Hoje, na FOLHA DE S. PAULO, Delfim Netto e seu comentário sobre as mudanças que devem ocorrer na análise econômica.
A crise
"surpresa" de 2008 tornou instantaneamente obsoletos livros e textos
de macroeconomia que se apoiavam em agentes abstratos. É tempo de grande
humildade para a profissão. É preciso cada vez mais cuidado com a tendência a
aviar "receitas" universais para a política econômica extraídas de
modelos que têm pouco a ver com a realidade.
Para mostrar que
não exagero, peço licença para transcrever dois pequenos textos de reconhecidas
autoridades. O primeiro é da "OECD Economic Outlook" (1/2007), cujo
departamento econômico possui dezenas de profissionais no "estado da
arte".
Diz o texto:
"No último 'Outlook', sugerimos que a desaceleração dos EUA não indicava
um período de fraqueza para a economia mundial, como aconteceu na crise de
2001. Pelo contrário, um 'rebalanceamento' cuidadoso deveria ser esperado, com
a Europa tomando a dianteira dos EUA em produzir o crescimento dos países da
OECD [OCDE]". E acrescenta: "Os recentes acontecimentos confirmaram
aquele prognóstico. De fato, a situação econômica é hoje, de muitas maneiras,
melhor do que a que temos tido há anos". Isso no segundo semestre de 2007,
só seis meses antes da tragédia!
O segundo é do
competente economista D. Acemoglu ("The Crisis of 2008 - Structural
Lessons for and from Economics", 1/2009): "Ainda que seja muito cedo
para dizer como o segundo semestre de 2008 comparecerá nos livros de história,
não pode haver a menor dúvida de que ele significará uma oportunidade crítica
para a economia. É uma oportunidade para nós - e aqui digo a maioria dos
economistas, entre os quais eu, infelizmente, me incluo - nos livrarmos de
certas ideias que nunca deveríamos ter aceitado. É também a oportunidade para
tomar alguma distância e refletir sobre o que temos aprendido com nossas investigações
teóricas e empíricas - separar as que não foram contaminadas pelos eventos
recentes - e perguntar se elas ainda podem nos guiar no debate atual sobre a
política econômica".
Quais seriam as
ideias nefastas a que se refere Acemoglu? Suspeito que uma delas é do Nobel
Robert Lucas: "A teoria econômica é análise matemática. Todo o resto é
figuração ou conversa" (Professional Memoir", 4/2001).
É fundamental que
se reconheça o imenso fracasso de nossas teorizações para que possamos
transcendê-las e começar a reconstruí-las com um ponto de vista diferente,
reconhecendo que devemos introjetar a heterogeneidade do comportamento dos
agentes que levam à sua auto-organização. Isso já está em marcha nos principais
centros de pesquisa, mas vai levar anos para ser incorporado aos livros e
textos, o que exigirá um esforço sério e redobrado dos nossos jovens
professores para antecipá-las para seus alunos.