sábado, 13 de agosto de 2011

Hoje é o dia do Economista.



Parabéns a todos os colegas economistas pela comemoração do nosso dia. Também hoje comemoramos os 60 anos da lei que regulamentou a profissão e estabeleceu a criação dos Conselhos de Economia, o federal e os regionais. Ser economista é uma satisfação pessoal pela oportunidade que temos de melhor conhecer como funciona e caminha a humanidade, além de nos fazer formadores de opinião e defensores de ideias sempre visando o bem-estar da sociedade. Neste ano, na imagem do brilhante e genial MÁRIO HENRIQUE SIMONSEN, a minha homenagem a todos os colegas que fazem da economia a sua história de vida.  

A crise que foi feita refém.


PAUL KRUGMAN, hoje na FOLHA DE S. PAULO, escreve sobre A CRISE QUE FOI FEITA REFÉM.


A turbulência dos mercados assustou você? Você tem razão em estar com medo. Está claro que a crise econômica que começou em 2008 não acabou, de maneira alguma.


Mas há outra emoção que você deveria sentir: raiva. Pois estamos vendo o que acontece quando pessoas influentes exploram uma crise, em vez de tentar solucioná-la.


Há mais de um ano e meio, temos uma conversa pública que vem sendo dominada por preocupações com o Orçamento e, na maior parte do tempo, ignora o desemprego.


A necessidade supostamente urgente de reduzir deficits vem dominando o discurso a tal ponto que na segunda-feira, em meio a um pânico nos mercados, Obama dedicou a maior parte de suas observações ao deficit, em lugar de tratar do perigo imediato de recessão renovada.


O que tornou isso tão bizarro foi o fato de os mercados estarem assinalando, com a maior clareza possível, que nosso maior problema é o desemprego, e não o deficit.


Imediatamente após um rebaixamento da classificação de crédito dos EUA, algo que supostamente deveria assustar os investidores em títulos do governo, o que aconteceu de fato foi que esses juros mergulharam para níveis baixos recordes.


O que o mercado estava dizendo -quase gritando- era "não estamos preocupados com o deficit, mas com a economia fraca!". Isso porque uma economia fraca significa tanto juros baixos quanto ausência de oportunidades econômicas. 


Como foi que o discurso de Washington passou a ser dominado pela questão errada?


Os republicanos exerceram um papel nisso. Mas nosso discurso não teria se desviado tanto do que interessa se outras pessoas influentes não estivessem ansiosas por mudar de assunto, afastando o discurso da questão dos empregos, mesmo diante de um desemprego de 9%.


Procure a página de opinião de qualquer jornal importante e você provavelmente encontrará algum autoproclamado centrista declarando que não há soluções de curto prazo para essas dificuldades. Quando encontrar, saiba que pessoas desse tipo são a razão principal pela qual estamos em situação tão difícil.


Neste momento, a economia precisa desesperadamente de uma solução de curto prazo. Quando você está sangrando, você quer um médico que enfaixe a ferida, não um que faça sermão sobre a importância de um estilo de vida saudável.


Quando milhões de pessoas jovens, capacitadas e dispostas estão desempregadas e o potencial econômico está sendo desperdiçado no valor de quase US$ 1 trilhão por ano, queremos responsáveis políticos que trabalhem para garantir uma recuperação rápida, e não pessoas que façam sermões sobre a necessidade de sustentabilidade fiscal.


O que envolveria uma resposta real a nossos problemas? Para começar, envolveria mais gastos governamentais, e não menos. Envolveria iniciativas agressivas para reduzir a dívida das famílias. E envolveria um esforço total para fazer a economia avançar outra vez. Claro que os suspeitos de sempre tacharão essas ideias de irresponsáveis. Mas você sabe o que é realmente irresponsável? É sequestrar a discussão sobre a crise, deixando que a economia continue a sangrar.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

As contas americanas conferem?

Na FOLHA DE S. PAULO, esclarecedora entrevista com o economista Carlos Pinkusfeld Bastos, da UFRJ, especialista em contas americanas.

