domingo, 1 de junho de 2014

FHC: O desmazelo fiscal.

Para reflexão o artigo dominical do ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso. 

O volume de empréstimos do Tesouro a bancos públicos aumentou cerca de vinte vezes desde 2007, passando de 0,5% para mais de 9% do PIB.

Alguns analistas repetem o refrão: vistos em conjunto os governos Itamar Franco/Fernando Henrique e Lula/Dilma serão percebidos no futuro como uma continuidade. Houve a estabilização da economia, as políticas sociais foram ativadas e, a democracia, mantida. Sim e não, digo eu.

É certo que, no primeiro mandato de Lula, as políticas macroeconômicas foram sustentadas pelo chamado “tripé” (Lei de Responsabilidade Fiscal, metas para a inflação e câmbio flutuante) e que a crise de 2008 foi razoavelmente bem manejada. Mas depois o governo lulista sentiu-se à vontade para levar adiante o sonho de alguns de seus membros.

A, então poderosa, ministra-chefe da Casa Civil se opôs desde logo aos economistas, inclusive do governo, que propunham limitar a expansão do gasto público ao crescimento do PIB. Na área fiscal, só fizemos piorar. Ao mesmo tempo, pouco se fez para sanear a máquina pública, infiltrada por militantes e operadores financeiros, e estancar a generalização do dá cá (apoio ao governo e votos), toma lá (nomeações para ministérios, empresas públicas e áreas administrativas).

O governo alardeia estar cumprindo as metas de superávit primário, quer dizer, o resultado das contas públicas antes do pagamento dos juros da dívida. Cumprir essas metas é essencial para assegurar a queda da dívida como proporção do PIB. Desde 2009, o governo vem se valendo de expedientes para “cumpri-las”, às vezes mediante fabricação de receitas por contabilidade criativa, como em 2012, ora com uso de receitas extraordinárias, como em 2014, quase sempre com o adiamento de despesas que vão engordando os chamados restos a pagar.

Afirma o governo que o superávit de 2014 será igual do ano anterior. Será? Custo a crer, pois o superávit de 2013 computou o resultado do leilão da concessão de exploração de petróleo no poço de Libra (R$ 15 bilhões) e a antecipação incentivada à Receita de R$ 22 bilhões devidos por empresas. Somados esses recursos geraram R$ 37 bilhões, ou 0,8% do PIB, quase a metade do superávit primário do ano passado (1,9%).

De onde virão as receitas extraordinárias em 2014? Fará o governo leilões do pré-sal usando a “amaldiçoada” lei anterior que não exige capitalização da Petrobras e antecipa maiores recursos ao Tesouro? Seria a suprema ironia.

A única certeza é a de que a expansão do gasto público é crescente: em janeiro do ano em curso (mês no qual em geral as despesas caem com relação a dezembro do ano anterior) houve uma expansão de R$ 4 bilhões. Ou seja, o que não foi pago em dezembro de 2013 será pago no ano em curso. Se tivesse sido pago, o superávit de 2013 teria sido de apenas 1%, dos quais 0,8% proveniente de receitas extraordinárias!

A tendência à expansão do gasto vem de longe. E se acentuou no governo de Dilma. Em 2013, a despesa atingiu 19% do PIB (era de 11% em 1990). O crescimento do gasto como proporção do PIB nesses últimos três anos foi mais de duas vezes superior ao observado em meu segundo governo, quando se instituiu o regime de metas de inflação e responsabilidade fiscal, com metas de superávit primário e controle do gasto público.

O governo atual alega que a dívida líquida não cresceu nesse período e que a dívida bruta, embora tenha aumentado, estaria sob controle. É fato que, como proporção do PIB, a dívida líquida não cresceu e que a bruta, em comparação com a de alguns países desenvolvidos, aparentemente não deveria nos preocupar. Seria verdade, não fosse pelo “detalhe” de que o custo da nossa dívida é muito maior.

Basta um exemplo: no ano passado, com uma dívida bruta de 66% (segundo o FMI) ou um pouco menos de 60% (segundo o governo), o Brasil gastou 5,2% do PIB com juros da dívida. Já a arruinada Grécia, com uma dívida bruta de mais de 170% do PIB, gastou 4%!

O não crescimento da dívida líquida se deve, em boa medida, mais uma vez, a um truque fiscal. Ele consiste em fazer o Tesouro tomar dinheiro emprestado no mercado, mais de R$ 300 bilhões desde 2009, e repassar o dinheiro ao BNDES. Na contabilidade da dívida líquida, uma operação anula a outra, pois a dívida contraída com o setor privado pelo Tesouro se transforma em crédito do mesmo Tesouro contra o BNDES, que é 100% controlado pelo governo.

