Nesta semana, no ESTADÃO, José Serra faz uma análise da situação atual, que merece ser lida e objeto de reflexão neste começo de um ano que promete muitas emoções.
Governos existem para
controlar as circunstâncias, não para ser controlados por elas; governos
existem para irem adiante, e não atrás dos acontecimentos; governos existem
para cercar as margens de erro, antecipando-se aos problemas, não para elaborar
desculpas implausíveis; governos existem para informar-se sobre o futuro e as
consequências dos seus atos - não com bola de cristal, mas com os dados
objetivos fornecidos pela realidade -, não para confundir a embromação com o
otimismo.
Isso tudo é querer
demais? Pode ser. Mas, digamos, nosso problema principal não é o tamanho do
superávit primário, a seca que vai subtrair água e energia, o tapering do Banco
Central dos EUA ou as matérias de duvidosa qualidade da The Economist e do
Financial Times, mais alarmistas que o devido. A questão essencial no Brasil de
hoje é outra: a excessiva distância entre o que o governo deveria ser e o que
é. Essa distância, que não para de se ampliar, é o nosso problema número um.
Estamos colhendo,
literalmente, o que temos plantado. Quando plantamos direito - caso do
agronegócio, que tem livrado o Brasil de um vexame na balança comercial dos
últimos anos -, colhemos bons frutos. Quando plantamos o erro, o que se colhe
é... uma safra de erros.
O déficit em conta
corrente do balanço de pagamentos, problema n.º 1 da economia brasileira, que a
torna tão vulnerável às apostas do mercado financeiro internacional, tem como
causa principal o déficit comercial do setor industrial, que no ano passado foi
de espantosos US$ 105 bilhões. Essa situação resultou de uma escolha da
política econômica lulista, muito especialmente a partir da crise internacional
de 2008/2009.
Aqui e ali,
multiplicam-se as críticas sobre a perversidade do farto financiamento do BNDES
a alguns setores da indústria, algumas fundadas, outras nem tanto - e não vou
entrar no mérito neste texto, a merecer outro artigo. Ou, ainda, há quem
atribua isso ao "fechamento da economia", embora ela não pare de se
abrir. A questão essencial, porém, é outra. O governo brasileiro assiste inerme
a um processo de desindustrialização - a grande marca do governo Lula - que
cobra um preço social altíssimo no médio e no longo prazos, já que é o setor
que paga os melhores salários e que força com mais velocidade a especialização
da mão de obra.
A escolha dos governos do
PT foi torrar o dinheiro proveniente tanto dos altos preços das nossas
exportações de produtos agrominerais como da abundância de capital externo
barato. Como mencionou o professor Edmar Bacha, entre 2004 e 2011, tivemos uma
farra econômica no Brasil: nada mais nada menos do que 25% do aumento do gasto
doméstico foi financiado por esses dólares. Tudo para consumir e substituir
produção doméstica. Pouco ou nada para fortalecer a competitividade da
economia, elevando os investimentos públicos e privados e a oferta de bons
empregos. Tudo para elevar a carga tributária que sufoca a produção e castiga
proporcionalmente mais os setores sociais de menores rendas, via tributação
indireta. Pouco ou nada para dar sustentação permanente à elevação do padrão de
vida.
Pior ainda. O governo fez
o possível para atrapalhar a Petrobrás, atrasar os investimentos em novos
campos, travar as concessões de estradas, dentro de sua ideologia mais
profunda: transformar facilidades em dificuldades. Isso nos privou de um
precioso vetor de crescimento da economia, pelo lado da demanda e da
produtividade.
A despeito das
fanfarronices sobre a suposta agilidade do Brasil nos negócios externos, a
verdade é que, das grandes economias, o Brasil é o único que não celebrou
pactos comerciais bilaterais. Foram centenas no mundo nos últimos dez anos. O
Brasil firmou só três: com Israel, Palestina e Egito... Ao contrário: continua
amarrado ao Mercosul - o maior erro cometido pelo Itamaraty na sua história
moderna, reiterado por cinco governos diferentes. E vejam bem: o estorvo
essencial do Mercosul não vem dos Kirchners. É fruto da estultice da ideia de
fazer dele uma união alfandegária, que suprimiu a soberania comercial no
Brasil. Se, por exemplo, fizéssemos um acordo comercial com a Índia, seria
preciso que todos os outros parceiros fizessem parte também... O País não se
pode dar o luxo de acumular sucessivos, crescentes e escandalosos déficits na
indústria sem considerar que está, obviamente, com problema.
Nada é tão deletério para
nós, no que concerne ao futuro, como os erros de análise de perspectiva do
governo brasileiro no que diz respeito ao cenário internacional. Tome-se o caso
do atual estresse envolvendo a fuga de investidores - os de curto prazo - para
EUA e Europa em razão da retomada do crescimento dessas economias: mais forte a
americana; ainda modesta, na média, na zona do euro. Chega a parecer piada, mas
é verdade: não faz tempo se falava por aqui numa verdadeira "guerra
cambial" em razão da enxurrada de dólares que os EUA injetaram na sua
economia. Foi uma gritaria danada. Agora que começa o movimento contrário e os
dólares estão vindo menos, em vez de chegarem mais, ouve-se o mesmo alarido.
Nos dois casos, há uma tendência de culpar os países ricos, mas a fragilização
da nossa economia, tornando-a mais suscetível aos ataques especulativos no
âmbito do sistema financeiro internacional, foi precisamente obra do governo
Lula-Dilma.
Poderíamos ter-nos
protegido dessa volatilidade? Se o ambiente fosse, por exemplo, mais favorável
aos investimentos, em vez de o Brasil estar agora lamentando a retomada da
economia americana e a melhora na zona do euro, estaria comemorando. E por dois
motivos: porque investimentos realmente produtivos não fogem do País da noite
para o dia e porque, tivesse uma indústria mais competitiva, estaria se
preparando para disputar mercado. Ocorre que essas coisas não se fazem assim,
no improviso, da noite para o dia. No fim das contas, é a incapacidade de
planejar, ditada por uma leitura capenga do que vai pelo mundo, que nos leva a
esse modelo que vai da mão para a boca.
Apertem os cintos. O
governo sumiu!
Um comentário:
Pra variar o Serra, nas questões de facto, está sempre em cima do muro. É o cara mais sinistro (de esquerda) que temos hoje no Brasil.
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