Folha - Como analisa a turbulência dos últimos dias?

Carlos Pinkusfeld - Sempre olhei com maior cuidado a situação da Europa que a dos EUA. Como disse Alan Greenspan, ex-presidente do BC americano: ninguém dá calote na própria moeda porque pode imprimi-la. Na Europa, os países precisam se endividar numa moeda que não é a sua, e não há uma autoridade fiscal central garantindo aumento de gastos na recessão.

O problema de confiança nos EUA teve causa política? Certamente. O Partido Republicano levou ao extremo o impasse do teto da dívida. O presidente negociou muito e só conseguiu algo na margem: que o corte orçamentário não recaia sobre Medicaid (programa de saúde para pobres) ou Previdência. Só o Medicare (para idosos) deve ser afetado. Nem Ronald Reagan (1981-89) mexeu nesses programas.

Reagan subiu gastos.

Ele baixou impostos no início, mas voltou atrás. Para reduzir a carga dos mais ricos, aumentou a contribuição previdenciária. Dizem que a dívida americana é quase 100% do PIB, mas a dívida real foi de 56% em 2010, menor que a da Alemanha (87%). Há diferença porque uma reforma de 1983 fez com que a receita da Previdência fosse maior do que a despesa e esse excesso fosse guardado em títulos do governo. Há uma enorme quantidade de títulos que não está na mão do público e não exerce pressão sobre juros, confiança etc.

Não há problema de dívida?

Nem de dívida nem de deficit fiscal, no curto prazo. Os EUA têm dois problemas. O primeiro é político, que é a radicalização de uma direita que há tempos fala em reduzir o tamanho do Estado. A estratégia para isso é a "starve the beast" [mate a besta de fome] -você corta impostos para que surja um buraco nas contas e depois ataca gastos sociais. Os EUA têm carga tributária de 30% do PIB, contra 38% na média dos países ricos. Há espaço para resolver questões estruturais pelo lado do gasto. Mas há uma particularidade que prejudicou a eficiência de políticas contra a crise. Ao contrário do governo federal, os Estados quase não subiram gastos desde 2008: 28 deles impõem limites ao aumento de despesas. O deficit sobe quando a economia desacelera. Aumentou desde 2008 e não há nada puxando o crescimento. A combinação de deficit elevado e falsa percepção de fracasso da política expansionista leva água ao moinho dos falcões fiscais.

Qual é o segundo problema?

O que mais cresce nos EUA são as transferências pessoais, que chegam a 70% do gasto federal. Não é a Previdência, são os gastos com saúde. O custo por pessoa é o maior do mundo. São gastos pouco flexíveis. A reforma original de Obama, que incluía um plano público para concorrer com os privados, iria aumentar as despesas de imediato. Em longo prazo, se servisse para conter a trajetória de gastos, o problema fiscal americano estaria solucionado.

Standard & Poor's não tem credibilidade para avaliar dívida dos EUA

PAUL KRUGMAN é totalmente radical quando o assunto é a avaliação do risco americano. O texto é didático, inteligente e dirime as dúvidas ainda existentes.

Para entender todo o furor em torno da decisão da agência de classificação de risco Standard & Poor's de rebaixar os títulos da dívida do governo dos Estados Unidos, é preciso que se leve em consideração duas ideias aparentemente (mas não realmente) contraditórias. A primeira é que os Estados Unidos não são de fato mais aquele país estável e confiável que era no passado. A segunda é que a própria Standard & Poor’s tem ainda menos credibilidade; esta agência é a pior instituição à qual alguém deveria recorrer para receber opiniões sobre as perspectivas do nosso país.

Comecemos pela falta de credibilidade da Standard & Poor’s. Se existe uma única expressão que melhor descreve a decisão da agência de classificação de risco de rebaixar os Estados Unidos, esta palavra é chutzpah (cara de pau) – tradicionalmente definida pelo exemplo do jovem que mata os pais e depois suplica por clemência pelo fato de ser órfão.