Ocorre que os juros que incidem sobre a dívida contraída com o mercado são muito mais altos do que os juros cobrados pelos empréstimos do BNDES, para não falar no risco de parte desses empréstimos não ser paga jamais. O Tesouro deveria compensar o BNDES por esta benevolência, mas não o vem fazendo. Ao final de 2013, já eram R$ 17 bilhões devidos pelo Tesouro ao BNDES para equalizar a diferença nas taxas de juros.

Os empréstimos do Tesouro ao BNDES não são um caso isolado. Dados do economista Mansueto Almeida mostram que o volume de empréstimos do Tesouro a bancos públicos aumentou cerca de vinte vezes desde 2007, passando de 0,5%, para mais de 9% do PIB! Vamos, de truque em truque, em marcha firme para a produção do que, no passado, chamávamos de “esqueletos” ou dívidas não reconhecidas.

Tudo isso foi feito com a justificativa de que era necessário para estimular a economia. Porém, em lugar de mais investimento e mais crescimento, colhemos apenas mais inflação e maior fragilidade fiscal.

Como o lulopetismo sabe que é difícil enganar sempre, tenta agora desacreditar os adversários. Alardeia que diante desse quadro, se o PSDB e as oposições ganharem, vão tratar os consumidores e o povo a pão e água. Puro desvario. O controle sobre o desarranjo fiscal e a inflação não precisa recair sobre o povo.

As bolsas consomem apenas 0,5% do PIB. Fizemos a estabilização da moeda, controlamos gastos do governo e, ao mesmo tempo, aumentamos o salário mínimo, realizamos a reforma agrária, universalizamos o ensino fundamental, fortalecemos o SUS e introduzimos programas de combate à pobreza.

Está na hora de pôr ordem na casa, e o governo nas mãos de quem sabe governar. 


quarta-feira, 28 de maio de 2014

Thomas Piketty e Delfim Netto novamente na FOLHA.

Antonio Delfim Netto e o seu artigo de hoje na FOLHA DE S. PAULO: DESIGUALDADE.

Folha presta um excelente serviço à sociedade brasileira ao continuar dando espaço à interessante discussão em torno do livro do economista francês Thomas Piketty, "O Capital no Século 21".

Foi imenso o "choque" que a obra produziu após o lançamento de sua tradução em inglês. Olhada com cuidado, a sua tese está longe de provar empiricamente o inevitável fim do "capitalismo", imposto por alguma "lei" histórica (o que Marx pensou ter feito com o uso de argumentos lógicos).

Reduzida à sua essência, ela é o resultado de pura aritmética: se a taxa de retorno do capital (que ele, como a maioria dos economistas em seus modelos chama de "r") for permanentemente maior do que a taxa de crescimento do PIB (que ele, como os economistas, chama de "g"), então haverá, necessariamente, uma acumulação de renda e patrimônio que, ao fim e ao cabo, submeterá a democracia ao controle do capital e tornará o "capitalismo" disfuncional.

O problema não é econômico, é político! Não tem nada a ver com "esquerda" ou "direita". Instituições mal construídas permitem que uma classe se aproprie do excedente econômico produzido pelo trabalho, como ocorria no regime colonial e ocorre no capitalismo de "compadres"...

O problema é que "g" e "r" não são constantes e não satisfazem, necessariamente, a desigualdade: "r" sempre maior do que "g". Dependem da qualidade das instituições e, portanto, são de extrapolação duvidosa. A relação entre eles controla aritmeticamente, no longo prazo, a distribuição da renda entre o trabalho e o capital e a acumulação dos patrimônios. São as instituições e o jogo dialético permanente entre o bom funcionamento dos "mercados" e o bom funcionamento das "urnas" que determinam a relação entre "g" e "r".

O livro de Piketty já produziu dois resultados notáveis. O primeiro, muito triste para nós que amamos a França. Infelizmente, o francês transformou-se numa língua paroquial em matéria de economia, para prejuízo do próprio pensamento econômico universal. O livro só teve a merecida repercussão quando vertido para o inglês.

O segundo, é que mostra a insanidade do "cientificismo" que domina a pobre modelização de alguns economistas que têm inveja da física e se recusam entender que o átomo da economia (o cidadão comum, sujeito da política do governo) tem memória, aprende e reage num jogo dinâmico com a autoridade. E, o que é pior e mais grave, protesta e vota!

A distribuição da renda sempre implicará uma valorização filosófica. Como ensinou Adam Smith há mais de 250 anos ("A Teoria dos Sentimentos Morais", 1759), se a economia for um dia "ciência", ela há de ser uma ciência moral.

terça-feira, 13 de maio de 2014

Thomas Piketty: Um admirador crítico do capitalismo

Direto do The New York Times, leio na Folha mais uma matéria sobre o Thomas Piketty e o seu livro, atual sucesso mundial.

