Direto do "FINANCIAL TIMES", neste domingo na FOLHA, ROBERT SHILLER, titular da cátedra Arthur M. Okum de Economia na Universidade Yale e cofundador e economista chefe da MacroMarkets, escreve que "Governos têm o dever de regular os mercados para impedir que as pessoas sejam falsamente atraídas a adquirir ativos ilusórios, sem excluir a parte boa do capitalismo", o que é uma verdade tardiamente reconhecida. Trata-se de um texto racional, que procura os dois lados da moeda e não apenas registrar as falhas de A ou B. Uma boa releitura e visão da história econômica para este ano de 2009.
Lydia Lopokova, mulher do economista John Maynard Keynes, era uma famosa bailarina.
Também era emigrante russa.
Por isso, Keynes conhecia pela experiência de seus sogros os horrores da vida na pior das economias socialistas. Mas também conhecia em primeira mão as grandes dificuldades que a vida sob o capitalismo descontrolado e desregulado pode oferecer. Ele viveu a depressão britânica dos anos 20 e 30 e isso o inspirou a encontrar um caminho intermediário para as economias modernas.
Estamos presenciando, nesta crise financeira, um renascimento da economia keynesiana. Voltamos a discutir "The General Theory of Employment, Interest and Money" [Teoria Geral do Emprego, Juros e Dinheiro], de 1936, escrito durante a Grande Depressão.
Aquela era, como a atual, viu muitos apelos pelo fim do capitalismo tal qual o conhecemos. Os anos 30 foram definidos como o ápice do comunismo no Ocidente. A via intermediária de Keynes pretendia evitar o desemprego, os pânicos e as manias do capitalismo. E também evitaria os controles políticos e econômicos do comunismo. O livro se tornou a mais importante obra de economia do século 20 devido à sua mensagem sensata e equilibrada.
Em momentos de desemprego alto, os governos com bom histórico de crédito deveriam expandir a demanda por meio de gastos públicos bancados por déficits orçamentários. Em seguida, em momentos de desemprego baixo, os governos deveriam amortizar as dívidas contraídas. Com essa mudança aparentemente mínima de procedimento, um sistema capitalista poderia ser estável. Não haveria necessidade de uma cirurgia radical no capitalismo.
Os adeptos da mensagem de Keynes estavam tão ansiosos por fazer implementar essa política simples que deixaram de perceber, ou talvez tenham deliberadamente desconsiderado, que a teoria geral tinha uma mensagem mais profunda e fundamental sobre a maneira pela qual o capitalismo funciona, ainda que mencionada apenas de modo breve. O livro explicava por que as economias capitalistas, se deixadas sem controle, eram essencialmente instáveis. E explicava por que os governos precisavam exercer um papel de contrapeso para que as economias capitalistas funcionassem bem.
A chave para essa percepção era o papel atribuído por Keynes às motivações psicológicas das pessoas, em geral ignoradas pelos macroeconomistas. Ele as denominava "espírito animal" e acreditava que fossem especialmente importantes para determinar a disposição das pessoas em assumir riscos. Os cálculos dos empresários, disse ele, eram precários. "Nossa base de conhecimento para determinar o rendimento, daqui a dez anos, de uma ferrovia, uma mina de cobre, uma fábrica têxtil, o valor intangível de um remédio patenteado, um transatlântico, um edifício na City de Londres, é muito pequena e ocasionalmente inexistente." A despeito disso, as pessoas de alguma forma tomam decisões e agem. Isso "só pode ser compreendido como resultado do espírito animal". Existe um "ímpeto espontâneo de agir".
Há momentos em que as pessoas são espontaneamente aventurosas. As aventuras são sustentadas, nesses momentos, por uma fé jovial no futuro e pela confiança nas instituições econômicas. Isso representa a curva de alta no ciclo de negócios. Mas o espírito animal também pode se mover na direção oposta, quando as pessoas estão cautelosas demais.
Hoje, é possível tratar com muito mais clareza a base psicológica do espírito animal.
Por exemplo, psicólogos sociais demonstraram até que ponto as histórias e as narrativas, especialmente as de interesse humano, motivam o comportamento das pessoas. Essas histórias podem ter valor muito superior ao dos cálculos abstratos. Os humores econômicos das pessoas se baseiam em larga medida nas histórias que elas contam a si mesmas e umas às outras sobre o assunto.
Vimos histórias como essas surgindo e desaparecendo em rápida sucessão, nos últimos anos. Primeiro tivemos a bolha da internet e as histórias sobre jovens milionários que despertavam inveja em todos. Ela estourou em 2000, mas logo foi substituída por uma nova, dessa vez envolvendo pessoas que lucravam ao comprar e revender imóveis com esperteza.
