domingo, 19 de setembro de 2010

O PREÇO DE BENS NO BRASIL.

CARLOS PIO foi meu professor na Universidade de Brasília e é um intelectual inteligente que conhece da economia política à economia. Por isso, divulgo para os meus quase dois leitores, e-mail que ele recentemente enviou ao jornalista CARLOS SARDENBERG - TV GLOBO, sobre um assunto que tem tudo a ver com o nosso mundo real: o preço dos bens que pagamos no Brasil. Afinal, quem nunca questionou quanto é caro comprar determinados bens no Brasil?

Prezado Jornalista,

Sua campanha para denunciar que pagamos mais pelos mesmos produtos globais do que os nossos vizinhos e para explicar porque isso ocorre é maravilhosa.

Como professor de Economia Política Internacional da UnB há mais de 10 anos, tenho obtido muito sucesso em cruzada muito semelhante, semestre após semestre, com turmas de 50 alunos que chegam do ensino médio sabendo de cor todos os argumentos protecionistas recitados pelos professores de Geografia e História e pelos nossos empresários e governantes por meio da imprensa. (Vide, nas duas últimas semanas, a cruzada em defesa da proteção comercial e do subsídio liderada por gente como Correia de Lacerda, Steinbruch, Skaff, Mantega, Coutinho, etc.)

Acho que nos seus próximos artigos vc deveria reforçar vários pontos, que me animo em apontar:

1. A excessiva proteção comercial do Mercosul foi uma imposição brasileira aos parceiros menores e tradicionalmente mais liberais. Ela é a maior responsável pelos diferencias de preços de produtos globais que chegam aqui e em outros países. No Peru, por exemplo, um Honda Civic custa US$ 20 mil enquanto custa o dobro aqui. Almocei semanas atrás com um diplomata de país asiático recém-chegado a Brasília que me disse que o novo Hyunday i35 custa US$ 18 mil em seu país e US$ 110mil aqui. Mesmo podendo abater os impostos domésticos praticados no Brasil, ele preferiu pagar US$ 20mil a uma importadora (por ser diplomata estrangeiro servindo no Brasil ele tem direito de importar o carro que quiser) para lhe entregar o carro em sua casa.

2. Os formuladores de políticas industriais e comerciais (ou de desenvolvimento) e os políticos de todos os partidos professam uma crença enganosa de que a proteção comercial gera empregos no Brasil, por isso é vantajosa. Que a crença é falsa, a literatura empírica especializada já tratou de demonstrar há muito tempo -- vide os textos clássicos de Krugman, Bhagwati, Irwin, Anne Krueger, Eliana Cardoso, etc. O argumento defendido por nossos influentes políticos e tecnocratas heterodoxos não se sustenta porque a proteção encarece o produto produzido localmente (pela falta de concorrência, pela falta de liberdade para importar tecnologia e insumos) que acaba sendo vendido quase que exclusivamente aqui mesmo (salvo quando o empresário pouco competitivo internacionalmente ainda ganha um bônus na forma de subsídio à exportação). Pois bem, os consumidores locais (família e empresas) têm que comprar mais caro o que existe disponível na economia internacional por preço muito mais em conta e, com isso perdem bem-estar (as famílias) e competitividade internacional (as empresas). A acumulação de capital sai prejudicada. No conjunto, empobrecemos.

Para continuar com meu exemplo anterior do Honda Civic, as empresas de aluguel de veículos, como a Localiza e a Unidas, têm que optar entre adquirir carros baratos e de má qualidade -- como o Pálio 1.0, câmbio manual -- e os carros "nacionais" de luxo exorbitantemente mais caros do que se pratica no resto do mundo. Com os preços altos aqui e a impossibilidade de importar, elas oferecem a seus clientes carros ruins e caros a preços internacionais e empregam menos pessoas do que poderiam se os carros tivessem preços competitivos e elas pudessem ter uma frota mais ampla em todo o território nacional. O resultado é que o emprego gerado nas cidades onde se instalam as montadoras é compensado pelo desemprego de potenciais trabalhadores de empresas que deixam de adquirir automóveis em quantidade maior e que se espalham por todo o território nacional.

O burocrata heterodoxo acaba decidindo onde haverá demanda por emprego e por qual tipo de emprego, mas não é capaz de determinar um aumento geral do nível de emprego do País por meio da proteção comercial à indústria.

3. Câmbio flutuante e metas de inflação em nível internacional eliminam a possibilidade de crise cambial em decorrência da decisão de unilateralmente abrir a economia nacional às importações. Argumentei isso em artigo publicado no caderno de Economia do Estado de S. Paulo ("São as importações, estúpido!"), publicado em 30/1/2010. Quanto mais se importar, mais o real se desvalorizará automaticamente, encarecendo as importações. Da mesma forma, se nenhum outro país comprar produtos e serviços de empresas brasileiras, não entram dólares aqui e o real fica muito barato, barateando os preços do que se exporta daqui e encarecendo os produtos estrangeiros. Que não há crise cambial em economias abertas ao comércio e com regime de câmbio flutuante e inflação baixa é um fato que poucos brasileiros reconhecem.

Mais uma vez, parabéns pela iniciativa!

Abraço,

Carlos Pio Professor of International Political Economy, Universidade de Brasília.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

KRUGMAN NA EXAME - US$/R$

O economista Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia em 2008, disse em São Paulo, que a valorização do real frente ao dólar não é necessariamente uma notícia ruim. "Por um lado atrapalha as exportações das indústrias, mas, por outro, significa mais capital para investir."

Krugman, que participa do IBM FORUM 2010, na capital paulista, apresentou um gráfico que mostra a enorme diferença de comportamento entre o real e o iuane, a moeda chinesa. Ele destacou que o governo chinês intervém e isso está gerando fortes reclamações do mundo inteiro. "O real está valorizado porque o Brasil parece ser um bom lugar para os investidores", insinuando que o câmbio é o preço do sucesso brasileiro na crise.