PARIS - Quando o Muro de Berlim caiu, em 1989, Thomas Piketty tinha 18 anos, o que o poupou do debate intelectual sobre as virtudes e os vícios do comunismo, que durou décadas na França.

Segundo ele, mais reveladora foi a viagem que fez com um amigo à Romênia no início dos anos 1990, após a queda da União Soviética.

"Quando vi aquelas lojas vazias, aquelas pessoas fazendo fila inutilmente na rua, ficou claro que nós precisamos de propriedade privada e instituições de mercado, não só por uma questão de eficiência econômica, mas também pela liberdade individual."

Mas o desencanto com o comunismo não significa que Piketty deu as costas para o legado intelectual de Karl Marx.

Como o alemão, ele é um crítico ferrenho das desigualdades econômicas e sociais produzidas pelo capitalismo desenfreado -as quais, para ele, se agravarão. "Sou de uma geração que jamais teve atração pelo Partido Comunista. De certa maneira, isso facilita retomar com frescor essas grandes questões sobre capitalismo e desigualdade."

Em seu novo livro de 700 páginas, "Capital in the Twenty-First Century" [O Capital no Século 21], Piketty, 42, desmonta teses sobre a benevolência do capitalismo e prevê desigualdade crescente em países industrializados, com impacto sobre valores democráticos como justiça e equidade.

O livro, que está na lista dos mais vendidos do "New York Times", pretende ser um retorno ao tipo de história econômica e economia política escrito no passado por Marx e Adam Smith.

A obra se empenha em compreender sociedades ocidentais e as regras econômicas que as sustentam. E em seu decorrer, ao desmascarar a ideia de que "a riqueza ergue todos os barcos", Piketty desafia governos democráticos a lidarem com o abismo crescente entre ricos e pobres.

Piketty cresceu em um lar impregnado de política. Seus pais, esquerdistas, participaram das manifestações em 1968 que sacudiram a França tradicional.

Mais relevantes e importantes, disse ele, são as "experiências fundamentais" de sua geração: o colapso do comunismo, a degradação do Leste Europeu e a Guerra do Golfo. Tais eventos o incitaram a tentar entender um mundo no qual ideias econômicas tinham consequências tão nefastas.

Piketty entrou na elitista École Normale Supérieure aos 18 anos. Sua dissertação de doutorado sobre a teoria da redistribuição da riqueza, concluída quando ele tinha 22 anos, ganhou prêmios.

Então ele se mudou para os Estados Unidos, para lecionar no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), mas se decepcionou com o estudo de economia americano e voltou para a França.

"Percebi rapidamente que havia pouco empenho para coletar dados históricos sobre renda e riqueza, então comecei a fazê-lo".

Com a ajuda dos potentes computadores atuais, suas conclusões se baseiam em séculos de estatísticas sobre o acúmulo de riqueza e o crescimento econômico em países industriais desenvolvidos.

Elas também são enunciadas de maneira simples: a taxa de crescimento da renda do capital é várias vezes maior que o ritmo do crescimento econômico.

Isso significa que uma parcela comparativamente decrescente vá para a renda ganha com salários, os quais raramente aumentam mais rápido que a atividade econômica.

A desigualdade aumenta quando a população e a economia crescem lentamente.

A desigualdade em si é aceitável, diz ele, à medida que incita a iniciativa individual e a geração de riqueza que, com a ajuda da taxação progressiva e outras medidas, ajuda a melhorar a situação de todos na sociedade.

"Não vejo problema na desigualdade, desde que ela seja de interesse comum", afirmou.

Porém, Piketty diz que a desigualdade extrema "ameaça nossas instituições democráticas". A democracia não significa apenas cada cidadão um voto, mas a promessa de oportunidades iguais.

A última parte do livro apresenta as ideias de Piketty sobre políticas públicas. Ele defende uma taxação global progressiva sobre a riqueza real (menos dívida), com os resultados decorrentes não entregues a governos ineficientes, mas redistribuídos para os que têm menos capital.


O livro tem despertado críticas, especialmente às prescrições políticas de Piketty, consideradas ingênuas. Ele recebe bem as críticas. "Certamente estou aguardando ansiosamente os debates."

domingo, 4 de maio de 2014

Gary Becker died.

Becker, 83, University Professor of Economics and of Sociology at the University of Chicago, died on May 3 after a long illness. He won the Nobel Memorial Prize in Economic Sciences in 1992 “for having extended the domain of microeconomic analysis to a wide range of human behavior and interaction, including non-market behavior.”  - See more at: http://news.uchicago.edu/article/2014/05/04/gary-s-becker-nobel-winning-scholar-economics-and-sociology-1930-2014#sthash.YA3VLLWM.dpuf

FHC: A que ponto chegamos!

Para reflexão neste domingo o artigo quinzenal do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. 

