domingo, 1 de janeiro de 2012

Dilma, ano 1.


Adequado editorial da FOLHA DE S. PAULO neste 1º dia de 2012. 

A administração se saiu bem em vários aspectos, mas falta arrojo para desatar nós que emperram a economia e elevar o padrão da educação.

Sucessora de um presidente que fez bom governo e deixou o cargo sob consagração popular, era natural que Dilma Rousseff pautasse sua estreia pela continuidade. Devia o cargo à indicação de Lula, de quem herdou até mesmo boa parte do ministério.

Um ano depois da posse, porém, é considerável o saldo de mudanças acumuladas. Prevalecendo-se da esmagadora maioria no Congresso (a oposição perfaz apenas 17,5% da Câmara) e da imensa soma de poderes à disposição do cargo, a presidente firmou autoridade própria.

Emancipou-se da sombra do antecessor, que tampouco pretendeu tutelá-la, assim como já repelira, em fins de seu segundo mandato, a tentação autoritária de aventurar-se por um terceiro. Alterações na conjuntura facilitaram essa transição.

O governo adotou uma política econômica mais restritiva no primeiro semestre, a fim de conter o surto inflacionário estimulado pela gastança de 2010, quando o país crescera 7,5%. O gasto público deve ter aumentado 3,5% em 2011, contra quase 9% no ano anterior.

Teve a agilidade de corrigir aquela política em meados do ano, passando a reduzir juros quando uma nova crise dentro da crise que afeta as nações desenvolvidas desde 2008, concentrada na Europa, já freava a economia mundial. O Brasil deve crescer cerca de 3% no ano que terminou ontem, ritmo razoável na conjuntura.

Fazenda e Banco Central atuam de forma mais harmônica que no passado, e a diretriz geral do governo se mostra mais pragmática e flexível, admitindo-se inflação de até 6,5%, estimada para 2011, em nome de manter taxas de crescimento compatíveis com as necessidades do país.

Uma saraivada de denúncias e indícios de conduta irregular derrubou seis dos sete ministros substituídos neste ano, num desenrolar que teve por inesperada consequência favorecer a presidente. Ao contrário do antecessor, Dilma Rousseff mostrou-se pouco complacente em face de "malfeitos" -conforme o eufemismo que celebrizou- atribuídos a auxiliares, os quais não teve problemas para dispensar, até porque pertenciam ao pesado legado alheio.

Embora deixasse intocada a origem do problema -partidos e oligarcas aliados do poder que desde sempre usam a máquina pública como fonte de vantagens e recursos-, a presidente granjeou fama de faxineira severa. Os escândalos deram moral ao Planalto para enquadrar uma base de apoio tão ampla quanto voraz.

Do ângulo administrativo, houve avanços num setor crítico, o dos gargalos na infraestrutura. Alguns dos principais aeroportos devem ser enfim concedidos à iniciativa privada, numa orientação a ser imitada noutras áreas carentes de investimento, como portos, ferrovias e rodovias. A construção das duas grandes usinas no rio Madeira segue em bom ritmo, e Belo Monte, no rio Xingu, outra obra necessária, deverá deslanchar.

No âmbito congressual, o governo prorrogou até 2015 a licença para dispor de 20% das receitas, obteve a flexibilização da Lei das Licitações e aprovou a regulamentação da emenda constitucional número 29, que dificulta a manipulação dos gastos estaduais destinados à saúde. Ameaças de rebelião parlamentar se esvaíram perante uma presidente apoiada por 48% da população e munida dos poderes de um mandato ainda fresco.

Um legítimo processo de negociação deverá redundar numa reforma do Código Florestal aceitável por ambientalistas e produtores. Entendimento semelhante permitiu a constituição da chamada Comissão da Verdade, com poderes para esclarecer o que resta elucidar sobre o confronto entre ditadura e guerrilha, especialmente nos anos críticos entre 1968 e 1974.

Em relação à política externa, uma discreta correção de rumos, aparentemente devida à deliberação presidencial, merece endosso. Aplica-se uma orientação mais universal no que se refere a direitos humanos e democracia, sem a seletividade oportunista que marcou a diplomacia do presidente Lula, além de expressa em linguagem menos estridente.

Se a administração se saiu bem nesses aspectos, decepcionou em outros.

Apesar da contenção tópica nas despesas correntes, nenhuma reforma estrutural nos grandes agregados do Orçamento, como dispêndios com previdência e funcionalismo, foi nem sequer esboçada. Somente com poupança pública será viável baixar o patamar de juros, incrementar o investimento e eventualmente reduzir a onerosa carga tributária.

O governo permanece atado ao manejo do cotidiano, tendência agravada pela inclinação centralizadora e detalhista da presidente. Seu comportamento pessoal sóbrio, parcimonioso nas manifestações, exigente com auxiliares e correligionários, não compensa a falta de planejamento de mais envergadura. Desatar os nós que ainda emperram o empreendimento econômico e elevar os padrões de educação pública, dois objetivos estratégicos, demandam muito mais arrojo do que sua gestão parece capaz.

Até março a presidente deve realizar reforma na equipe de governo, apta a conferir fisionomia própria à administração. Seria um sinal auspicioso caso convocasse nomes merecedores de respeito pela expressão e capacidade, reduzindo drasticamente o excessivo número de pastas e o demasiado peso da política fisiológica no governo.

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