O economista disse que as taxas de juros devem continuar baixas nos países desenvolvidos, o que levará a uma migração de capital para os emergentes. Krugman arrancou risos da plateia quando disse não entender por que a Rússia faz parte dos Brics (Brasil, Rússia, China e Índia), afirmando que os russos estão num patamar muito abaixo dos demais.

Krugman, que é professor da Universidade de Princeton (EUA) e colunista do jornal The New YorK Times, disse que a solução para a crise mundial não será via exportação. "Precisaríamos de outro planeta para vender os produtos", disse, ressaltando que o problema atual nos países ricos é a falta de demanda.

Em sua palestra, comparou a crise atual com a grande depressão dos anos 30 por meio de um gráfico que mostrava que o primeiro ano (2008) foi tão ruim quanto o daquela época. "Desta vez, nós evitamos uma catástrofe, mas não significa que tudo está bem nem que tudo não possa ficar pior."

Krugman disse ainda que, pela primeira vez na vida dele, uma crise é pior nosEstados Unidos do que na América Latina. O grande risco para os países ricos, segundo ele, é entrar num processo de deflação como o vivido pelo Japão há muitos anos. Ele defende novos incentivos fiscais dos governos, principalmente dos Estados Unidos, como forma de estimular a demanda.

O Prêmio Nobel de Economia afirmou que crises financeiras como a atual são de longa duração e projetou que o desemprego na Europa e nos Estados Unidos ficará perto dos 10% até 2012. "Não há recessão técnica, mas a recuperação econômica atual não é suficiente para reduzir o desemprego."

Krugman disse que vai demorar até a formação de outra bolha imobiliária na Europa e nos Estados Unidos, pois "as pessoas levarão um longo tempo até acreditarem novamente que esse é um bom investimento".

POLÍTICA COM HUMOR EM 2010?

Direto de Fortaleza, lá do DIÁRIO DO NORDESTE, o humor de quem conhece a realidade brasileira: SINFRÔNIO, esta é nota dez.

domingo, 12 de setembro de 2010

Crise: a economia ainda não está com seus fundamentos macroeconômicos sólidos.

Direto da TIME, uma imagem do que esperamos não acontecer.

Maria da Conceição Tavares na FSP.

Independentemente da concordância ou não com as ideias da colega MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES, a pluralidade deste blog permite que a entrevista dela à FOLHA DE S. PAULO seja publicada na íntegra, para que possamos analisar e estudar como não é fácil entender a economia.

A ascensão da China, com uma demanda por produtos primários que vai durar décadas, mudou a divisão internacional do trabalho e tornou datada a dicotomia entre industrialização e produção de commodities que marcou a trajetória brasileira desde os anos 1930.

Quem afirma é a economista Maria da Conceição Tavares, veterana expoente do desenvolvimentismo, que durante o século 20 propôs a ação do Estado para a industrialização, a fim de superar a desvantagem nas relações de troca no antigo sistema sob hegemonia econômica dos EUA --que, ao também produzirem matérias-primas, forçavam a baixa de seus preços.

"Não tem centro e periferia como antes. Há países de desenvolvimento intermediário, entre os quais estamos", afirma Conceição.

Ela deu entrevista à Folha às vésperas de ser homenageada amanhã, no Rio, no lançamento do livro "O Papel do BNDE na Industrialização do Brasil", fruto de pesquisa que coordenou para o Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento.

O novo cenário não quer dizer, afirma, que o país deva descuidar do parque industrial. Ela se preocupa com a avalanche de importações e defende o papel do BNDES no apoio a grandes empresas nacionais.

Petista, Conceição aposta que Dilma Rousseff mudará a orientação ortodoxa do BC, caso eleita, e diz que o tucano José Serra, colega do tempo da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina) com quem há 40 anos escreveu um artigo marco, "Além da Estagnação", é conservador na área social.

FOLHA - Um dos problemas recorrentes do período de industrialização abordado no livro é o déficit no balanço de pagamentos. Hoje essa preocupação surge de novo. Os riscos são os mesmos?

MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES - Não, naquela altura o problema era basicamente a rigidez da pauta de exportações, que não é o caso agora. A gente só tinha produtos primários e o único período em que houve aumento de preços das matérias-primas foi durante a Guerra da Coreia (1950-1953).

Além disso, o processo de substituição de importações não poupava divisas, pelo contrário, era para substituir importações por produtos internos. Ao fazer isso, ampliava o mercado interno e ampliava a demanda [por bens de capital importados para aumentar a produção]. Hoje em dia você tem uma indústria montada. O problema é o câmbio.

FOLHA - Mas há toda a preocupação com a primarização da pauta de exportações brasileiras.

CONCEIÇÃO - Isso não tem nenhum cabimento, porque a primarização da pauta de exportações de hoje não se parece nada com a de então. Ao contrário daquela época, quando havia relações de troca desfavoráveis, as relações são favoráveis. Quem demanda produtos primários é a China e a Ásia inteira, que crescem muito mais do que o resto do mundo. Naquela época, os EUA eram nossos concorrentes.

FOLHA - O candidato José Serra fala muito do risco de desindustrialização no Brasil. A sra. acha que existe esse risco?

CONCEIÇÃO - Desindustrialização houve no governo deles, do Fernando Henrique, com uma política de câmbio completamente irresponsável, uma taxa de juros alta, que começou a afrouxar a partir do segundo mandato.

O problema de agora é que, com a crise mundial, o dólar desvalorizou e todas as moedas valorizaram, exceto a moeda chinesa, que está amarrada ao dólar e controlada, com controle de capitais. O resto foi para o diabo.

Agora é um problema de valorização e isso não afeta as exportações. Isso afeta as importações, que estão disparando. A gente não sabe se estão disparando como reação apenas ao câmbio ou à recuperação da economia. Eu acho que são os dois. A indústria sofreu um abalo em 2009, e neste ano recuperou com muita força. Agora está desacelerando. Tem que estar sempre avaliando. Se você deixar entrar à galega acaba desindustrializando.

FOLHA - E o que pode ser feito?

CONCEIÇÃO - O próprio ministro da Fazenda já avisou que tem que controlar essa taxa de câmbio, não pode deixar rolar.