Eu, como boa parte dos leitores de jornal, nem aguento mais ler as notícias que entremeiam política com corrupção. É um sem-fim de escândalos. Algumas vezes, mesmo sem que haja indícios firmes, os nomes dos políticos aparecem enlameados. Pior, de tantos casos com provas veementes de envolvimento em “malfeitos”, basta citar alguém para que o leitor se convença de imediato de sua culpabilidade. A sociedade já não tem mais dúvidas: se há fumaça, há fogo.

Não escrevo isso para negar responsabilidade de alguém especificamente, nem muito menos para amenizar eventuais culpas dos que se envolveram em escândalos, nem tampouco para desacreditar de antemão as denúncias.

Os escândalos jorram em abundância, não dá para tapar o sol com a peneira. O da Petrobras é o mais simbólico, dado o apreço que todos temos pelo que a companhia fez para o Brasil. Escrevo porque os escândalos que vêm aparecendo numa onda crescente são sintomas de algo mais grave: é o próprio sistema político atual que está em causa, notadamente suas práticas eleitorais e partidárias.

Nenhum governo pode funcionar na normalidade quando atado a um sistema político que permitiu a criação de mais de 30 partidos, dos quais 20 e poucos com assento no Congresso.

A criação, pelo governo atual, de 39 ministérios para atender as demandas dos partidos é prova disso e, ao mesmo tempo, é garantia de insucesso administrativo e da conivência com práticas de corrupção, apesar da resistência a essas práticas por alguns membros do governo.

Não quero atirar a primeira pedra, mesmo porque muitas já foram lançadas. Não é de hoje que as coisas funcionam dessa maneira. Mas a contaminação da vida político-administrativa foi se agravando até chegarmos ao ponto a que chegamos.

Se, no passado, nosso sistema de governo foi chamado de “presidencialismo de coalizão”, agora ele é apenas um “presidencialismo de cooptação”. Eu nunca entendi a razão pela qual o governo Lula fez questão de formar uma maioria tão grande e pagou o preço do mensalão. Ou melhor, posso entendê-la: é porque o PT tem vocação de hegemonia. Não vê a política como um jogo de diversidade no qual as maiorias se compõem para fins específicos, mas sem a pretensão de absorver a vida política nacional sob um comando centralizado.

Meu próprio governo precisou formar maiorias. Mas havia um objetivo político claro: precisávamos de três quintos da Câmara e do Senado para aprovar reformas constitucionais necessárias à modernização do país.

Ora, os governos que me sucederam não reformaram nada nem precisaram de tal maioria para aprovar emendas constitucionais. Deixaram-se levar pela dinâmica dos interesses partidários. Não só do partido hegemônico no governo, o PT, nem dos maiores, como o PMDB, mas de qualquer agregação de 20, 30 ou 40 parlamentares, às vezes menos, que, para participar da “base de apoio”, organizam-se numa sigla e pleiteiam participação no governo: um ministério, se possível; se não, uma diretoria de empresa estatal ou uma repartição pública importante. Daí serem precisos 39 ministérios para dar cabida a tantos aderentes. No México do PRI, dizia-se que fora do orçamento não havia salvação...

A raiz desse sistema se encontra nas regras eleitorais que levam os partidos a apresentarem uma lista enorme de candidatos em cada estado, para, nelas, o eleitor escolher seu preferido, sem saber bem quem são ou que significado político-partidário têm. Logo depois, nem se lembra em quem votou. A isso se acrescenta a liberalidade de nossa Constituição, que assegura ampla liberdade para a formação de partidos.

Por isso, não se podem obter melhorias nessas regras por intermédio da legislação ordinária. Algumas dessas melhorias foram aprovadas pelos parlamentares. Por exemplo, a exigência de uma proporção mínima de votos em certo número de estados para a autorização do funcionamento dos partidos no Congresso.

Ou a proibição de coligações nas eleições proporcionais, por meio das quais se elegem deputados de um partido coligado aproveitando a sobra de votos de outro partido. Ambas foram recusadas, por inconstitucionais, pelo Supremo Tribunal Federal.

Com o número absurdo de partidos (a maior parte deles meras siglas sem programa, organização ou militância), forma-se, a cada eleição, uma colcha de retalhos no Congresso, em que mesmo os maiores partidos não têm mais do que um pedaço pequeno da representação total.

Até a segunda eleição de Lula, os presidentes se elegiam apoiados em uma coalizão de partidos e logo tinham de ampliá-la para ter a maioria no Congresso.

De lá para cá, a coalizão eleitoral passou a assegurar maioria parlamentar. Mas, por vocação do PT à hegemonia, o sistema degenerou no que chamo de “presidencialismo de cooptação”. E deu no que deu: um festival de incoerências políticas e portas abertas à cumplicidade diante da corrupção.

