No VALOR ECONÔMICO de hoje, Antonio Delfim Netto alerta para o “cuidado com os falcões.” Embora não concorde com grande parte do artigo, este blog publica por ter certeza que todo conhecimento é válido para uma discussão.
Nos últimos oito anos, a despeito das profundas mudanças no sentimento nacional, a economia brasileira cresceu muito pouco: cerca de 4% ao ano, praticamente o mesmo que a economia mundial (3,8%). Mas no período houve uma importante diferença como se vê na primeira tabela abaixo.
Ela explica-se, basicamente, por dois motivos: 1º) pela ênfase no Programa de Aceleração do Crescimento (o PAC) que reacendeu a partir de 2006 o "espírito animal" do próprio governo, dos trabalhadores e dos empresários que havia sido anestesiado pela falsa proposição (aceita pelo Banco Central sob o estímulo do sistema financeiro) que o "produto potencial" do Brasil permitia, apenas, um crescimento de 3,5% ao ano e, para não produzir uma aceleração da taxa de inflação, deveria praticar uma "taxa neutra" de juros real quase quatro vezes a mundial; e, 2º) pela maior rapidez com que o Brasil superou a crise produzida pelo desastroso comportamento do sistema financeiro internacional: no período 2008/09 o mundo cresceu em torno de 1% ao ano, e o Brasil cresceu em torno de 2,3%. Talvez uma visão um pouco melhor dos dois períodos possa ser apreciada na segunda tabela abaixo.
Nada recomenda ou exige, como afirmam alguns "falcões" do mercado financeiro, um ajuste dramático da situação fiscal e monetária. Algumas de suas sugestões são sensatas, como o controle das despesas de custeio e das transferências voluntárias, impondo-lhes um crescimento sistematicamente menor do que o do PIB. Outras são absurdas, como executar uma combinação de política fiscal super-restritiva, uma política monetária que racione o crédito com aumentos "musculosos" da taxa de juro real (colocando-a ainda mais longe da taxa de juro real do mundo) e liberdade para o câmbio valorizar-se "naturalmente", de acordo com os "fundamentais"... Infelizmente a taxa de câmbio (como um ativo financeiro) tem pouca relação "natural" com os "fundamentais"!
Muitos devem ter assistido a um desses "falcões", respeitado analista do mercado financeiro (que pretensiosamente acredita-se portador da "verdadeira" ciência econômica), afirmar num programa de televisão, que aquela "receita" é o "único caminho para reduzir o crescimento do PIB em 2011 para 3% e, assim, terminar o ano com uma inflação de 4,5%"... Ao contrário, o mais provável é que sua sugestão não apenas destruiria o "ajuste" (fiscal, monetário e cambial) que está sendo feito, como anestesiaria o ressuscitado "espírito animal" que tem animado o recente crescimento da economia.
Não deixa de ser um pouco extravagante a ideia que numa economia de mercado temos o poder de "fixar" o crescimento do PIB que desejamos. Este depende, basicamente, das "expectativas" sobre a demanda futura por parte dos empresários (que avaliam a oportunidade de novos investimentos) e dos trabalhadores (que avaliam a probabilidade e a qualidade de seu emprego), o que determina o nível de seu consumo.
Pode-se admitir que o governo cometeu alguns exageros e pecados veniais. Por exemplo, não ter eliminado todos os mecanismos de indexação quando a expectativa inflacionária estava bem ancorada nos 4,5% e não ter perseguido algumas reformas necessárias. Ou ter insistido (pela necessidade de dar maior velocidade à ampliação da demanda) numa política anticíclica de gastos correntes permanentes. A verdade, entretanto, é que ele levou o Brasil a superar mais rapidamente do que seus parceiros a crise internacional de 2008/09. Nada, afinal, que não possa ser corrigido com cuidadosas políticas fiscal, monetária e cambial críveis e bem coordenadas.
A inflação que está aí depende de fatores internos (de um aumento ainda não bem avaliado da demanda global sobre a oferta global, da estacionalidade, da acidentalidade, da fundamental e proposital redistribuição de renda que alterou a estrutura da demanda, da construção de monopólios protegidos na oferta de insumos básicos, da péssima qualidade dos serviços públicos que dissipam a produtividade do setor privado etc). E de fatores externos, como prova a co-variação da nossa taxa de inflação com relação à de todo o mundo emergente.