FOLHA - Mas o câmbio não tem relação com os juros do Banco Central, que atraem capital de fora?

CONCEIÇÃO - Tem, mas não só. Porque a valorização deu em todos os países, mesmo os que praticam taxas de juros negativas, que é o caso do Japão. É a situação particular do dólar agora que está fazendo isso.

A situação, portanto, não se parece nada com a do período entre 1950 e 1980. Não tem crise no balanço de pagamentos no sentido clássico. E muito menos dívida externa. Conseguimos passar essa crise sem problemas na dívida externa, com reservas, coisa que nunca aconteceu em nenhuma crise internacional desde o século 19. Agora, tem que ter uma política industrial mais clara, uma política cambial obviamente controlada, que não se resolva apenas com os juros.

FOLHA - Outra discussão que tem uma analogia com o período atual é a ideia de criar um mercado de capitais privado, bancos de investimentos privados que financiem investimentos de longo prazo, o que foi tentado pelo Roberto Campos no primeiro governo da ditadura.

CONCEIÇÃO - A ideia do mercado de capitais estava lá na reforma administrativa Bulhões-Campos. O problema é que ele veio com a ideia dos bancos de investimentos, que não funcionaram.

FOLHA - Mas essa discussão volta agora, não?

CONCEIÇÃO - A dos bancos de investimentos, não. O problema é que nem os bancos nem os mercados de capitais não estão financiando desenvolvimento em longo prazo.

FOLHA - E é possível que isso, que nunca aconteceu, aconteça agora?

CONCEIÇÃO - Eu não acredito muito. Porque na verdade o mercado de capitais serve basicamente em toda parte não é para financiar desenvolvimento, é para transformar patrimônio. Mas enfim, essa é uma ideia antiga, continuam a fazer esforço. O financiamento na verdade depende mais do crédito de longo prazo, e aí é que se tem que arrumar um jeito de que haja um crédito em longo prazo que não dependa apenas do BNDES e da Caixa Econômica, que carregam nas costas.

FOLHA - Como avalia às críticas feitas ao perfil dos empréstimos do BNDES, para grandes grupos?

CONCEIÇÃO - A imprensa conservadora, que nunca gostou do BNDES, vem com esse papo de que a capitalização [do banco] vai para a dívida pública, o que não é verdade. Formalmente vai para a dívida fiscal, mas na verdade não é assim em longo prazo. Porque você empresta, mas eles retornam. E o retorno do investimento é sempre positivo. O BNDES não está emprestando a ninguém com retorno negativo.

FOLHA - Mas até o Carlos Lessa [ex-presidente do BNDES] afirma que o banco deveria ser mais exigente sobre investimentos no Brasil ao fazer empréstimos a grandes empresas.

CONCEIÇÃO - Lessa nesse particular discrepa do [Luciano] Coutinho, que tem a visão do que ocorreu na Ásia, no Japão, na Coreia, do "pick the winner" [escolha o vencedor], que tem que escolher as empresas vencedoras para que elas sejam competitivas lá fora, para que elas se internacionalizem com poder de mercado. Essa é a única diferença, porque o Lessa é desenvolvimentista, o Coutinho também. Só tem desenvolvimentista agora. Liberal, só tem a charanga.

FOLHA - A Dilma e o Serra também são desenvolvimentistas.

CONCEIÇÃO - Do ponto de vista da operação fiscal, o Serra é ortodoxo, e isso é ruim. Ele quer acelerar a contração do gasto público. No fundo, ele não leva a sério as políticas de bem-estar social, a universalização da educação, da saúde, que tornaram o Orçamento mais pesado. Se cortar, não se pode fazer nada de política universal, tem que ficar só com política para pobre.

Mas não há dúvida de que o Serra também é desenvolvimentista do ponto de vista industrial. O problema dele são os programas sociais, o aumento da Previdência, do salário mínimo, todas as medidas de alcance social mais profundo que o Lula tomou. Nas políticas compensatórias, eu não creio que ele voltaria atrás, que ninguém é maluco. A universalização é que é o problema, as políticas sociais de longo alcance. O gasto com educação, saúde, Previdência.

FOLHA - No segundo governo Vargas [1951-1954], quando começa o Plano de Reaparelhamento Econômico, o ministério lembra o do primeiro governo Lula, com empresários e monetaristas no comando da política econômica. Como interpretar essa coincidência?

CONCEIÇÃO - Por sorte, depois do interregno monetarista do [Eugenio] Gudin [ministro da Fazenda de Café Filho, entre 1954 e 1955], veio o JK, que era desenvolvimentista. O [Horacio] Lafer [ministro da Fazenda de Vargas] queria fazer presidente do BNDE o Gudin, e não conseguiu, porque o Vargas não dormia de touca. O que ele fez é foi compor uma parte da diretoria do banco com pessoal que veio da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos [1951-1953], entre os quais o Roberto Campos e o Glycon de Paiva, que ficaram como diretores, e colocou o homem dele, que era o gaúcho Ari Frederico Torres, como superintendente.

O problema é que o homem dele não entendia muito de economia, e por aí não foi. Mas havia os diretores que eram da Assessoria Econômica do Vargas. Então a assessoria do banco era composta metade de conservadores e metade de nacionalistas.

No que diz respeito a Lula, graças a Deus caiu o ministro da Fazenda [Antônio Palocci] e entrou o [Guido] Mantega, que é desenvolvimentista. O problema foi o Banco Central. O Banco Central é problema sempre, porque a estrutura do BC foi montada de tal maneira que os que não pensam da mesma maneira não têm futuro.

Um dos meninos mais brilhantes da atual Fazenda é o Nelson Barbosa [secretário de Acompanhamento Econômico]. Ele é um keynesiano um pouco ortodoxo. Ele é originariamente do BC, fez concurso e passou. O [Luiz Eduardo] Melin [chefe de gabinete da Fazenda] também é do BC. Mas eles não podem fazer nada, porque começam uma carreira e tem em cima a diretoria que é toda conservadora.