Mudar o sistema atual é uma responsabilidade coletiva. Repito o que disse, em outra oportunidade, a todos os que exerceram ou exercem a Presidência: por que não assumimos nossas responsabilidades, por mais diversa que tenha sido nossa parcela individual no processo que nos levou a tal situação, e nos propomos a fazer conjuntamente o que nossos partidos, por suas impossibilidades e por seus interesses, não querem fazer: mudar o sistema? Sei que se trata de um grito um tanto ingênuo, pedir grandeza. A visão de curto prazo encolhe o horizonte para o hoje e deixa o amanhã distante. Ainda assim, sem um pouco de quixotismo, nada muda.


Se, de fato, queremos sair do lodaçal que afoga a política e conservar a democracia que tanto custou ao povo conquistar, vamos esperar que uma crise maior destrua a crença em tudo e a mudança seja feita não pelo consenso democrático, mas pela vontade férrea de algum salvador da pátria?

Thomas Piketty e Elio Gaspari - O capital no século 21.

Leio hoje na FOLHA o comentário de Elio Gaspari sobre o livro "Capital" do Thomas Piketty, atual destaque no mundo da Economia.

Amanhã o Metropolitan Museum de Nova York abre a escadaria para o baile anual do seu instituto de moda. A entrada custa US$ 25 mil, e o freguês terá passado pela seleção de Anna Wintour, a bruxa do filme "O Diabo Veste Prada", diretora da revista "Vogue", czarina da moda e princesa do mundo das celebridades. O "Met Gala" é o tapete vermelho mais bonito, rico e exclusivo do mundo. Quem não tiver a graça de pisá-lo poderá ir para um bar discutir o livro "Capital", do professor francês Thomas Piketty. Por caminhos diferentes, estará no mesmo mundo.

Piketty escreve com a elegância com que a atriz Gwyneth Paltrow se veste. Montado num banco de dados rico como a vitrine da joalheria Cartier, o professor é claro: o mundo entrou num período de concentração da renda. As pessoas e os países ricos ficarão mais ricos. Para as nações emergentes, inclusive o Brasil, fica a suspeita que crescerão a taxas menores. 

Nos Estados Unidos, essa época de ostentação da riqueza é comparada à "Gilded Age", que foi do fim do século 19 ao início do 20. A expressão designava uma abastança exuberante, porém superficial. Piketty não a usa, fala mais na "Belle Époque" francesa. A diferença está no fato de que uma teve o escritor Marcel Proust, e a outra, bilionários vulgares, cuja ideia de refinamento levava-os a copiar castelos e casar as filhas com nobres europeus quase sempre falidos, jamais monógamos, talvez heterossexuais. (Só na cesta dos duques, compraram 22.)

Durante a festa do século 19 também pontificava um jornalista. Ele organizava o baile anual de Caroline Astor e dizia que a elite de Nova York tinha 400 pessoas, o número de convidados que cabiam no salão da milionária. Na lista de La Wintour, entram 700 convidados. Ela é uma jornalista cuja determinação, instinto estético e visão comercial deveriam ser matéria de estudo para quem entra nesse ramo da profissão. (O teste de que uma pessoa é desprovida do sentimento da inveja está em admirá-la.) Wintour perfilhou o instituto de moda do Metropolitan, para quem vai o dinheiro dos ingressos. A partir de amanhã a nova ala de roupas do museu levará seu nome. Será inaugurada por Michelle Obama.

O baile de Piketty tem a harmonia de uma valsa. No início do século 20 os 1% que estavam no andar de cima ficavam com 20% da renda dos Estados Unidos e da Inglaterra. Até 1980 essa riqueza encolheu à metade, mas, a partir daí, voltou a crescer e retornou ao ponto inicial. A queda deveu-se a políticas sociais? Não, foram as duas guerras. Os bilionários de hoje seriam diferentes, afinal, Bill Gates fez a Microsoft. Tudo bem, mas a francesa Liliane Bethencourt (L'Oreal) tem US$ 25 bilhões e nunca trabalhou na vida. Herdou. Entre 1990 e 2010 as fortunas de ambos cresceram 13% ao ano, apesar de Bill Gates já ter parado de trabalhar.

O "Capital" é um monumento de pesquisa e elegância. Piketty trabalhou com acervos estatísticos jamais estudados, e reconhece que isso só foi possível porque apareceu o computador. Obsessivo, mergulhou até nas listas de bilionários das revistas de negócios, mesmo ressalvando que têm pouco valor científico. (Os brasileiros que compraram ações de Eike Batista sabem que é isso mesmo.) Se os números dos bilionários da "Forbes" merecem pouca fé, as carteiras de investimentos das universidades americanas merecem toda. Os patrimônios mobiliários daquelas que têm fundos com mais de um bilhão de dólares cresceram 8,8% ao ano entre 1980 e 2010. Já as pobrezinhas, com menos de 100 milhões, ficaram com 6,1% ao ano. Harvard, com US$ 30 bilhões, teve rendimentos de 10,1% anuais. (As reservas da Universidade de São Paulo encolheram.)