O grande déficit orçamentário dos Estados Unidos é, afinal de contas, basicamente o resultado da queda econômica que se seguiu à crise financeira de 2008. E, a Standard & Poor’s, juntamente com as outras agências de classificação de riscos, desempenhou um papel importante no que se refere a provocar aquela crise, ao conceder classificações AAA a papeis lastreados em hipotecas que acabaram se transformando em lixo tóxico.

E a má avaliação não parou aí. É notório o fato de a Standard & Poor’s ter dado ao Lehman Brothers, cujo colapso provocou um pânico global, uma classificação A no mês em que aquele banco faliu. E como foi que a agência de classificação de risco reagiu depois que a instituição financeira de nota A foi à falência? Ela emitiu um relatório no qual negava ter cometido qualquer erro.

Então, são essas as pessoas que agora decretam que os Estados Unidos da América não são mais dignos de crédito?

Mas esperem, essa história fica ainda melhor. Antes de rebaixar os papeis da dívida dos Estados Unidos, a Standard & Poor’s enviou um esboço preliminar do seu novo relatório ao Departamento do Tesouro. Os funcionários do departamento identificaram rapidamente um erro de US$ 2 trilhões nos cálculos da Standard & Poor’s. E o erro era daquele tipo que nenhum especialista em orçamento poderia cometer. Após discussões, a Standard & Poor’s admitiu que estava errada – e rebaixou os Estados Unidos assim mesmo, após remover uma parte da sua análise econômica do relatório.

Conforme eu explicarei daqui a pouco, não se deveria dar muito crédito, de qualquer maneira, a tais estimativas de orçamento. Mas o episódio não gera exatamente confiança na avaliação da Standard & Poor’s.

De forma mais geral, as agências de classificação de risco jamais nos proporcionaram qualquer motivo para que nós levássemos a sério as suas avaliações sobre solvência nacional. É verdade que nações que declararam moratória geralmente foram rebaixadas antes que isso acontecesse. Mas em tais casos as agências de classificação de risco estavam simplesmente seguindo os mercados, que já haviam repudiado esses devedores problemáticos.

E, nos casos raros em que as agências de classificação de risco rebaixaram países que, como os Estados Unidos neste momento, ainda gozavam da confiança dos investidores, essa decisão por parte delas se revelou consistentemente equivocada. Vejamos, particularmente, o caso do Japão, que foi rebaixado pela Standard & Poor’s em 2002. Bem, nove anos depois o Japão ainda consegue pegar dinheiro emprestado livremente e a juros módicos. De fato, na última sexta-feira, a taxa de juros sobre os títulos de 10 anos do Japão era de apenas 1%.

Portanto, não existe motivo para levar a sério o rebaixamento dos Estados Unidos ocorrido na sexta-feira passada. As últimas pessoas em cuja avaliação deveríamos confiar são os analistas da Standard & Poor’s.

No entanto, os Estados Unidos têm de fato grandes problemas.

Esses problemas têm muito pouco a ver com a aritmética orçamentária de curto prazo ou mesmo com a de médio prazo. O governo dos Estados Unidos não está tendo problemas para pegar dinheiro emprestado para cobrir a sua dívida atual. É verdade que nós estamos acumulando dívida, sobre a qual teremos que pagar juros. Mas se fizermos de fato as contas, em vez de ficarmos repetindo os números enormes com voz sinistra, descobriremos que até mesmo déficits muito elevados no decorrer dos próximos anos terão um impacto pequeno sobre a sustentabilidade fiscal dos Estados Unidos.

Não, o que faz com se tenha a impressão de que os Estados Unidos não são confiáveis não é a matemática orçamentária, mas sim a política. E, por favor, não vamos repetir as declarações usuais de que ambos os lados são culpados. Os nossos problemas são quase que inteiramente provocados por um dos lados – eles são causados, especificamente, pelo crescimento de um extremismo de direita que está preparado para criar crises repetidas em vez de ceder um centímetro sequer em relação às suas exigências.

