Recente editorial do ESTADÃO e a análise da economia brasileira com base em relatório do FMI.
A piora da imagem econômica do Brasil, até há pouco tempo um país bem
visto e até na moda, é confirmada por mais um relatório desfavorável, desta vez
publicado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). No dia anterior,
terça-feira, um amplo e bem fundamentado estudo crítico havia sido apresentado
em Brasília pelo secretário-geral da Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OGDE), Angel Gurría. Os dois estudos apontam a
deterioração das contas públicas, a resistência da inflação, o baixo nível de
investimentos, o mau estado da infraestrutura, a redução do crescimento
econômico potencial e a perda do poder de competição.
Mas há uma diferença política na história da produção e da divulgação
dos dois documentos. O governo brasileiro contestou e conseguiu atrasar a
divulgação do trabalho do FMI. A missão esteve no Brasil em maio, as
informações foram atualizadas em julho e o material só foi posto no portal da
instituição nessa quarta-feira.
A avaliação menos positiva da situação brasileira, com ênfase na
inflação alta, nas restrições da oferta e nas incertezas políticas, já havia
ficado evidente na assembleia anual, no começo do mês, quando saiu o Panorama
Econômico Mundial, a principal publicação periódica do Fundo. O relatório
apresentado nessa quarta-feira faz parte de outra rotina - a revisão ampla,
geralmente anual, das condições e perspectivas econômicas da maior parte dos
188 países-membros.
Segundo o FMI, o Brasil poderá crescer em média 3,5% ao ano, até 2018,
sem desajustes, se forem executados os programas de investimento anunciados
pelo governo e houver ganhos de produtividade. Sem isso, o potencial ficará
mais próximo de 3%. Esse conceito indica a possibilidade de expansão econômica
sem acumulação de pressões inflacionárias e outros desarranjos.
Mas as projeções do FMI para a inflação brasileira já são pouco
favoráveis e apontam a permanência de taxas próximas de 5,75% neste ano e em
2014 e só depois uma convergência gradual para a meta (4,5%). A lentidão da
melhora refletirá a demora entre os novos investimentos e a expansão da
capacidade produtiva, o continuado aperto no mercado de trabalho, algum efeito
da depreciação cambial e um aparente aumento da inércia inflacionária
(associada à indexação de aluguéis, salários e outros preços).
A referência à capacidade de oferta remete indiretamente ao excesso de
demanda, especialmente de consumo, uma consequência do alto nível de emprego, do
aumento da renda familiar, da expansão do crédito e, naturalmente, da despesa
pública. A pressão do consumo é indicada também pelo encarecimento dos
"não comercializáveis", como os serviços, segundo o relatório. Os
preços são afetados pelo lado dos custos, um problema exemplificado pelos
aumentos salariais superiores aos ganhos de produtividade.
O documento aponta de forma inequívoca a piora das contas públicas e
chama a atenção para os meios usados pelo governo para fechar seu balanço, como
os descontos de valores investidos e o recurso a receitas extraordinárias. Os
autores poderiam ter ido mais longe na descrição da internacionalmente famosa
contabilidade criativa, mas foram diplomáticos ao citar os arranjos especiais.
Recomendaram, no entanto, o cumprimento efetivo da meta de cerca de 3%
do PIB, nos próximos anos, sem o uso de ajustes contábeis e de "operações
extraordinárias", para obter uma firme redução do endividamento bruto do
setor público. Ao examinar o aumento da dívida, os autores do relatório o
relacionam às transferências do Tesouro ao BNDES e a outras instituições
públicas.
A ênfase na dívida bruta é uma das diferenças entre a análise do FMI e o
discurso governamental brasileiro. As contas do FMI continuam mostrando, no
caso do Brasil, um endividamento - cerca de 68% do PIB - bem maior que o da
média dos emergentes, em torno de 35%. O governo insiste em gastar mais tempo
na discussão desse tema do que na melhora de suas contas em evidente
deterioração.