Quando Caroline Astor dava seu baile, o andar de cima sustentava que assim era a vida e o de baixo lotava as ruas para ver a passagem dos magnatas. A partir de amanhã o mundo poderá ver na rede imagens do baile de Anna Wintour. Retratará uma época. O "Capital no Século 21" também está na rede, em inglês, por enquanto. Sai por US$ 21,99.

quinta-feira, 1 de maio de 2014

1º de Maio de 2014.

Uma mudança de quase 3.000 km de uma região imensamente úmida e chuvosa o ano inteiro para outra com clima seco e onde se alternam as quatro estações em um único dia é uma tarefa complexa. 

Por isso, ainda não foi possível manter este ambiente econômico atualizado, divulgando sempre a Economia para os meus ainda, espero, dois fiéis leitores.


Hoje, neste feriado do Dia do Trabalho, reafirmo meu compromisso com a manutenção deste espaço, mesmo com a redução do meu tempo de dormir. Afinal, "there is no free lunch". 

E 2014 promete: muito futebol e pouco crescimento econômico, por exemplo. E que o tempo seja realmente o senhor da razão.

quarta-feira, 30 de abril de 2014

Capitalismo.

Leio hoje na FOLHA artigo do Professor Delfim Netto elogiando a mais nova sensação do mundo econômico nos últimos dias: o livro do Thomas Piketty. 

A Folha prestou mais um grande serviço traduzindo e publicando na semana passada (26/4) longa e excelente resenha assinada por um competente provocador, o economista Paul Krugman, de um livro destinado a ser um clássico. Trata-se de "Le Capital au XXIe Siècle" (o capital no século 21), de Thomas Piketty, agora traduzido para o inglês. Krugman acredita que ele vai mudar duas coisas: como pensamos a sociedade e como fazemos teoria econômica.

Piketty está nos EUA, numa espécie de "road show" de seu livro, em que expõe a indecente e quase inacreditável concentração da renda e da riqueza do 1% (e do 0,1%) dos americanos mais ricos. Num auditório lotado, foi sabatinado e aplaudido por dois Prêmios Nobel: Joseph Stiglitz e o próprio Krugman. Como de costume, a esquerda apressada viu nisso o espectro de Marx, e a direita retardada, apenas o resultado do mérito!

Os números de Piketty sugerem que o "capitalismo competitivo" está dando lugar a um "capitalismo patrimonialista". É importante insistir que ele rejeita toda grande história com suas leis determinísticas. A concentração da renda é, basicamente, resultado de decisões do sistema político. Em palavras que não são de Piketty, o processo civilizatório depende de um jogo paciente e dialético entre duas instituições fundamentais: a urna (em que cada cidadão tem apenas o seu voto) e o mercado (no qual cada cidadão tem votos proporcionais à sua riqueza), que exige que elas sejam independentes entre si, o que não é um problema trivial. Se o mercado se apropria da urna, o processo civilizatório entra em estagnação ou em regressão. Se a urna se apropria do mercado, temos o populismo, que termina no autoritarismo.

Nos EUA, Piketty afirmou: "Acredito na propriedade privada, mas o capitalismo e o mercado devem ser escravos da democracia, e não o oposto". Ao contrário do que pensam alguns economistas, o amadurecimento do capitalismo não leva, necessariamente, à maior igualdade ou à maior liberdade de iniciativa, duas componentes essenciais do processo civilizatório.

Não é trivial porque o controle político tem, por natureza, de procurar sua perpetuação e reprodução. Estamos diante de um problema que só pode ser resolvido por uma profunda reforma institucional. Por exemplo, o Senado, que é mais facilmente capturado pelo "mercado", deve ter apenas o poder revisor para equilibrar a Federação. O senador não deve ter iniciativa legislativa e, muito menos, suplente. E o deputado deve ser escolhido por uma forma de eleição distrital, para que o custo de campanha seja muito menor e visível aos eleitores.


Esperemos que alguma editora enfrente a tarefa de traduzir e publicar o livro de Piketty.

sábado, 5 de abril de 2014

A revisão histórica de Delfim Netto.

Como é bom quem fez História, manifestar a sua opinião muitos anos depois. E o que leio hoje no portal UOL na entrevista com o mestre Delfim Neto. 

Folha - Na sua opinião, o que levou ao golpe de 1964?
Antonio Delfim Neto - O Brasil estava uma balbúrdia tão grande que era claro que alguma coisa ia acontecer. Havia uma desorganização total, passeatas na rua, mentiras de toda a natureza, boatos. O Jango abandonou o governo. Essa é que é a verdade. Não foi uma surpresa o que aconteceu. As instituições todas estavam ameaçadas, sob enorme risco. Nem sei se o risco era verdadeiro ou não, é que o governo era uma balbúrdia.