O fato é que, no que se refere à economia básica, os problemas fiscais de longo prazo dos Estados Unidos não devem ser tão difíceis assim de se resolver. É verdade que uma população em processo de envelhecimento e o aumento dos custos dos serviços de saúde provocarão um aumento mais rápido - sob as atuais políticas - dos gastos do que das receitas tributárias. Mas os Estados Unidos têm custos com saúde bem mais elevados do que os de qualquer outra nação desenvolvida, e impostos muito baixos segundo os padrões internacionais. Se nós pudéssemos nos aproximar, ainda que parcialmente, das normas internacionais nessas duas frentes, os nossos problemas orçamentários seriam resolvidos.

Então, por que é que não podemos fazer isso? Porque temos neste país um movimento político poderoso que gritou “comitês da morte” ao se deparar com tentativas modestas de utilização mais efetiva das verbas do Medicare, e que preferiu que nós corrêssemos o risco de uma catástrofe financeira do que concordar com a cobrança de um único centavo em impostos adicionais.

O verdadeiro problema enfrentado pelos Estados Unidos, mesmo em termos puramente fiscais, não é determinar se nós cortaremos um trilhão aqui ou um trilhão ali do nosso déficit. O problema é saber se os extremistas que estão atualmente bloqueando qualquer tipo de política responsável podem ser derrotados e marginalizados.

Uma boa notícia: Prêmio para mestrandos e doutorandos

Atenção colegas de mestrado e doutorado: um prêmio sempre é resultado do bom trabalho realizado. Diante disso, quem desejar ganhar um, please leia a mensagem abaixo:

A ANBIMA (Associação Brasileiro das Entidades dos Mercados e de Capitais) em parceria com o IEPE/CdG (Instituto de Estudos de Política Econômica/Casa das Garças) bonificará com R$60.000,00 em prêmio os autores dos melhores projetos de dissertação de mestrado e tese de doutorado com tema relevante para o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro.

Para participar, o candidato deve estar matriculado em uma instituição com programa de mestrado ou doutorado dos cursos de Economia, Administração de Empresas ou Direito, reconhecidos pelo MEC e atender as demais condições previstas no Regulamento do Prêmio.

Regulamento: ( http://www.anbima.com.br/mostra.aspx/?id=1000000021 )

Uma bolsa no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) para os 2 (dois) melhores projetos de dissertação de mestrado e 1 (uma) bolsa no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) para o melhor projeto de tese de doutorado. Além do prêmio em dinheiro, os vencedores receberão um certificado de premiação e poderão ter seus trabalhos publicados pela ANBIMA (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) caso sejam indicados pela comissão julgadora.

As inscrições tiveram início em 02/05/11 e se encerram em 30/09/11. Página sobre o Prêmio e Inscrição: http://www.anbima.com.br/_aanbima/mcpremio.aspx

A Associação promove o Prêmio ANBIMA de Mercado de Capitais desde 2005, tendo como objetivo fomentar o debate sobre as diretrizes, desempenho e crescimento do mercado de capitais no Brasil por intermédio de trabalhos inéditos.

Para além do vaivém das Bolsas.

O keynesiano LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, hoje na FOLHA DE S. PAULO, comenta sobre as últimas turbulências econômicas.

Incríveis as oscilações de preços nos mercados financeiros nas últimas duas semanas. Depois de um longo movimento de quedas diárias, e que destruiu trilhões de dólares de valor nos três cantos do mundo, estamos agora vivendo um vaivém insensato. Em um dia os preços das ações -no Brasil e no mundo- caem mais de 4%; no dia seguinte, sobem com a mesma intensidade, para em seguida voltar a cair forte.

Essa mesma gangorra acontece com a cotação do franco suíço, do iene japonês e do ouro, ativos vistos pelo mercado como mais seguros do que o dólar americano.

A moeda suíça -uma das mais estáveis do mundo- chegou a se valorizar em mais de 5% em relação ao dólar em um só dia. Mesmo os títulos emitidos pelo Tesouro americano tiveram seus preços flutuando diariamente em níveis também muito acima do padrão histórico.

Isso apesar de serem eles os títulos financeiros de maior liquidez em circulação no mundo e, portanto, difíceis de serem manipulados pelos especuladores.

