Li recentemente no site do Banco ITAÚ uma excelente
entrevista com o Ilan Goldfajn, economista-chefe do Itaú Unibanco. A matéria é
extremamente rica e importante para a leitura e avaliação dos colegas, bem como
para entendermos o que acontece e pode acontecer com a economia brasileira.
Boa leitura aos meus dois (milhões de) ainda fiéis
leitores.
O risco cada vez mais iminente da adoção de
racionamento de energia e a crise na Petrobras podem levar o Brasil a registrar
retração de 1% do PIB em 2015, prevê Ilan Goldfajn, economista-chefe do Itaú
Unibanco. Para Goldfajn, que foi diretor de Política Econômica do BC
(2000-2003) e economista do FMI (1996-1999), o país vive uma "turbulência
perfeita" com uma série de notícias negativas que mantém os índices de
confiança baixos e dificultam a retomada dos investimentos. A seguir, os
principais trechos da entrevista.
Valor: Qual a perspectiva para o crescimento do PIB neste
ano?
Ilan Goldfajn: Basicamente o que estamos observando é uma conjunção de fatores que
devem levar a um crescimento negativo (recessão) neste ano. Dos fatores
importantes para essa desaceleração, o primeiro é que os índices de confiança
estão muito baixos, não estamos vendo uma retomada do investimento. Tínhamos a
esperança que, na medida em que se tem o começo do segundo mandato, o
investimento pudesse retomar, mas isso não aconteceu. Isso tem a ver também com
a questão da Petrobras, com os problemas políticos que dificultam ter uma visão
mais clara sobre o que vem pela frente. Além disso, há impactos diretos de
algumas variáveis, por exemplo, no setor de petróleo devemos ter menos
investimentos. Os setores de construção e infraestrutura provavelmente terão
algum impacto de menor produção também, nem que seja na reorganização de novos
projetos, que vão demorar para começar. Considerando esses fatores, revisamos a
projeção para o PIB de 0% para - 0,5%. Mas não para por aí, temos o risco de
racionamento de energia elétrica e de água [no Estado de São Paulo]. O
racionamento de energia elétrica tem impacto no PIB, o de água é mais difícil
de calcular. Mas fazendo a nossa melhor estimativa, se for decretado
racionamento de energia, pode ter uma queda de mais 0,5% do PIB, levando a uma
retração de 1% em 2015. É um começo do que, até brinco, seria uma turbulência
perfeita. São os riscos se materializando.
Valor: Qual o impacto da crise da Petrobras e da Operação
Lava-Jato para o PIB e para o resultado fiscal?
Goldfajn: A Petrobras é a maior
empresa do setor de petróleo. De forma geral no setor, estimamos queda de 20%
nos investimentos e de 15% na produção. Já do lado fiscal, o impacto tem de ser
calculado. Você produz menos, tem menos dividendos, menos royalties.
Valor: A troca de comando na Petrobras será suficiente
para retomar a credibilidade junto aos investidores?
Goldfajn: Para ter
aumento de confiança, tem de ter confiança em tudo. A questão dos escândalos,
das dúvidas, dos problemas legais afetam o investimento. Temos de levar em
consideração que os processos legais, que são feitos de forma institucional,
reforçam a democracia, as instituições e, lá na frente, podem contribuir para
um país mais forte. No caso, não é uma questão só de substituição de nomes, mas
de mostrar que de fato há uma mudança na gestão, que a empresa começa a dar a
volta por cima e isso é relevante.
Valor: O governo conseguirá entregar a meta de superávit primário de 1,2% do
PIB neste ano?
Goldfajn: Há um desafio
extra. Quando a meta para este ano foi anunciada, o déficit esperado para o ano
passado era perto de 0%. Nós tínhamos 0,2% do PIB. O resultado do ano passado
foi negativo em 0,6%, ou seja, estamos falando de uma diferença de 0,8%. Para
uma mesma meta de 1,2%, você precisava fazer 1% de ajuste e agora precisa fazer
1,8%. É um desafio grande. Agora, eu vejo a equipe econômica comprometida em
atingir a meta, comprometida em reduzir o déficit primário para um superávit
primário, em reduzir o déficit nominal que foi 6,3%, um dos maiores do mundo no
ano passado, preocupada com a dinâmica da dívida bruta e em levá-la para baixo.
A minha expectativa é que venham mais medidas. O governo vai cortar despesa
corrente, investimento, aumentar tributos, tudo isso que já está aí, na
esperança de lá na frente retomar o crescimento.
Valor: Há a possibilidade de retomar o crescimento em 2016?
Goldfajn: Acho que 2016
ainda está no jogo. Prevemos que o PIB pode crescer em torno de 1%, se o
governo conseguir a retomada. Mas tem que ter todo mundo comprometido e outras
medidas, como reformas, melhorar a produtividade, reduzir o custo de se fazer
negócios, ou seja, a retomada da credibilidade fiscal é importantíssima, mas
para crescer em 2016 é preciso mais do que isso.