Onde o senhor estava no dia 31/03/64?
Eu estava indo para a escola [Faculdade de Economia da USP] de manhã. Estávamos vivendo um momento muito difícil, uma agonia completa, uma desorganização muito grande, mas eu fiquei surpreendido. Você não sabia o que ia acontecer.

E depois do golpe?
As coisas ficaram normais. Foi cassado o Adhemar [de Barros, governador de São Paulo]. E o Laudo Natel, o vice-governador que foi empossado, me convidou para ser secretário da Fazenda. Eu gostei e fiquei. Isso foi em 1966. Fiquei até março de 1967, quando recebi uma carta do presidente Costa e Silva me convidando para ser ministro.
Eu tinha conhecido o presidente Costa e Silva. Ele estava se preparando para assumir e estava ouvindo algumas pessoas e pediu para o [Rui] Gomes de Almeida (ex-presidente da Associação Comercial do Rio) um nome para falar sobre agricultura no Brasil.
Naquele tempo, agricultura era café. E como eu tinha um trabalho sobre café, ele indicou meu nome. Fui lá, fiz uma palestra para ele numa manhã. Terminou, fui embora e nunca mais conversamos.

Qual foi sua reação quando recebeu o convite?
Aceitar. Nós tínhamos trabalhado toda a vida na universidade sobre desenvolvimento econômico. Então eu aceitei.

Havia algum tipo de condição?
Nenhum. No dia seguinte à carta, fui fazer uma visita para agradecer.

E qual era a situação econômica da época?
A situação econômica estava caminhando. O trabalho do [Otávio Gouveia de] Bulhões (ex-ministro da Fazenda) e do [Roberto] Campos (ex-ministro do Planejamento) foi muito bom. Fizeram um trabalho muito bom de arrumação. Criaram o mecanismo de correção monetária, o FGTS, o BNH. Você tinha na verdade uma grande modernização da economia. Mas tinha grandes problemas também. O comércio exterior era um problema sério.

Eles também criaram incentivos para a exportação?
Não. Tinha um sistema de cambio fixo, muito inconveniente porque à medida que você tem inflação, seu câmbio real vai caindo. Quando em 68, nós introduzimos o "crawling peg", era um sistema cambial em que você corrigia o câmbio praticamente toda semana, usando uma regra que era a diferença entre a inflação americana e a inflação brasileira. Isso deu um grande estímulo ao setor exportador.
O programa que apresentei para o presidente Costa e Silva era de que nós iríamos fazer crescer a participação de outros produtos, de forma que café não fosse mais câmbio.
Em 1966, 1967, café era câmbio. Essa era uma frase do velho [Eugênio] Gudin (ex-ministro da Fazenda) e é verdade. Cerca de 60%, 70% da receita cambial era café.
De forma que você passou praticamente 10 anos não cobrando nenhum imposto sobre a exportação. O que é o correto porque o imposto tem de ser cobrado no destino.

Por que vocês reverteram a decisão do governo Castelo de dar independência ao Banco Central?
Você estava com uma recessão profunda, um desemprego terrível e o Banco Central insistia em fazer uma política econômica restritiva com o seguinte objetivo: mudar a expectativa inflacionária. Tudo isso estava certo. Só que o custo disso era uma barbaridade. Então foi isso que acabou com a tal independência do Banco Central.
Só que foi uma boa coisa. O Banco Central não tem de ser independente, tem de ser autônomo, tem de prestar conta à autoridade que a urna elegeu, ou que está no poder. Tem de receber uma missão e cumprir com autonomia.
Tanto é verdade que mudou a política e de um crescimento negativo, de quase zero, você teve uma expansão enorme.

A que o senhor atribui o chamado milagre econômico?
Nunca houve milagre. Milagre é efeito sem causa. O crescimento do Brasil naquele período foi consequência do trabalho dos brasileiros, basicamente da grande arrumação que houve no setor econômico, produzido no governo Castelo Branco.
Você teve uma enorme arrumação das finanças públicas, você teve uma redução da taxa de inflação. O Brasil estava falido, essa é que é a verdade. De forma que você criou uma base para que os brasileiros pudessem trabalhar muito mais ativamente.

A nova política do Costa e Silva cumpriu a função de ganhar credibilidade em um momento em que a oposição ao regime tinha sido muito forte?
A credibilidade foi ganha. Você ganha credibilidade quando você cumpre a palavra que você dá. Então, os empresários sabiam que o que tinha sido prometido ia acontecer.