Tem é que fazer com o BC o mesmo que foi feito no BNDES pelo Vargas, uma diretoria mista, metade conservadora, para agradar os banqueiros e eles não encherem muito o saco, senão eles enchem mesmo, e outra metade para ajudar o desenvolvimento, fazer uma política monetária menos estúpida.

Quer dizer, o conservador no governo Lula foi só a política monetária. E não foi pouca porcaria, eu concordo. Briguei para burro.

FOLHA - Mas isso num governo Dilma pode mudar?

CONCEIÇÃO - Com certeza vai mudar. É só esperar e ver. Mas não é mole, porque o pessoal mais desenvolvimentista tem muito pouca prática de mercado. Tem que ter os que têm prática de mercado, porque senão você não consegue operar o banco. Houve sempre uma tensão muita grande entre a Fazenda e o BC [no segundo mandato de Lula], que nunca foi o caso na história do Brasil, em que sempre Fazenda e BC eram conservadores e Planejamento, Indústria e Comércio eram desenvolvimentistas. Mas isso não é mais assim.

FOLHA - Mas é melhor ter a tensão?

CONCEIÇÃO - Por mim não, mas, como eu estou dizendo, não tem economista progressista com domínio de BC, com exceção desses dois que eu mencionei, que foram do BC. Foram meus alunos, trabalharam comigo, conhecem teoria monetária. A esquerda tem mania de não gostar de política monetária. A única monetarista de esquerda era eu, mas é óbvio que eu não posso ser presidente do BC com 80 anos e com esse temperamento que eu tenho. Tem também o [Luiz Gonzaga] Beluzzo, o próprio Luciano Coutinho.

FOLHA - Então hoje, ao contrário da década de 90, começa a haver um predomínio do pensamento desenvolvimentista?

CONCEIÇÃO - No Brasil sim, mas não no mundo. Olha para a Europa. A Europa está num reacionarismo conservador que é uma desgraça, está pior que os EUA. Nos EUA, até os conservadores viraram keynesianos por causa da crise. Na Europa, os caras estão fiscalistas ao extremo, estão arrebentando com a Europa, tem uma tendência japonesa [de estagnação] acentuada.

FOLHA - Essa conjuntura internacional, em que a China é o grande demandante, favorece o Brasil?

CONCEIÇÃO - É favorável. Quem é hoje o grande centro manufatureiro no mundo? É a Ásia, ninguém compete em produtos manufaturados com eles, mesmo com a taxa de câmbio melhor. Então aqui tem que ter um certo controle das importações, mesmo disfarçado. Mas como, por outro lado, eles são realmente os maiores demandantes de matérias-primas, hoje, sobretudo para a América do Sul Brasil, Argentina, Chile, isso faz uma diferença cavalar.
FOLHA - E dumping [venda abaixo do valor] de produtos chineses?
CONCEIÇÃO - A China não está tendo o sucesso que está por causa de dumping, é por causa da política inteira. Se houver dumping é feito pelas multinacionais que lá estão, porque, ao contrário do Japão, a China não fez restrições a que na área exportadora entrassem as multinacionais.

Você não pode deixar de levar em conta que mudou a divisão internacional do trabalho. Paradoxalmente, não vejo muita gente mencionar isso. Houve uma mudança radical da divisão internacional do trabalho, na qual nós estamos bem colocados porque a gente exporta para todo mundo. E, em particular, no que diz respeito a matérias-primas, exportamos mais para a China do que para a Europa, por exemplo. Nunca exportamos matérias-primas para os EUA.

FOLHA - Mas a China também pode competir com os produtos industriais brasileiros em terceiros mercados.

CONCEIÇÃO - Ela pode competir com quem ela quiser. Claro que temos que nos precaver. Por que a tendência hoje entre países em desenvolvimento é de acordos bilaterais, quando sempre fomos multilateralistas? É porque o comércio multilateral está de pernas para o ar. A crise americana arrebentou com o sistema todo, com o sistema monetário, o sistema de comércio internacional.

Estamos num período de transição, no qual acho que o Brasil tem chance. Ter uma disponibilidade de recursos naturais como nós temos, que vai da água ao petróleo, não é qualquer país que tem. Isso ajuda, ao contrário de antes. Não estamos baseados no café, mas numa pauta totalmente diversificada. E a coisa do pré-sal vai ajudar.

FOLHA - Quando teve o 2º Plano Nacional de Desenvolvimento, com o Geisel (1975-1979), ele tentou dar um salto qualitativo tecnológico.

CONCEIÇÃO - Tentou, e nós começamos a exportação de manufaturas para valer.

FOLHA - Mas o Brasil ainda tem dificuldade de desenvolvimento tecnológico, por exemplo em computadores.

CONCEIÇÃO - Tem menos do que tinha na época. No Geisel, ainda estávamos começando e a área de computadores fracassou. O projeto Cobra foi um desastre. Aí só avançamos na área bancária, temos a mais desenvolvida em matéria de computação do mundo. Estamos com tecnologia avançada em aviões, em perfuração de petróleo, o que não é pouca porcaria.

FOLHA - Mas em relação à competição chinesa em informática, máquinas?

CONCEIÇÃO - O que tem que entender é que a China é um híbrido. Não pode ser considerada mais um país em desenvolvimento, mas tem uma área subdesenvolvida, com uma população gigantesca, no campo. A China ainda tem que caminhar para dentro, desenvolver o mercado interno. Mas ela tem um solo esgotado. Ao contrário da mudança de centro [capitalista] da Inglaterra, que não tinha produtos primários, para os EUA, que tinham, o que levou ao fim do modelo primário-exportador na América Latina, a China vai ter décadas ainda importando produtos primários, tanto na parte alimentar quanto na de minério e petróleo. Para nós está bom.

FOLHA - Mas quando se fala do risco de desindustrialização...

CONCEIÇÃO - É por causa das importações e do câmbio. O resto quem fala está fazendo blá-blá-blá, porque toda a indústria está aí ainda.

FOLHA - Mas um argumento é que a indústria é que dá emprego de qualidade para os jovens, e não o setor primário.

