Gosto de ler os artigos do Luiz Carlos
Mendonça de Barros, principalmente estes com tom intimista, porém, como sempre,
bem econômicos.
Sempre que posso venho a Paris ainda no
inverno, quando a cidade está mais livre das multidões de turistas e o viajante
pode se sentir um pouco mais habitante desta cidade que realmente amo muito.
Meu espaço vital preferencial é sempre o
Quartier Latin e suas pequenas ruas com traços ainda de uma Paris que sei que
não existe mais. Longe de BlackBerries e iPads fica mais fácil -por incrível
que pareça ao meu leitor da Folha- seguir os acontecimentos políticos e
econômicos neste mundo em crise.
A internet e o dia a dia dos mercados
financeiros, com suas informações minuto a minuto, levam-nos na maioria das
vezes a análises superficiais e ditadas pela mídia na sua busca do imediato.
Nesta minha viagem fico restrito à
leitura dos jornais tradicionais-aqui em Paris eles estão em todos os milhares
de bancas de jornais espalhadas pela cidade-, sentado em uma mesa do Café de
Flore, meu favorito entre os que existem no velho Quartier.
Apesar de 24 horas atrasado em relação
aos mercados, a leitura de comentários e artigos sobre a crise europeia me
colocam à frente no entendimento dos reais desafios enfrentados pelo euro.
Afinal, Paris sempre foi um dos centros
mais importantes dessa região tão antiga e cheia de história que é a Europa e o
"estar presente nos acontecimentos" ajuda muito o analista em sua
busca.
O que tem escapado a muitos analistas é
a profundidade e o escopo da experiência da Europa unida vivida depois do
Tratado de Maastrich, que criou o euro. Esse foi apenas o último passo de uma
longa marcha, iniciada em 1950 com a criação do tratado sobre a indústria de
aço na Europa continental.
Com os traumas e sofrimentos trazidos
pela Segunda Guerra Mundial ainda vivos e presentes em várias sociedades, as
lideranças políticas de então iniciaram um ambicioso projeto político -e não
apenas econômico- para evitar um novo conflito armado. Com um senso de realismo
que faltou a Mitterrand e Kohl -os pais do euro-, começaram um projeto de
cooperação centrado nas grandes potências da Europa, que eram a França e a
Alemanha.
Foram pequenos passos na direção de uma
integração possível e sólida, valores que foram abandonados depois que a queda
do Muro de Berlim trouxe um sentimento de euforia e soberba aos líderes
políticos de então.
Por isso o que está hoje em jogo são 60
anos de caminhar juntos no objetivo de evitar um novo período de caos e
sofrimentos. E a grande maioria da opinião pública nos países envolvidos ainda
sabe disso e não quer voltar ao estágio anterior.
Essa é a questão que escapa aos mercados
e à mídia -principalmente na Inglaterra- quando pregam aos quatro ventos a
inevitabilidade do abandono do euro e a volta da dominância das realidades
nacionais no arranjo institucional no espaço europeu.
Isso não vai acontecer mesmo que o custo
de reconstruir um euro mais realista e funcional seja elevado e obrigue a um
esforço conjunto no espaço de dois ou três anos.
O que deve acontecer é uma volta atrás e
a busca de regras que incorporem o fato de que, apesar de unidas em um espaço
monetário comum, as nações ainda existem com seus valores culturais e
individuais.
E o desenho dessa retirada ordenada em
busca de uma união estável, mais realista, ainda não está pronto.
Não por outra razão, a primeira-ministra
alemã, em um discurso ontem no encontro de Davos, pediu a confiança dos
mercados para que esse novo desenho seja encontrado e implementado ao longo dos
próximos meses. Em seu realismo germânico, -corretamente- disse que não existe
a solução rápida e única exigida pelos mercados.
E a reação parece ter sido positiva,
pois as medidas de risco associadas aos títulos de dívida soberana dos países
mais afetados -Itália e Espanha principalmente- recuaram, apesar de a tragédia
grega ainda estar em seu auge.
Continuo a confiar que, desafiada pelo
fim de um sonho político real que esteve tão perto de ser alcançado, a
liderança política da Europa vá ter sucesso nessa sua busca.
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