Essa mania foi produto não apenas de uma história sobre pessoas mas de uma história sobre a forma como a economia funcionava. Era parte de uma história em que todos os investimentos em hipotecas securitizadas eram seguros, pois tanta gente inteligente estava envolvida. Todas aquelas pessoas invejáveis estavam adquirindo esse tipo de ativo e certamente os estavam verificando, portanto nós não precisaríamos fazê-los. Bastava acompanhá-las.
O que permitiu que essa mania e essas histórias persistissem por tanto tempo? Em larga medida, nós entramos na atual crise devido a uma teoria econômica incorreta, uma teoria que negava, ela mesma, o papel do espírito animal quanto a nos envolver em pânicos e manias.
Segundo a teoria "clássica" padrão, que remonta a Adam Smith e ao "A Riqueza das Nações", de 1776, a economia é essencialmente estável. Se as pessoas seguirem racionalmente os seus interesses econômicos, em mercados livres, exaurirão todas as oportunidades mutuamente benéficas de produzir bens e comercializar umas com as outras. Essa exaustão das oportunidades de comércio mutuamente benéfico resultaria em pleno emprego. Nos termos dessa teoria, o resultado não poderia ser diferente.
É claro que haverá alguns desempregados. Mas eles serão incapazes de encontrar emprego apenas porque estão temporariamente em busca de trabalho, ou porque insistem em receber salários irracionalmente altos. Desemprego assim é visto como voluntário, nos termos da teoria, e portanto não merecedor de simpatia.
A teoria clássica também nos diz que os mercados financeiros serão estáveis. As pessoas só realizarão transações que considerem benéficas para elas. Ao entrarem nos mercados, elas farão a lição de casa para garantir que aquilo que estão comprando vale o tanto que estão pagando.
O que essa teoria negligencia é que existem momentos nos quais as pessoas confiam demais. E tampouco leva em conta que, se puder fazê-lo com lucro, o capitalismo não produzirá apenas o que as pessoas realmente querem, mas o que elas pensam que querem. O sistema pode produzir os remédios de que as pessoas precisam. Isso é algo que as pessoas realmente querem. Mas, se puder fazê-lo com lucro, também produzirá aquilo que as pessoas consideram equivocadamente querer.
O capitalismo produzirá falsas poções. Não só isso: também poderá produzir o desejo por elas. Esse é um aspecto negativo dele. A teoria econômica padrão não levou em conta que compradores e vendedores de ativos poderiam não exercitar sua responsabilidade e que o mercado não estaria lhes vendendo seguros contra o risco dos títulos complexos que adquiriram, mas sim o equivalente financeiro a uma falsa poção.
Existe uma moral mais ampla nisso tudo quanto à natureza do capitalismo. Por um lado, queremos tirar vantagem da sabedoria de Adam Smith. Em sua maior parte, os produtos que o capitalismo fabrica são o que realmente desejamos, a um preço que estamos dispostos e temos condições de pagar. Por outro lado, quando a confiança é alta, e porque ativos financeiros são difíceis de avaliar por aqueles que os compram, as pessoas se dispõem a adquirir falsas poções, e o fazem. E quando isso é descoberto, como invariavelmente deve, a confiança desaparece e a economia se amarga.
É papel do governo garantir, em dois níveis, que eventos como esses não ocorram. Primeiro, ele tem o dever de regulamentar os mercados de ativos de modo a impedir que as pessoas sejam falsamente atraídas a adquirir ativos ilusórios. Padrões como esses para os produtos financeiros fazem tanto sentido quanto os impostos aos alimentos ou aos remédios que consumimos. Mas não queremos eliminar as boas partes do capitalismo quando excluímos as ruins. Para tirar vantagem das partes boas, quando flutuações ocorrem, é papel do governo garantir que aqueles que desejam e podem produzir aquilo que os demais querem comprar sejam capazes de fazê-lo. É papel do governo, portanto, manter o pleno emprego por meio de suas políticas fiscais e monetárias compensatórias.
Os princípios que embasam esse tipo de economia não são os mesmos que vigoram no modelo socialista. O governo, na medida do possível, está apenas criando as condições macroeconômicas que permitirão que a economia funcione bem.
Esse é o papel do governo.
Seu papel é garantir um "laisser-faire" sábio. Não se trata do capitalismo completamente aberto recomendado pela teoria vigente e que parece ter sido aceito como evangelho pelos planejadores econômicos e também por muitos economistas desde os governos Thatcher e Reagan. O capitalismo que propomos é um meio-termo significativo entre aqueles que veem os desastres econômicos e o desemprego do capitalismo descontrolado, por um lado, e aqueles que acreditam que o governo não deveria exercer qualquer papel, por outro.
A ideia de que o capitalismo descontrolado e desregulado invariavelmente produziria desfechos positivos era uma teoria econômica incorreta quanto à maneira pela qual as sociedades capitalistas se comportam e quanto àquilo que causa suas crises.
Essa teoria econômica incorreta não leva em conta a maneira como o espírito animal afeta o comportamento econômico e tampouco o papel das narrativas que despertam confiança e das falsas poções nas flutuações econômicas.