Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi. Escreveu este artigo especialmente para o Blog de Ricardo Noblat http://oglobo.globo.com/pais/noblat/.
Está em pleno andamento a campanha do
plebiscito sobre a divisão do Pará em dois novos estados. Marcado para o dia 11
de dezembro, nele a população paraense vai dizer se concorda com a criação dos
estados de Tapajós e Carajás.
A decisão será tomada pelo conjunto do
eleitorado do estado, algo que não tinha sido definido pelo Supremo Tribunal
Federal quando o projeto de lei sobre o assunto começou a tramitar. Foi em
agosto último que o ponto foi esclarecido.
A dúvida estava na interpretação do
significado do conceito constitucional de “população diretamente interessada”,
a que deve ser ouvida nas consultas sobre o desmembramento, a incorporação ou a
subdivisão de estados, para se anexarem a outros ou formarem novos.
Para uns, seria apenas a que reside no
território imediatamente afetado. Para outros, todo o universo dos eleitores do
estado teria que ser ouvido. Quase unanimemente, os ministros do STF ficaram
com o segundo entendimento.
A decisão do Supremo faz todo sentido,
mas foi recebida com tristeza pelos defensores da proposta. Temiam que os votos
dos moradores do que vem sendo chamado Novo Pará – a área que remanesceria do
atual estado e que inclui Belém e sua área metropolitana – inviabilizassem a
mudança.
Tinham razão, pois essa era a situação
de opinião que existia quando começou, na televisão e no rádio, semana passada,
a campanha das duas frentes - a do “Sim”, favorável à divisão, e a do “Não”,
contrária. De acordo com as pesquisas disponíveis, a maioria da população
paraense pretendia votar “não”.
Era pequena a vantagem do “não” e, como
acontece nas eleições onde só existem duas possibilidades de voto, instável. Se
apenas 8% dos eleitores mudassem do “não” para o “sim”, os novos estados seriam
criados.
O plebiscito paraense é relevante para a
“população diretamente interessada”, mas não só para ela. Ele permite uma
reflexão sobre o funcionamento de nossa democracia, assim como a respeito de
alguns preconceitos e incompreensões sobre a atividade política e o sistema de
representação.
Se o conjunto da população do Pará é
contra a criação dos novos estados, em Carajás e em Tapajós ela é quase totalmente
a favor. Embora as pesquisas variem, o apoio é da ordem de 80%, em proporções
basicamente iguais nas duas áreas.
Quando se pergunta o porquê desse maciço
desejo de emancipação, as respostas revelam um forte sentimento de abandono e
descaso. Quem vive nos municípios que fariam parte dos novos estados não se
sente representado através do establishment sediado em Belém.
Tampouco possui vínculos fortes com a
cultura e as tradições do Pará. Fruto da migração, parte expressiva da
população dessas regiões não compartilha uma identidade paraense profunda.
Em Belém e onde seria o “Novo” Pará, a
principal objeção é pragmática: a arrecadação cairia e o governo teria menos
recursos para investir em obras e ações que beneficiassem seus habitantes. Ou
seja: indiretamente, dá-se razão aos que lutam pelos novos estados.
Com as enormes mudanças demográficas das
últimas décadas, o Brasil de hoje nem sempre cabe nas fronteiras de nossa
divisão geopolítica tradicional. Particularmente na Amazônia e no Centro-Oeste,
faz pouco sentido querer que a maioria da população atual de algumas regiões
pense com os modelos antigos.
Sem contar a transformação de
Territórios Federais, foram criados, sem participação popular, de 1974 para cá,
dois novos estados (na verdade, três, pois houve, também, a fusão do antigo
estado do Rio de Janeiro com a Guanabara, dando origem ao atual estado do Rio
de Janeiro).
Em 1977, o Mato Grosso do Sul, por uma
Lei Complementar do governo Geisel, e, em 1988, o estado de Tocantins, como
disposição transitória da Constituição. Hoje, ninguém discute que essas
transformações trouxeram benefícios à população.
Há quem se insurja contra a proposta de
criar o Tapajós e Carajás fazendo a conta do custo de instalar e fazer
funcionar mais dois governos, duas representações parlamentares, dois
judiciários. Mas é um argumento frágil, quase sempre embalado com um sentimento
de aversão à política.
O que se ganha em democracia e na
possibilidade de melhorar o volume e a qualidade dos serviços públicos compensa
(com sobra) o preço que se paga.