida dos governos, baixar os juros de
financiamento de Grécia, Portugal, Espanha e Itália e, assim, conter a crise
europeia?
Disse desde o começo que os europeus
estão cobrando muito desses países. Você não pode ter taxas de juros proibitivas.
Acho que eles erraram não estendendo as dívidas com juros menores.
Dei conselhos ao [George] Papandreou e
ele não me ouviu. Os gregos pensaram que eram diferentes. Eles precisam cortar
suas dívidas, precisam de prazos muito maiores e taxas de juros menores. 2012
marcará o quarto ano de encolhimento do PIB grego. E isso será duro.
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