Thomás Tosta de Sá é presidente do Instituto
Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec) e ex-presidente da Comissão de
Valores Mobiliários (CVM). Escreveu este artigo especialmente para o VALOR
ECONÔMICO.
Em recente artigo, o professor da Universidade de
Harvard, Kenneth Rogoff, um dos economistas mais reverenciados da atualidade,
lançou aos leitores a seguinte pergunta: "o moderno capitalismo é sustentável"?
Em busca da resposta, ele faz uma brilhante análise sobre os diversos momentos
do capitalismo a partir da Revolução Industrial e do desastre do marxismo e do
socialismo, surgidos justamente como alternativa ao capitalismo.
A conclusão resulta em novo questionamento:
"será o capitalismo uma vítima de seu próprio sucesso ao produzir
prosperidade maciça"? Por mais que a hipótese nos pareça remota e
contraditória, é importante levá-la em consideração. Enquanto a poluição, a
instabilidade financeira, as doenças e desigualdades continuarem a crescer e o
sistema político se mantiver paralisado, o futuro do capitalismo pode não se
apresentar tão seguro daqui a algumas décadas como parece agora.
O lucro gerado pelas empresas é a medida correta
do sucesso do capitalismo. Não é por outra razão que a palavra lucro foi - e
ainda é - odiada por seguidores do marxismo/socialismo em todo o mundo. Na
realidade, o lucro consiste na demonstração do uso eficaz dos fatores de
produção: capital humano, capital financeiro e recursos naturais. Quanto maior
a produtividade gerada pela associação de tais fatores de produção, maior o
lucro e mais sustentável o modelo capitalista.
As distorções que ocorrem no sistema capitalista
e que resultam nos problemas apontados por Rogoff são decorrentes da forma de
obtenção dos lucros e/ou da maneira como são distribuídos. Segunda maior
economia do mundo, a China caminha para desbancar os Estados Unidos dentro de
alguns anos. Seu modelo de capitalismo é particular, batizado de socialismo de
mercado, utilizando como base a análise feita por Peter Drucker, em 1975, no
livro "A revolução invisível". A China tem obtido taxas fantásticas
de crescimento com enorme sacrifício de dois fatores de produção: capital
humano e recursos naturais.
A oferta quase infinita de capital humano de suas
zonas rurais é movida pela migração de 20 milhões a 30 milhões de pessoas por
ano rumo aos centros urbanos. Essa parcela da população vive em regime de
semiescravidão, sujeita a um partido comunista altamente corrupto. A mão de
obra numerosa representa uma expressiva vantagem competitiva em relação às
outras economias do mundo.
Investindo na educação desse enorme contingente
humano e melhorando a sua remuneração, aumenta-se, consequentemente, a
produtividade, o que proporciona avanço em seu poder de consumo. Mais
consumidores fortalecem o mercado interno, tornando-o altamente competitivo.
Gradualmente, surge o maior exportador de produtos industrializados do planeta.
A China pratica ainda uma das políticas
ecológicas mais sujas do mundo. Não investe na proteção de seus recursos
naturais nem em sustentabilidade. Com o achatamento da remuneração do capital
humano e a ausência de gastos na qualidade de seu meio ambiente, as empresas
chinesas maximizam seus lucros, permitindo que o país obtenha as taxas mais
elevadas de formação bruta de capital, garantindo seu crescimento a níveis que
lhe assegurarão o posto de maior economia mundial.
Será esse modelo capitalista/socialista de
mercado que prevalecerá no futuro? Será essa a ameaça que as economias
capitalistas democráticas não saberão enfrentar? Será que a sociedade chinesa
sobreviverá a um modelo político autoritário praticando um capitalismo
"sujo", de sacrifício do capital humano e do ambiente? Da mesma forma
que as economias democráticas terão que buscar mudanças em seus modelos para
sobreviver, também a China terá que buscar outros caminhos.
Quando eu cursava engenharia na PUC, no início da
década de 60, o padre Ávila, professor de religião, falava muito do movimento
do Solidarnósc, que surgia na Polônia em oposição ao comunismo vigente.
Em família, um entre nove filhos, aprendi desde
pequeno que a solidariedade era a melhor forma de convivência. Acredito,
também, que o capitalismo solidário será a resposta correta à sustentabilidade
do desenvolvimento das nações.
Mas o que significa um capitalismo solidário? É
um capitalismo que se estrutura no aumento da produtividade dos fatores de
produção ao mesmo tempo que garante uma melhor distribuição dos lucros gerados
pelas empresas. O capital humano só aumentará sua produtividade se garantirmos
aos trabalhadores mais investimentos em educação, saúde, segurança, transporte
e habitação.
O capital financeiro só aumentará sua
produtividade se garantirmos eficácia na alocação de recursos por meio de
mercados de capitais desenvolvidos, no lugar de decisões centralizadas nas mãos
do governo e de suas instituições. Entendemos que o mau uso desses recursos
financeiros seja objeto de penalização de seus gestores, públicos ou privados.
Entendemos, também, que executivos de instituições financeiras não sejam
premiados com bônus milionários, como ocorreu recentemente nos Estados Unidos.
Da mesma forma, os recursos naturais só aumentarão sua produtividade se forem
explorados sem sua destruição e com sua renovação no que couber.
A maximização do lucro deve manter-se como medida
de sucesso dos investimentos realizados. Porém, precisamos buscar formas mais
justas de sua distribuição. O Brasil poderá ser um exemplo de capitalismo
solidário se sociedade e governo perseguirem juntos esse objetivo.
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