Adequado editorial da FOLHA DE S. PAULO neste 1º dia de 2012.
A administração se saiu bem em vários
aspectos, mas falta arrojo para desatar nós que emperram a economia e elevar o
padrão da educação.
Sucessora de um presidente que fez bom
governo e deixou o cargo sob consagração popular, era natural que Dilma
Rousseff pautasse sua estreia pela continuidade. Devia o cargo à indicação de
Lula, de quem herdou até mesmo boa parte do ministério.
Um ano depois da posse, porém, é
considerável o saldo de mudanças acumuladas. Prevalecendo-se da esmagadora
maioria no Congresso (a oposição perfaz apenas 17,5% da Câmara) e da imensa
soma de poderes à disposição do cargo, a presidente firmou autoridade própria.
Emancipou-se da sombra do antecessor,
que tampouco pretendeu tutelá-la, assim como já repelira, em fins de seu
segundo mandato, a tentação autoritária de aventurar-se por um terceiro.
Alterações na conjuntura facilitaram essa transição.
O governo adotou uma política econômica
mais restritiva no primeiro semestre, a fim de conter o surto inflacionário
estimulado pela gastança de 2010, quando o país crescera 7,5%. O gasto público
deve ter aumentado 3,5% em 2011, contra quase 9% no ano anterior.
Teve a agilidade de corrigir aquela
política em meados do ano, passando a reduzir juros quando uma nova crise
dentro da crise que afeta as nações desenvolvidas desde 2008, concentrada na
Europa, já freava a economia mundial. O Brasil deve crescer cerca de 3% no ano
que terminou ontem, ritmo razoável na conjuntura.
Fazenda e Banco Central atuam de forma
mais harmônica que no passado, e a diretriz geral do governo se mostra mais
pragmática e flexível, admitindo-se inflação de até 6,5%, estimada para 2011,
em nome de manter taxas de crescimento compatíveis com as necessidades do país.
Uma saraivada de denúncias e indícios de
conduta irregular derrubou seis dos sete ministros substituídos neste ano, num
desenrolar que teve por inesperada consequência favorecer a presidente. Ao
contrário do antecessor, Dilma Rousseff mostrou-se pouco complacente em face de
"malfeitos" -conforme o eufemismo que celebrizou- atribuídos a
auxiliares, os quais não teve problemas para dispensar, até porque pertenciam
ao pesado legado alheio.
Embora deixasse intocada a origem do
problema -partidos e oligarcas aliados do poder que desde sempre usam a máquina
pública como fonte de vantagens e recursos-, a presidente granjeou fama de
faxineira severa. Os escândalos deram moral ao Planalto para enquadrar uma base
de apoio tão ampla quanto voraz.
Do ângulo administrativo, houve avanços
num setor crítico, o dos gargalos na infraestrutura. Alguns dos principais
aeroportos devem ser enfim concedidos à iniciativa privada, numa orientação a
ser imitada noutras áreas carentes de investimento, como portos, ferrovias e
rodovias. A construção das duas grandes usinas no rio Madeira segue em bom
ritmo, e Belo Monte, no rio Xingu, outra obra necessária, deverá deslanchar.
No âmbito congressual, o governo
prorrogou até 2015 a licença para dispor de 20% das receitas, obteve a
flexibilização da Lei das Licitações e aprovou a regulamentação da emenda
constitucional número 29, que dificulta a manipulação dos gastos estaduais
destinados à saúde. Ameaças de rebelião parlamentar se esvaíram perante uma
presidente apoiada por 48% da população e munida dos poderes de um mandato
ainda fresco.
Um legítimo processo de negociação
deverá redundar numa reforma do Código Florestal aceitável por ambientalistas e
produtores. Entendimento semelhante permitiu a constituição da chamada Comissão
da Verdade, com poderes para esclarecer o que resta elucidar sobre o confronto
entre ditadura e guerrilha, especialmente nos anos críticos entre 1968 e 1974.
Em relação à política externa, uma
discreta correção de rumos, aparentemente devida à deliberação presidencial,
merece endosso. Aplica-se uma orientação mais universal no que se refere a
direitos humanos e democracia, sem a seletividade oportunista que marcou a
diplomacia do presidente Lula, além de expressa em linguagem menos estridente.
Se a administração se saiu bem nesses
aspectos, decepcionou em outros.
Apesar da contenção tópica nas despesas
correntes, nenhuma reforma estrutural nos grandes agregados do Orçamento, como
dispêndios com previdência e funcionalismo, foi nem sequer esboçada. Somente
com poupança pública será viável baixar o patamar de juros, incrementar o
investimento e eventualmente reduzir a onerosa carga tributária.
O governo permanece atado ao manejo do
cotidiano, tendência agravada pela inclinação centralizadora e detalhista da
presidente. Seu comportamento pessoal sóbrio, parcimonioso nas manifestações,
exigente com auxiliares e correligionários, não compensa a falta de
planejamento de mais envergadura. Desatar os nós que ainda emperram o
empreendimento econômico e elevar os padrões de educação pública, dois
objetivos estratégicos, demandam muito mais arrojo do que sua gestão parece
capaz.
Até março a presidente deve realizar
reforma na equipe de governo, apta a conferir fisionomia própria à
administração. Seria um sinal auspicioso caso convocasse nomes merecedores de
respeito pela expressão e capacidade, reduzindo drasticamente o excessivo
número de pastas e o demasiado peso da política fisiológica no governo.
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