E o aumento da concentração de renda incomodava?
A distribuição de renda incomoda porque, no fundo, o homem tem alguns desejos, alguns valores que são fundamentais. Um deles é a liberdade de iniciativa. A segunda é que ele quer uma relativa igualdade. E a terceira é que uma sociedade razoável precisa ter igualdade de oportunidades. O que significa que todos têm de partir do mesmo ponto em uma sociedade competitiva. Isso significa, no fundo, educação e saúde, universais e gratuitas, que é o que está na Constituição na verdade.
Então, a desigualdade, ela incomoda. Como você não podia atacar outra coisa, o processo político transformou a desigualdade numa coisa muito mais significativa porque todos estavam melhorando. Todos melhoraram, só que uns melhoraram mais do que os outros e a distância entre nós estava crescendo. O que não é uma coisa agradável.

Havia uma cobrança nesse sentido?
Ah sim, o que se poderia fazer era aumentar enormemente a oferta de gente que tinha o beneficio da educação, principalmente os de universidade. E isso foi feito. Você teve um aumento dramático de vagas nas universidades. Mas isso não produz efeito instantâneo.

Por outro lado o ensino básico foi deixado de lado?
O ensino básico foi deixado de lado. Acho que aí houve um erro. Na verdade, acho que, desde o Império, nós deixamos o ensino básico na mão da prefeitura. Isso foi um erro mortal. As prefeituras nunca se comoveram com o ensino básico.
Houve um grande esforço de alfabetização com o Mobral, que o Mário Henrique Simonsen dirigia. Mas a gente descobriu depois que o alfabetizado virava analfabeto tão logo terminava o curso de alfabetização. Como ele não lia coisa nenhuma, só ouvia rádio, seis meses depois ele era incapaz de ler de novo.

Há críticas de que quando o senhor deixou o governo Costa e Silva já se acumulavam desequilíbrios, como pressões inflacionárias. Quais foram os fatores que levaram o país a quebrar após os choques do petróleo?
Em 1972, eu estava em Roma numa reunião do Fundo (Fundo Monetário Internacional). E o Giscard D´Estaing que era o ministro de finanças da França, tinha ficado muito amigo do Brasil. E ele me disse: olha Delfim, os árabes estão preparando um cartel. Eles vão elevar o preço do petróleo a US$ 6. Nós pagávamos US$ 1,20 o barril.
Quando voltei para o Brasil, comuniquei isso ao presidente, o presidente convocou uma reunião. Nossa proposta, minha e do [Antonio] Dias Leite (ex-ministro de energia) era: vamos abrir a exploração de petróleo. Vamos fazer contrato de exploração de petróleo com empresas privadas, que era para acelerar o processo.
O Geisel se opôs dramaticamente. Quem quebrou o Brasil foi o Geisel. O Geisel era o presidente da Petrobras. A Petrobras passou 20 anos produzindo 120 mil barris por dia. Quando houve a crise do petróleo, as reservas eram praticamente iguais a um ano de exportação, não tinha dívida. A dívida foi feita no governo Geisel.
O Geisel, na verdade, era o portador da verdade. O Geisel sempre tinha a verdade pronta.

Como foi seu conflito com o economista Mario Henrique Simonsen?
Nunca houve conflito com o Simonsen. Isso é uma tolice. Uma invenção. Primeiro, o Simonsen foi embora porque quis. O Simonsen tinha consciência clara de que o Brasil tinha quebrado. Tanto que ele não entregou o orçamento. Ele foi embora em agosto sem briga nenhuma.
Vou lhe contar mais. O Figueiredo soube que o Simonsen tinha ido embora quando contaram para ele que o Simonsen estava na praia tomando banho.

O quão importante foi o apoio dos empresários para o regime?
Na verdade, como o Brasil crescia, os empresários estavam satisfeitos. Não só os empresários. O Brasil estava satisfeito. Essa é que é a verdade. O governo criou condições amigáveis para o funcionamento de uma economia de mercado. O sujeito sabia o seguinte: palavra empenhada era palavra cumprida.

Como o senhor via a questão da repressão durante o governo militar?
No governo você não tinha a menor informação. Você tinha uma separação completa entre o governo e as instituições, as forças armadas. Nunca teve nenhuma interferência. Na verdade, nós víamos nos jornais alguma coisa.
Uma vez eu perguntei ao presidente Médici e ele disse: não, não há.
Ele me disse: "é uma guerra, Delfim. Mas não há tortura".
Tortura é uma coisa deplorável. Quando o sujeito está sob a guarda do Estado é que ele tem de ser protegido.


Mas em 1970 os que estavam dispostos para a guerra já não estavam todos mortos?
Não sei se estava todo mundo morto. É outra coisa. Hoje estamos longe. Precisa ver como eram as coisas. Seguramente, não tem um lado só. O importante é: o governo nunca teve a menor interferência militar. Nunca. Desde o começo, o governo tentou preservar as instituições de mercado. Não era por ideologia. Era por pragmatismo. Porque não tem como você construir de novo uma sociedade democrática sem que o mercado esteja funcionando razoavelmente bem. 

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