domingo, 14 de setembro de 2014

O ajuste de Delfim Netto.

Leio na FOLHA DE S. PAULO  mais um artigo do Mestre Delfim Netto. 

A economia brasileira encontra-se numa situação desagradável, mas longe de estar à beira do apocalipse. Se, entretanto, insistirmos em não enfrentar os seus desequilíbrios, os cavaleiros podem nos visitar...

Na inflação --a despeito de alguns controles-- continuamos a namorar com o limite superior da banda de tolerância, que fingimos ser a "meta". A "boa notícia" é que a distância entre a taxa de inflação registrada nos preços "administrados" e nos preços "livres", que era menor do que 10% no final de 2011 e chegou a mais de 150% em 2013, foi reduzida e se encontra ao redor de 40%.

Na área fiscal a situação em 2014 piorou visivelmente, em parte porque o crescimento do PIB murchou. O deficit fiscal/PIB aproxima-se de 4%. A promessa de superávit primário de 1,9% do PIB, arrancado a fórceps no sufoco da ameaça da perda de rating pela agência S&P, tornou-se irrelevante e a dívida bruta/PIB aparenta um viés de crescimento.

A situação é delicada, mas perfeitamente reversível --sem custos exorbitantes-- com um programa monetário e fiscal coerente e transparente, capaz de dar previsibilidade às políticas públicas e tranquilizar o "espírito animal" assustado por intervenções pontuais bem intencionadas, mas erráticas. Irreversível é o crescimento perdido que vai nos acompanhar pelo resto do tempo.

Onde o ajuste será mais complexo é na política cambial. Voltamos a cometer o erro que nos tem perseguido há décadas: o uso da taxa de câmbio como coadjuvante do controle da inflação como substituto das políticas monetária e fiscal, cada vez que somos premiados com uma melhoria nas "relações de troca", ou seja, cada vez que os preços de nossas exportações crescem mais rapidamente do que os das nossas importações.

Não pode haver dúvida sobre as causas de um fato: não foi apenas a valorização cambial, mas foi principalmente a valorização cambial sistemática, prolongada, previsível, sustentada pelas maiores taxas de juros reais do universo, que destruiu o sofisticado setor manufatureiro nacional. De 2011 a 2014, o deficit comercial do setor manufatureiro foi da ordem de US$ 199 bilhões. É por isso que a indústria, que encolheu cerca de 1,5% ao ano entre julho de 2011/2014, foi a principal causa da murcha do PIB para 1,76% ao ano.


Já devíamos ter aprendido que é tudo inútil. Os especuladores sabem que a desvalorização é uma questão de tempo. Não há outra saída para a recuperação do equilíbrio a não ser a lenta e mais custosa política da "desinflação competitiva", como provaram todos os países que a experimentaram.

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