SAMUEL PESSÔA, doutor em economia e pesquisador associado
do Instituto Brasileiro de Economia da FGV, em sua coluna na FOLHA DE S. PAULO, escreve que o superavit primário não é o conceito correto
para avaliar o impacto do setor público sobre a economia.
Peço
desculpas ao leitor, mas o tema hoje é particularmente aborrecido. Trata-se, no
entanto, de questão muito relevante para o adequado manejo da política
monetária.
No dia 25
passado, o Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central divulgou a ata
da 174ª reunião, que ocorrera em 16 e 17. Nessa oportunidade, o Copom decidira
(com dois votos contrários e seis favoráveis) que era o momento de iniciar um
ciclo de elevação dos juros. A taxa Selic foi elevada em 0,25 ponto percentual,
de 7,25% para 7,50%. Os interessados podem ler a ata no site do BC
(http://www.bcb.gov.br/?COPOM174).
No 16º
parágrafo, na seção "Avaliação prospectiva das tendências de
inflação", o Copom apresenta para a sociedade o valor com o qual trabalha
para o superavit primário consolidado do setor público.
Segue o
texto: "Em relação à política fiscal, considera-se como hipótese de
trabalho a geração de superavit primário de R$ 155,9 bilhões em 2013, conforme
os parâmetros da LDO-2913 (Lei de Diretrizes Orçamentárias). Para 2014,
admite-se, como hipótese de trabalho, a geração de superavit primário de R$
167,4 bilhões, conforme parâmetros constantes do PLDO-2014 (Projeto de Lei de
Diretrizes Orçamentárias)".
Ou seja, o
Copom considera em suas projeções que a meta cheia de superavit primário de
3,1% do PIB será observada.
O superavit
primário é a diferença entre a receita pública total e os gastos do setor
público exclusive juros. Se o primário for maior do que o pagamento de juros, a
dívida pública encolhe em termos absolutos. Se for menor, a dívida cresce.
Nesse último
caso, se o primário como proporção do PIB for maior que a diferença entre a
taxa de juros média que o setor público remunera sua dívida e a taxa de
crescimento do produto, a dívida como percentual do PIB reduz-se. A dívida
pública ano após ano tornar-se-á um fardo mais leve de ser carregado.
Ou seja, o
superavit primário é o conceito relevante para avaliarmos a evolução do
endividamento do setor público. Em particular, a receita pública que resulta da
venda pelo setor público de uma empresa ou de reservas petrolíferas aumenta o
superavit primário.
O problema é
que essa receita pública é diferente da receita de impostos. O imposto é uma
dedução da renda de um indivíduo. Assim, quando o setor público coleta renda de
um agente econômico por meio de um imposto, o setor público reduz a renda
disponível para o gasto desse agente. Com isso, o setor público contribui para
reduzir a demanda da economia.
Quando o
setor público vende uma empresa, não há redução de renda de ninguém. Alguém
tinha recursos monetários que foram transferidos ao setor público. Este, em
troca, transferiu a propriedade da empresa. Essa operação não altera a renda do
setor público nem a renda do setor privado.
Portanto, a
receita de privatização não reduz a renda do setor privado disponível para
gasto. Há diversas receitas que são contabilizadas no conceito de superavit
primário, mas que não contribuem para reduzir a demanda agregada.
Dado que a
preocupação do BC é com o controle da inflação, ele não deveria acompanhar o
superavit primário. Do ponto de vista do controle inflacionário, o BC tem que
saber qual é o balanço líquido entre as ações do setor público que reduzem a demanda,
por exemplo elevação dos impostos, e as ações que elevam a demanda, por exemplo
elevação do gasto público.
Além de o
superavit primário não ser o conceito correto para avaliar o impacto do setor
público sobre a demanda agregada na economia, há algumas possibilidades legais
que tornam a distância do primário de um indicador de demanda do setor público
ainda maior.
Por exemplo,
decidiu-se há alguns anos que os investimentos do PAC (Programa de Aceleração
do Crescimento) podem ser excluídos do cômputo do primário para efeitos de
atendimento da meta estabelecida em lei. Os gastos com o PAC, apesar dos
efeitos benéficos sobre a inflação no longo prazo, no curto prazo elevam a
demanda agregada e, portanto, devem ser considerados.
É urgente que
o BC construa um indicador do impacto do setor público sobre a demanda da
economia, divulgue sua metodologia e seu cenário para o indicador e o utilize
em suas projeções.