CONCEIÇÃO - Não é verdade. Os empregos de qualidade costumam ser no setor terciário, nos bancos e nos serviços de utilidade pública. Pelo lado do emprego eu não estaria preocupada. Estamos com problema de desemprego estrutural, mas devido à pobreza. Com uma política de combate à pobreza e com uma política de educação você repõe as bases de um país desenvolvido. Desta vez, acho que a maldição do [Celso] Furtado, que era desenvolvimento junto com subdesenvolvimento, pode terminar.

Na indústria, a parte de capital estrangeiro em geral não faz desenvolvimento tecnólogico, traz da matriz, o que é um problema. Mas, como a divisão internacional do trabalho está mudando, também há a tendência de adaptar produtos a cada mercado em que as empresas estão instaladas.

Quanto à indústria nacional, o Ministério de Ciência e Tecnologia e a Finep [Financiadora de Estudos e Projetos] continuam fazendo o que podem para fazer semeadura de tecnologia, sobretudo na pequena e na média empresas. O BNDES faz também para a grande empresa, até porque ninguém acredita que seja possível competir lá fora sem isso. Se não tivéssemos tido avanço tecnológico em aços especiais, claro que a Gerdau não estaria com filiais até nos EUA.

Eu tenho trabalhado na questão da internacionalização do capital, e tenho a impressão que por esse lado não estamos tão mal. O nosso problema é fechar a brecha entre o desenvolvimento e o subdesenvolvimento nosso, que é menos problema do que para a China e para a Índia.

São situações muito díspares. Não tem centro e periferia como antes. Tem países de desenvolvimento intermediário, entre os quais estamos. A Rússia sim desmantelou a indústria toda. Só exporta gás e petróleo. Isso é que é uma situação ruim. Está lá no Bric [Brasil, Rússia, Índia e China] um pouco fora de propósito.

A discussão agricultura versus indústria é datada, do pós-Segunda Guerra. Ninguém vai fazer uma opção por um outro. Precisa de agricultura familiar, de agrobusiness, da indústria de transformação.

Agora, estou de acordo que, na indústria eletroeletrônica, por causa da Zona Franca de Manaus, montamos uma fábrica de montagem e não avançou ainda. Mas vai avançar, não tem dúvida. Até porque o BNDES tem política setorial, como na farmacêutica e na química.

FOLHA - E a acusação de que o governo Lula escolhe as empresas beneficiadas?

CONCEIÇÃO - Política industrial só horizontal não vai para lugar nenhum. Tem que continuar as horizontais, mas tem que fazer as setoriais. Se não escolher setores e empresas, não avança. Não estamos num mundo de concorrência perfeita. Estamos num mundo monopolista. Se não tiver grande empresa aqui, não vamos para lugar nenhum.

FOLHA - O período do livro é caracterizado como a "modernização conservadora" do Brasil. O Brasil ainda vive esse fenômeno ou pode acertar contas nesse ponto?

CONCEIÇÃO - A parte da modernização conservadora que diz respeito ao grande capital, bancário, industrial, uma parte das construturas, vive. Grande capital é grande capital, está pouco se lixando para ideologia. É conservador no sentido de que não teve uma democratização da propriedade.

FOLHA - Não teve reforma agrária.

CONCEIÇÃO - Tem que terminar, com a pequena produção agrícola independente, e a pequena e a média empresas com tecnologia e apoio. Essa ideia do cartão BNDES, que aliás foi o Lessa que inventou, com o qual se pode pedir R$ 1 milhão para fazer uma padaria, montar uma pequena empresa. O Lessa botou o BNDES outra vez no espírito de ser um banco de desenvolvimento. No governo de Fernando Henrique, era só um banco da privataria. Só não foi ameaçado porque tem a indústria que demanda recursos.

FOLHA - A senhora está otimista, então?

CONCEIÇÃO - Pela primeira vez na história do Brasil não há uma crise da dívida externa. Em segundo lugar, voltamos a usar o BNDES, desde o começo do governo Lula, para promover o desenvolvimento. A coisa social mudou também radicalmente. Consolidou-se a inflação baixa, não precisa ter taxa de juros lá em cima para que ela caia. Está estabilizada.
Isso muda tudo, porque a inflação é uma praga para os salários. O pessoal da esquerda não levava isso em conta, o que era uma asneira. Com inflação, nenhuma política salarial resolve. Lembra que tinha indexação dos salários e a inflação corria na frente.

Estamos numa situação bem melhor do que nunca estivemos desde a década de 30. E também com estabilidade política, por mais que façam esse banzé. Se você afirmou a democracia, se está afirmando as políticas sociais, se está continuando a política industrial, eu estou otimista, pela primeira vez, para dizer a verdade, porque em geral sou pessimista. Espero não me equivocar, mas, também, se me equivocar não vou estar viva para ver.

FOLHA - E como a sra. vê a situação dos EUA?

CONCEIÇÃO - Estou com os keynesianos de lá, como o [Paul] Krugman. Acho que fizeram pouco e mal feito. Mas isso não é culpa do presidente. Ele tem um Congresso desvairadamente conservador.

Isso sim me preocupa [no Brasil]. O pessoal só presta atenção na eleição para a Presidência, mas é importante ver o Congresso. Vamos ver se dá um Senado um pouco melhor, mas de qualquer maneira a capacidade de negociação continua. Nisso o velho [economista ortodoxo Otavio Gouveia de] Bulhões [1906-1990], meu mestre antigo, tinha razão, que o Executivo é mais forte, mas para fazer reformas tem que passar pelo Congresso.

Algumas coisas, como reforma tributária e política, dependem do Congresso, e em geral os congressistas não querem mudar o status quo. São reformas que eu vejo que são importantes, e que o Congresso provalmente vai continuar no chove não molha. Vamos ver se a gente consegue.

FOLHA - Mas a reforma tributária deve reduzir a carga como proporção do PIB ou a natureza dos impostos?