Valor: Qual o cenário para inflação neste ano? O BC conseguirá alcançar o
objetivo de levar a inflação para perto do centro da meta em 2016?
Goldfajn: Acho que este ano, com um aumento dos preços
administrados acima de 10%, vai ser difícil ficar com inflação abaixo do teto
da meta de 6,5%, nossa projeção é de 7,1%. Mas uma parte dessa expectativa tem
a ver com o aumento de 30% a 40% de energia elétrica. Esse aumento já reflete a
escassez de energia. Por outro lado, quando você olha os preços livres, os preços
de serviços, eles já estão começando a ir na direção correta, ou seja, já
começa a se imaginar que a partir de 2016 a inflação começa a convergir.
Estamos prevendo inflação abaixo de 5,5% para 2016, porque hoje há uma demanda
muito menor, uma economia crescendo abaixo do potencial, um cenário
internacional desinflacionário, com quase todos os bancos centrais reduzindo
juros, estimulando a economia através de programas de quantitative easing
[afrouxamento monetário] como o do Banco Central Europeu. No entanto, temos uma
corcova dos preços administrados. Hoje estamos pagando pela política de
congelamento de preços que se adotou nos últimos anos. Desta forma, nosso
cenário é de elevação final de 0,25 ponto percentual da taxa básica de juros na
próxima reunião do Comitê de Política Monetária [Copom], levando a taxa Selic
para 12,50%.
Valor: Na semana passada foi anunciada a mudança na
diretoria do BC, com saída do diretor de Política Econômica, Carlos Hamilton, e
a indicação de um executivo de mercado, Tony Volpon. O que esperar da nova
diretoria?
Goldfajn: As decisões
vão continuar sendo tomadas por um comitê, a mudança de um outro membro não tem
essa força toda, para mudar completamente a forma de pensar. Quem está ocupando
a diretoria de Política Econômica é alguém que já estava lá [Luiz Awazu Pereira
da Silva], a diretoria tem dois novos membros, acho que são bem-vindos. Voltar
a ter um membro que vem do mercado é bem-vindo, mas não vejo nem melhor nem
pior que um membro bom dos quadros do BC. O Carlos Hamilton foi um diretor
muito bom. Ele não se furtou a contribuir, sempre estava disposto a ter um
diálogo aberto com todas as frentes da sociedade. Tenho certeza que foi um
colega que sempre contribuiu com o resto dos membros e também não se furtou a
discordar quando foi necessário, e essa característica é interessante manter.
Valor: O sr. esteve em Davos, no Fórum Econômico. Qual a avaliação da percepção
dos investidores estrangeiros em relação ao Brasil?
Goldfajn: A minha
impressão é que a recepção à equipe econômica foi muito boa, o discurso foi
muito bom, abriu-se espaço para a volta da confiança. Agora, logo depois de
Davos tivemos vários choques aqui, a tempestade perfeita, desde racionamento, à
questão da Lava-Jato, do déficit [fiscal]. Então, há uma confiança maior na
equipe econômica e há a percepção de mais dificuldade com respeito à realidade.
Agora, um fator que todos nos perguntaram é o apoio do conjunto do governo a
essas medidas [fiscais], não só da equipe econômica, mas do resto dos
ministros, presidente, dos partidos de coalização. E isso é relevante para
confiança. A aprovação das medidas no Congresso vai ser muito importante como
primeiro sinal.
Valor: Como o sr. avalia o risco de um rebaixamento do rating do Brasil após o
anúncio das medidas fiscais?
Goldfajn: Eu diria que assim que foram anunciadas a meta e as
medidas fiscais, as agências de classificação de risco ficaram mais relaxadas.
Começou o ano, os números piores do ano passado vieram e acendeu o alerta de
volta. Na medida em que começa a ficar difícil atingir a meta, porque no ano
passado foi a festa fiscal, faz com que mesmo com todos os esforços fique
alguma dúvida sobre a capacidade de atingir [a meta], e, portanto, dúvida com
relação às agências.
Valor: Na semana passada, o ministro da Fazenda, Joaquim
Levy, trouxe dúvidas sobre a continuação das atuações do BC no câmbio. Há
espaço para reduzir as intervenções?
Goldfajn: Eu entendo que
no discurso em novembro, quando a equipe econômica foi anunciada, eles deixaram
claro que o estoque de proteção cambial, os famosos swaps e o hedge que estava
sendo vendido, em torno de US$ 100 bilhões é um tamanho adequado, e, portanto,
isso significa que não vai aumentar esse estoque muito mais, mas também não vai
reduzi-lo de forma acentuada. Acho que o mercado pode ter a tranquilidade que
algum estoque de proteção vai se manter, mas também de que esse estoque não é
infinito, que possa comprometer as finanças do BC e do resto do setor público.
Você pode manter o estoque rolando 100%, ou rolando 80% e com um programa
pequeno, mas a intenção de manter o estoque me parece parte relevante da
política cambial. De qualquer forma, não imagino o real se apreciando muito
mais ao longo do tempo. Acho que ele deve fechar o ano em R$ 2,90, caminhando
mais ou menos com a inflação.