Vou usar um derivativo que mede a variação dos preços das ações na Bolsa de Nova York -o chamado índice VIX- para dar ao leitor da Folha uma ordem de grandeza da loucura deste período. O VIX, que em tempos normais vale 15 pontos, chegou a mais de 40 nesta semana.

As perguntas que chegam hoje a todos os que ocupam um espaço de reflexão sobre economia e finanças são quase sempre as mesmas: como explicar esse estado de irracionalidade coletiva, e do que depende a volta de um comportamento mais previsível aos mercados?

A causa mais importante de toda essa volatilidade é, sem dúvida nenhuma, a volta do risco de uma nova recessão nos Estados Unidos.

Essa ameaça -que, por vários meses, parecia afastada- voltou com força a partir da divulgação do crescimento do PIB americano no segundo trimestre deste ano e, principalmente, das revisões dos números relativos aos trimestres anteriores.

As estatísticas mostraram a todos duas verdades explosivas: a recessão em 2009 foi mais profunda do que medida anteriormente e o crescimento no início deste ano foi muitíssimo mais fraco do que o que havia sido medido pelo governo americano e por instituições privadas há alguns meses.

O quase pânico que se instalou nos mercados após a divulgação desses dados deveu-se ao reconhecimento de que as medidas que vinham sendo tomadas pelo governo e pelo Fed não estavam sendo suficientes para colocar a maior economia do mundo de volta à rota do crescimento sustentado. Tinha havido uma recuperação ao longo de 2010, mas os números agora revelavam que isso tinha sido apenas um espasmo de crescimento.

Além disso, mesmo os mais fervorosos economistas keynesianos, como eu, sabiam que não existem novos medicamentos a serem ministrados ao paciente. E todos sentiam a frustração de reconhecer que os ensinamentos e os conselhos do velho mestre não estavam funcionando desta vez.

No meio dessa decepção, a crise criada pelo impasse na renegociação do teto da dívida pública americana funcionou como elemento adicional no imaginário já pessimista dos mercados. A recuperação da economia dos Estados Unidos, todos sabem, é um elemento fundamental para que a Europa possa administrar sua própria crise fiscal.

Na medida em que a confiança nesse cenário desaparecia e se transformava em um fantasma recessivo das piores proporções, a crise europeia mudava de dimensão.

Com esse futuro negro à frente, o mercado passou a criar seus próprios monstros. O maior deles foi o mito da fuga dos investidores tanto dos títulos emitidos pelo governo americano como do dólar.

Felizmente, essa ameaça durou apenas um fim de semana, pois na segunda feira seguinte à decisão da agência Standard & Poor's os investidores corriam para comprar esses papéis e a moeda americana.

Com os mercados mais calmos, e bem mais baratos, creio que teremos um período de maior racionalidade à espera de novos dados econômicos que mostrem a economia ainda crescendo e do início de um entendimento no Congresso americano sobre a questão fiscal nos EUA.

Teste: adivinhe o país!

MOISÉS NAÍM, hoje na FOLHA DE S. PAULO, escreve sobre os últimos acontecimentos mundiais de revoltas populares até em países com uma qualidade de vida excepcional.

Hoje começamos com um teste. Selecione o país de onde vem a seguinte notícia: "Nas últimas semanas, ruas e praças foram tomadas por milhares de pessoas que protestam contra o governo. Em alguns lugares, os protestos se tornaram muito violentos". Os países entre os quais você pode escolher são: Azerbaijão, Chile, China, Espanha, Filipinas, Grécia, Indonésia, Israel, Portugal, Reino Unido, Rússia, Tailândia.

A resposta é fácil: em todos. E, é claro, a lista poderia incluir Bahrein, Egito, Jordânia, Marrocos, Líbia, Síria, Tunísia e Iêmen, entre outros. Este ano começou com a Primavera Árabe e continuou com o verão furioso.

