É impossível não falar da atual crise grega (europeia), seja para discutir suas causas, seja para, como pretendo hoje, pensar nas suas possíveis consequências, em particular para a economia brasileira. Será que, como em
O primeiro é o fenômeno conhecido como "fuga para a qualidade". Em que pese o epicentro da crise de crédito de 2008 ter sido a economia dos EUA, tanto naquela época como agora observamos que investidores, num cenário de turbulência, preferem manter seus recursos sob a forma de ativos americanos. Não se trata apenas da percepção que eles embutem um baixo risco de não pagamento; também o mercado desses papéis é muito líquido, o que permite a investidores montar e desmontar rapidamente suas posições, sem os custos proibitivos que costumam aparecer em tempos de crise em mercados menos profundos.
Não por acaso, portanto, na semana passada, todas as principais moedas flutuantes (exceto o iene) se desvalorizaram ante o dólar, assim como o real. Isto é, uma das formas de transmissão da crise é o fortalecimento global do dólar, que implica, é claro, o enfraquecimento do real.
Além desse efeito, é possível mapear outro, relacionado ao primeiro, mas que atua de forma indireta. Como expliquei no artigo de 31 de março ("Síndrome da China"), há uma clara relação negativa entre o valor do dólar e o preço das commodities: o fortalecimento do primeiro costuma ter repercussões negativas para as últimas. Por outro lado, o real tende a andar em linha com as commodities, de modo que o dólar mais forte traz uma razão adicional para a desvalorização do real (bem como das demais moedas-commodities).
Resta saber se o presumível aprofundamento da crise teria, como em 2008, efeitos nefastos sobre a atividade econômica, provavelmente por uma depressão adicional do crédito.
É uma possibilidade, mas hoje acredito ser muito difícil a repetição, mesmo em escala menor, dos eventos do último trimestre daquele ano.
Estima-se que as perdas associadas à crise de crédito tenham atingido cerca de US$ 1,8 trilhão e possam chegar, ao final do processo, a US$ 2,5 trilhões. Ao mesmo tempo, havia forte incerteza sobre a distribuição das perdas naquele momento, pois tanto os títulos lastreados em hipotecas como os derivativos a eles associados eram transacionados em mercados de balcão, o que manteve todas as instituições financeiras na defensiva por não saberem exatamente a saúde das suas contrapartes, levando à paralisia nos fluxos interbancários e no crédito em geral e, portanto, ao colapso do comércio mundial e da atividade econômica.
Em contraste, pelo menos no caso da Grécia, falamos de valores consideravelmente menores e de um conhecimento bem mais claro da exposição de cada instituição, vale dizer, sem a mesma incerteza quanto às contrapartes. Daí meu ceticismo quanto à reprise do episódio Lehman Brothers e da parada súbita de fluxos financeiros que se seguiu.
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