CONCEIÇÃO - Como vai mudar a carga sobre o PIB, com as demandas de política pública que você precisa fazer? Não, tem que mudar a carga mal distribuída e a estrutura dos tributos, que é muito complexa, muito atrapalhada. Continua aquela briga entre os Estados sobre o ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias].

Hoje o Lula já sacou que precisa fazer aliança nos dois sentidos, com o PMDB para uns fins e com os partidos minoritários da esquerda para o outro. Acho que não está tão difícil como já esteve.

FOLHA - Mas a sra. acha que, qualquer que seja o sucessor do Lula, vai ter o jogo de cintura dele?

CONCEIÇÃO - Qualquer que seja é problema seu. Eu acho que já está decidido. Mas pode ser de novo que eu esteja otimista demais. O fato é que, com Dilma ou Serra, haverá o mesmo problema no Congresso, essas duas reformas serão difíceis. Depende de quem eles botarem para ser o negociador com o Congresso.

Evidente que a capacidade do Lula ninguém vai ter mais neste país, porque o único com capacidade semelhante foi o Vargas. Acabou mal, coitado, o que não é o caso do Lula, que negociou durante oito anos e está terminando muito bem. Isso também é uma novidade. Você já viu algum presidente que veio do povo como esse, apesar de todos os percalços e denúncias, ter conseguido isso? Além do fato de hoje o Brasil estar no cenário internacional graças a ele.

São coisas que, para mim, marcam uma mudança e uma transição. Estou convencida de que estamos numa transição e que efetivamente, ganhe quem ganhe, não vão arrebentar com o Brasil, embora eu prefira a Dilma porque conheço o caráter progressista dela e o Serra ficou mais conservador.

ISTO É O BRASIL!!!

UM em cada CINCO brasileiros se enquadra na categoria de analfabeto funcional.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

O Brasil de amanhã.

O Brasil vivencia hoje uma intensa campanha eleitoral, momento esse no qual os candidatos deveriam debater os inúmeros problemas que existem no país. Na realidade o que existe é uma tremenda troca de acusações entre governo e oposição sobre questões que não traz solução as graves dificuldades que o país possui. O presidente da república, ao invés de ser um magistrado, empenha-se na campanha como se ele próprio fosse candidato a sua segunda reeleição. É um período de verdadeiras baixarias, onde quem perde é a própria sociedade.

Apesar de o Brasil continuar neste ano de 2010 com sua economia em ritmo de crescimento, onde o Banco Central já prevê para este ano um crescimento asiático de 7,34%, os pilares da economia necessitam de maior atenção do poder público que, atualmente, no alto de uma popularidade presidencial de quase 80%, dedica-se tão somente a fazer da campanha eleitoral um palco para batalhas.

É bastante claro que num período eleitoral, com o Brasil em crescimento econômico semelhante ao tempo do “Milagre Econômico” nos anos 70 e com um presidente popular, a situação econômica para 2011 não seja divulgada como deveria. Na realidade, o sucessor do presidente receberá um país com sérios desequilíbrios econômicos, onde “terá que decidir entre aumentar a carga tributária e cortar os reajustes do salário mínimo”, medidas totalmente impopulares e que o atual governo não pensa em realizar, apesar da necessidade detectada em estudos dos economistas Samuel Pessoa, da FGV, e Mansueto de Almeida, do IPEA.

A economia brasileira conseguiu, com sucesso, receber os estragos causados pela crise de setembro/2008, sendo um dos últimos países a entrar e dos primeiros a sair. Para isso foram utilizadas várias medidas, como o forte estímulo ao crédito, porém deixaram de fora outras situações que não devem ser relegadas a um segundo plano. O governo não deve esquecer a situação fiscal que ocorreu recentemente em diversos países da Europa e deixar ao sucessor um explosivo déficit nas contas públicas. É inquietante saber que a área econômica do governo tinha até 2012 para equilibrar as receitas com as despesas e agora, no auge da campanha eleitoral, esse prazo passou para 2014.

O país tem tudo para crescer sustentável nos próximos anos. Afinal, o Brasil sediará em 2014 as Olimpíadas e em 2016 a Copa do Mundo, situações onde muitos projetos demandarão valores elevados em investimentos. No entanto, o que se observa nos últimos meses é um retorno a um projeto governamental de uma economia estatizante. Esse filme já foi visto por aqui e o resultado foi dos piores possíveis. É necessário que no Brasil o livre mercado continue atuando fortemente, pois como citou recentemente o economista Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central, “nosso crescimento ainda está um pouco abaixo do potencial e excessivamente dependente do consumo.” Se o atual governo não fizer bem a sua parte, mantendo as políticas macroeconômicas herdadas do governo anterior e que beneficiaram em grande parte o atual presidente, o futuro morador do Palácio do Planalto terá que enfrentar muito trabalho pela frente, com contrariedade para toda a população.

domingo, 5 de setembro de 2010

A ECONOMIA BRASILEIRA PRÉ 2011.

Nesta época de eleição, para quem ainda está indeciso, gostei desta entrevista à Folha, do economista RICARDO HAUSMANN, diretor do Centro para o Desenvolvimento Internacional da Universidade Harvard e um dos mais respeitados especialistas em teoria do desenvolvimento econômico.

FOLHA - Houve avanços desde que o sr. escreveu sobre as barreiras ao crescimento no Brasil em 2008?

RICARDO HAUSMANN - Talvez você se lembre que [no estudo] eu era otimista sobre muitos aspectos estruturais do Brasil. O Brasil tem um setor privado muito forte, tem muito potencial de crescimento do investimento em muitas áreas promissoras.
Mas, nos anos de boom antes da crise de 2008, o Brasil era um dos países que cresciam às menores taxas na América Latina.
Minha avaliação era a de que isso se devia a uma taxa baixa de poupança doméstica, que exigia taxas de juros ridiculamente altas para evitar que a economia tivesse um aquecimento excessivo.
Aí veio a crise e o governo respondeu com políticas anticíclicas. Aumentou significativamente a oferta de crédito via BNDES e Banco do Brasil em um momento em que havia uma parada cardíaca financeira.
Diria que, de forma geral, a crise foi bem administrada. Mas o principal problema com muitos países, e o Brasil é um exemplo, é que, quando as coisas começam a parecer bem, eles se tornam arrogantes. Passam a acreditar num mundo de fantasia.