A fúria das ruas se tornou contagiosa, e a indignação popular se globalizou. É impossível diferenciar uma foto de jovens enfrentando a polícia em Santiago do Chile de outra foto mostrando a mesma imagem em Londres. Ou uma que mostra os indignados acampados na Porta do Sol, em Madri, de outra com as barracas de campanha dos milhares de manifestantes nas praças de Tel Aviv.

É tentador procurar uma mesma explicação para todos esses protestos. Embora seja fato que a má situação econômica, a desigualdade e a falta de oportunidades para os jovens estejam presentes em muitos deles, é mais verdadeiro ainda que cada um desses protestos é movido por forças muito próprias.

Os jovens chilenos saem às ruas porque querem educação melhor; os ingleses, porque querem roubar um aparelho de TV. Os israelenses protestam contra a falta de moradia, e os indignados espanhóis porque... não sei bem por quê.

Por tudo. No Reino Unido, a discussão pública sobre as causas dos saques é especialmente reveladora. Cada um tem uma explicação diferente: famílias fracas e desfeitas, ineptidão policial, imigração, multiculturalismo, discriminação racial, as políticas sociais, os cortes orçamentários, a desigualdade econômica, a tolerância diante dos comportamentos antissociais, os defeitos do sistema de ensino, a overdose de BlackBerries e redes sociais e muito mais. Essa variedade de explicações significa que ninguém entende a origem dessa repentina explosão de violência nas ruas.

Mas, embora não saibamos o que aconteceu nesta semana no Reino Unido, contamos com uma análise rigorosa e recente da instabilidade social que houve na Europa entre 1919 e 2009. Jacobo Ponticelli e Hans-Joachim Voth, da Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona, acabam de publicar um ensaio fascinante em que, utilizando uma enorme base de dados sobre 26 países europeus, constatam que, nesses 90 anos, "os cortes nos gastos públicos elevaram significativamente a frequência de distúrbios, marchas antigoverno, greves gerais, assassinatos políticos e tentativas de derrubar a ordem estabelecida".

Não constitui surpresa, mas é bom que alguém o tenha comprovado cientificamente. Assim, considerando que os cortes nos gastos públicos já se tornaram inevitáveis em muitos países, já sabemos o que devemos esperar. A fúria das ruas deste verão vai se prolongar. São afortunados (e poucos) os países que a poderão evitar.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

A receita de DELFIM para o caos.

Antonio Delfim Netto, no Valor Econômico de hoje e sua receita para o caos. Como sempre, uma ótima leitura.

O mercado é a manada, é a imitação

Houve novidade na última semana? Nenhuma! Talvez apenas a confirmação que a "racionalidade" dos agentes no mercado é a mesma dos carneiros de Panurge, o célebre personagem criado por Rabelais: tendo sido um deles jogado ao mar, foi fielmente seguido pelos outros. O mercado é a "manada". É a "imitação". É o contágio. É a busca da segurança na insegurança: todos seguem todos, supondo que o vizinho sabe o que está fazendo. Aliás, foi aquele o exemplo dado pelo maior matemático do século XIX, Henry Poincaré (1854-1912), para não dar o grau máximo à tese de Louis Bachelier, o criador da economia financeira, cujo elegante modelo supunha que o comportamento dos agentes fosse independente...

O fato lamentável é que o "mercado em geral" deixou de observar o único mercado em que a possibilidade de um "default" dos EUA seria visível: o próprio mercado dos títulos do Tesouro! Como de costume, o Tesouro continuou vendendo semanalmente (até a última semana de julho), cerca de US$ 80 bilhões de papéis com vencimento de 30 dias, um ano e dois anos (com demanda igual a quatro vezes o total vendido) e com taxa de juros declinante. Esse é o claro fato que nele sempre se considerou um evento de probabilidade nula (ainda que não impossível): os EUA, depois de 250 anos de construção da maior credibilidade do mundo, virem a reconhecer um "default" no cumprimento de obrigações com relação a sua dívida pública.