O que o sr. quer dizer com mundo de fantasia?

Só porque o Brasil teve por um trimestre uma taxa de crescimento acima de 7%, o Brasil agora é a nova China e o Lula é um gênio das finanças, e todos os problemas anteriores não existem mais porque o Brasil é um país diferente.
Há toda uma narrativa que tem sido criada por conta de alguns bons trimestres no Brasil que pode levar a políticas macroeconômicas muito inconvenientes. Essa narrativa é particularmente conveniente na época de eleições.
A primeira coisa que já está acontecendo é que a Selic [taxa de juros básica da economia] está subindo. Se você quisesse que a Selic aumentasse menos, a ideia seria compensar com políticas fiscais e de empréstimo pelo setor público mais estritas.
Porque, de certa forma, o Brasil é um país esquizofrênico. Você tem uma política fiscal em que o BNDES tem o pé no acelerador e o Banco Central tem o pé no freio.
Essas combinações são particularmente perigosas porque deixam a Selic muito alta em um período em que as taxas de juros globais estão muito baixas.
Isso leva os investidores a pegar dinheiro emprestado em dólares, em ienes ou em euros para colocar dinheiro no Brasil, o que gera uma forte apreciação da taxa de juros e a possibilidade de desindustrialização.

Alguns defensores da atuação recente do BNDES citam países da Ásia que atingiram altas taxas de crescimento sustentado por meio de políticas industriais. O que o sr. acha desse paralelo?

Não tenho problemas com políticas que complementam o setor financeiro, viabilizando a disponibilidade de crédito para investimentos em áreas difíceis da economia.
Não sou, de forma alguma, crítico em relação à contribuição potencial do BNDES para o desenvolvimento do país. Mas é uma organização que foi desenvolvida na época da inflação alta para proteger a economia das taxas de juros reais muito altas.
A inflação não é mais um problema no Brasil.
Seria possível que o BNDES mantivesse o foco de sua política em empréstimos para investimentos municipais, investimentos de longo prazo, apoiando pequenas e médias empresas, mas a uma taxa de juros que refletisse a Selic e não a uma taxa de juros que é muito inferior à Selic, que cria a distorção de gerar demanda excessiva pelos fundos que o BNDES tem de gerenciar.

O sr. vê o crescente deficit em conta-corrente do Brasil, em tempos recentes, como um problema?

A deterioração do deficit em conta-corrente indica que a expansão do gasto no Brasil é mais rápida do que a expansão da produção.
O efeito disso é apreciar a taxa de câmbio, desestimulando as atividades exportadoras, para liberar recursos produtivos para atender a esse boom temporário do consumo. Todas as indicações são de que as condições fiscais e a política financeira do setor público são excessivamente expansionistas. Isso vai causar prejuízo para as perspectivas de crescimento de longo prazo do Brasil.

A economia brasileira ainda é bastante fechada ao comércio exterior. Isso limita o crescimento de longo prazo?

Acho que o Brasil tem os produtos com os quais poderia ter uma presença muito maior no comércio internacional. Vocês são gigantes em agricultura, em mineração. Têm uma presença marcante na produção de aeronaves. Há uma atividade industrial vasta que poderia gerar uma presença muito maior. Mas a administração macro no Brasil tem sempre conspirado contra o potencial de longo prazo.

E isso continua acontecendo?

Na minha opinião, está piorando. Quando o Lula foi eleito, em 2002, houve uma crise econômica e ele foi muito cuidadoso ao dar confiança ao setor privado.
Agora, eles começaram a pensar que sabem mais e estão menos dispostos a serem cuidadosos. Estão se tornando mais ideológicos.
Do ponto de vista econômico, as políticas são insustentáveis como as adotadas na diplomacia.
Agora que o Brasil é grande, pode ir para a cama com o Ahmadinejad [Mahmoud Ahmadinejad, presidente do Irã] no Irã ou hospedar o Zelaya [Manuel Zelaya, ex-presidente de Honduras deposto em junho de 2009] na sua embaixada em Honduras etc.
É uma atitude de que agora o país é independente, um poder diferente, e, portanto, pode confrontar o senso comum. Esse tipo de arrogância na política externa tem sido desastrosa.
E esse tipo de arrogância tem o perigo de ser igualmente desastrosa para a administração macroeconômica.

As pesquisas de intenção de voto mostram grandes chances de vitória da candidata do presidente Lula. O sr. acha que isso levará a uma continuação dessas políticas que o sr. critica?

Todo mundo sabe que o presidente Lula tem sido superpopular e ele construiu um capital político enorme. Mas esse capital político enorme não se traduziu em nenhuma reforma significativa durante seu segundo mandato [2007-2010].
Ele não tem nada a mostrar em termos de ter resolvido problemas antigos relacionados à baixa taxa de poupança, ao sistema de previdência, à infraestrutura, a ter uma estrutura tributária mais normal e funcional.
Apesar do seu enorme capital político, ele não foi capaz de fazer nenhuma reforma significativa como as feitas pelo antecessor dele.
E, recentemente, ele tem se movido na direção contrária. A grande sorte do presidente Lula foi ter tido um ótimo antecessor [FHC]. Mas o próximo presidente do Brasil não terá a mesma sorte.

ESCOLA ECONÔMICA: NEOLIBERAL.

Na ÉPOCA desta semana, uma excelente entrevista com o colega GUSTAVO FRANCO, que está lançando “CARTAS A UM JOVEM ECONOMISTA”, texto de leitura obrigatória para economistas ou admiradores da Economia. Na entrevista, já temos uma aula de economia, numa linguagem direta e exata.

ÉPOCA – Em seu novo livro, o senhor diz que a economia é um assunto complexo e que, muita vezes, os economistas a complicam ainda mais. Por quê?

Gustavo Franco – O problema é a comunicação. Primeiro, porque você precisa do vocabulário próprio do saber especializado. É como os médicos. Eles têm um idioma próprio que permite concentrar muita substância em poucas palavras. Segundo, porque é um assunto realmente difícil. E muitos profissionais têm o pudor de não usar analogias do tipo “o país é como se fosse uma família, que tem um orçamento doméstico”. Isso não tem nada a ver. O pudor em usar a simplificação em excesso faz o profissional ser cuidadoso na forma de se expressar – e acho que isso é correto. Agora, é curioso que as pessoas admitam isso do médico, do dentista, mas não do economista, porque é um assunto que todo mundo acha que entende.

ÉPOCA – Em um aspecto as pessoas são tolerantes com os economistas, mas não admitem nos médicos: os erros. Por que os economistas erram tanto?

Franco – Os médicos também erram muito. O tipo de realidade com a qual o economista lida é diferente. Compare, por exemplo, um economista com um físico que quer fazer a previsão do tempo. Ele não é nem capaz de dizer se amanhã vai chover. Não é que as leis da física não funcionem. É que os sistemas que ele examina, com os instrumentos de computação e tecnologia de que dispõe, não lhe permitem previsões. Na economia, é a mesma coisa. A gente erra igualzinho a qualquer outro profissional que se empenhe em prever o futuro.

ÉPOCA – O senhor diz que, se pudesse escolher um lema para a profissão, escolheria “Não há almoço grátis”, de Milton Friedman. O que há de tão importante nisso?

Franco – Ele combina uma tonalidade mundana com algo com o qual cada um de nós está envolvido o tempo todo. Em nosso cotidiano, há dez situações que acontecem durante o dia em que você pode verificar que não há almoço grátis. Tem de fazer escolhas. Tem de escolher entre ficar com o dinheiro e comprar alguma coisa, entre comprar uma bicicleta ou um casaco. São situações em que você não pode escolher as duas coisas. Senão, seria moleza, não teria graça.

ÉPOCA – O senhor fala também sobre as patrulhas que existiam no ensino da economia no país quando era estudante, nos anos 70 e 80. Isso ainda existe hoje?

Franco – Quando eu era estudante, existia mais nitidez em relação às escolas de pensamento, principalmente no campo doutrinário. Hoje, não. Desapareceu aquela situação que havia antes da queda do Muro de Berlim, em que você tinha o economista de esquerda e o chamado economista burguês. Hoje, ainda se tenta manter viva essa lenda criando a noção de que há a Escola Neoliberal e os outros. Acho que isso não existe mais. As diferenças são mais questões de embalagem, nuances. No Brasil, se você analisar a atuação do Banco Central no governo Lula, não vai achar uma diferença relevante do que era o Banco Central no governo Fernando Henrique Cardoso. Mesmo assim, você sempre vai ter economistas marxistas. É um tipo de pensamento econômico que só sobrevive como curiosidade e só deve ser olhado como medicina alternativa. Não vai ajudá-lo a pensar sobre o mundo atual.

ÉPOCA – O senhor diz que, no Brasil, havia um patrulhamento e um grande preconceito na academia contra os economistas internacionais que enfatizavam o papel da matemática. Isso também se diluiu hoje?

Franco – Existem dois tipos de patrulha. A mais badalada, que é a ideológica, é menos importante. A mais importante é a patrulha dos amadores. É qualquer pessoa que, quando está diante de um economista, duvida que ele saiba qualquer coisa sobre economia que quem não é economista já não tenha descoberto, com base na experiência do dia a dia. Muita gente acredita que não é necessário ser um economista profissional, que qualquer pessoa pode entender a economia – e não é assim. Na medicina, se o sujeito for se meter a médico sem se formar, ele pode ir em cana. Na economia, o tempo todo surge um monte de entendidos que falam bobagem.

ÉPOCA – Qual é o maior desafio da economia brasileira para o próximo presidente?

Franco – É o crescimento, sem dúvida. Nosso crescimento ainda está um pouco abaixo do potencial e excessivamente dependente do consumo. Está destinado, portanto, a ser baixo. Esse é o grande desafio, a elevação do investimento. Vai haver diferenças de opinião sobre a melhor forma de fazer isso, e espero que a campanha eleitoral ajude a esclarecer a população.

ÉPOCA – O senhor tem sido um crítico duro dos gastos públicos no atual governo. Isso deve ser uma das prioridades do novo presidente?

Franco – Sem dúvida. Hoje, ao contrário do que acontecia na época da inflação elevada, o governo tem de lidar com uma espécie de avaliação da solidez e da consistência da política econômica pelo mercado, em tempo real. Quando o governo erra, as coisas começam a pesar quase imediatamente. No Brasil, na época do Delfim (Netto, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento), o governo podia fazer bobagem durante anos. Não tinha mercado, não tinha liberdade de imprensa. Era um mundo diferente. Agora, com a globalização, a movimentação de capitais serve como um plebiscito contínuo. Isso acaba levando o governo a fazer as coisas certas. Posso até afirmar que algumas coisas feitas pelo presidente Lula não foram feitas por convicção, mas por causa desse entorno.

NOTÍCIAS DA FLORESTA AMAZÔNICA!!!

Aos meus dois leitores – que ainda espero estejam comigo, continuo no estaleiro, porém com otimismo para retornar em breve as minhas atividades.

Da coluna do CLAUDIO DE MOURA CASTRO na VEJA, um frase do EINSTEIN, para iniciarmos mais uma semana: “APENAS DUAS COISAS SÃO INFINITAS, O UNIVERSO E A ESTUPIDEZ HUMANA.”

E a seguinte, que li quando da visita em São Paulo à exposição do KEITH HARING: “I LIVE EVERYDAY AS IF IT WERE MY LAST. I LOVE LIFE.”

De qualquer maneira ficar distante do que vem ocorrendo no Brasil durante uns dias - principalmente neste período eleitoral - é um bálsamo, uma vez que o que me contam causa-me aborrecimento.

A importância de debater o PIB nas eleições 2022.

Desde o início deste 2022 percebemos um ano complicado tanto na área econômica como na política. Temos um ano com eleições para presidente, ...