Não pode haver dúvida. Os EUA estão diante de grave problema: a ocasional disfuncionalidade da sua administração política. O Congresso, dominado por radicalismos, tem dificultado fortemente uma ação adequada do Executivo. A discussão farsesca sobre a ampliação do teto da dívida americana que perturbou todos os mercados (menos o dos próprios títulos da dívida como mostramos acima!) é um sinal daquela disfuncionalidade que aumentou de forma irresponsável a volatilidade de todas as economias do mundo. Ao mesmo tempo, ajudou a ampliar as incertezas sobre a solvência de alguns países da Eurolândia. Infelizmente, esses fazem parte de uma comunidade que, seguramente, não é uma área monetária ótima, não tem mecanismo de controle efetivo sobre as finanças de cada participante e seu Banco Central está mais perplexo e dividido internamente do que o Fed.

Para encurtar uma longa história é preciso reconhecer que a única solução para esses problemas é uma aceleração do crescimento econômico contra o qual, infelizmente, conspiram: 1º) as políticas contracionistas impostas a alguns países; e 2º) a falta de coordenação capaz de impor, pelo ajuste negociado das taxas de câmbio, um reequilíbrio do comércio mundial.

Para o mundo em recessão, a disputa entre as sugestões "neoclássicas" e as "keynesianas" são completamente irrelevantes, uma vez que é visível e palpável o imenso desemprego e a redução do uso do capital físico. Obviamente o que lhes falta é demanda global, isto é, a soma da demanda privada com a pública. A primeira encolheu diante das amargas consequências da imensa patifaria do sistema financeiro, feita sob os olhos complacentes dos governos que estimularam a destruição da regulação produzida nos anos 30 (criada em resposta às mesmas safadezas feitas pelo mesmo sistema financeiro e repetidas nos anos 90). A causa básica da redução da demanda foi a destruição do "circuito econômico" produzido pelo colapso instantâneo do sistema financeiro, resultado da miopia com que foi tratado o problema do Lehman Brothers.

Não é preciso ser macroeconomista para saber que a única forma de manter a demanda global, em tal circunstância, é ampliar a demanda pública, que é o remédio keynesiano. É preciso insistir que o aumento da demanda pública (pela ampliação do gasto) pode ser eficaz para ampliar o uso dos recursos "desempregados" pela queda da demanda do setor privado se, e unicamente se, estimular um aumento do consumo ou do investimento do próprio setor privado. O problema com um certo keynesianismo é esquecer Keynes. O resultado final do aumento da demanda pública só será funcional se alterar as "expectativas" do consumidor (que vê - no futuro opaco - a possibilidade de encontrar emprego) e recuperar o espírito animal do investidor (que vê - no futuro opaco - o renascimento da demanda).

O famoso "multiplicador" dos gastos públicos depende do "estado de espírito" dos agentes econômicos e só pode ser conhecido "a posteriori". É até possível obter uma ampliação do crescimento com uma redução do gasto público ou dos impostos (multiplicador negativo!) em condições excepcionais de "expectativas". A política funcionou muito mal nos EUA e na Europa porque os governos foram incapazes de cooptar a confiança do setor real das suas economias, aquele que emprega e investe. Protegeram o setor financeiro criador da desgraça (da qual eles mesmos foram coadjuvantes) e foram incapazes de restabelecer a confiança necessária ao pleno funcionamento do "circuito econômico".

É por isso que a receita neoclássica de mais "aperto" fiscal e mais aumento de impostos é um equívoco. Não pode levar a lugar nenhum porque não estimulará o uso dos recursos "desempregados" na aceleração do crescimento, que é a única solução do problema no longo prazo.

Mas e a recomendação da abandalhada S&P?

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Entrevista com Gustavo Franco.

A entrevista de Eleonora de Lucena com GUSTAVO FRANCO, hoje na FOLHA DE S. PAULO está imperdível. Para FRANCO, "teremos uma marcha lenta no Primeiro Mundo em razão da necessidade de corrigir os excessos fiscais. Não há espaço para políticas keynesianas de gasto nem para redução dos juros." Na realidade, ele avalia que a crise pode significar "o fim de uma era de keynesianismo fácil".
Folha - Qual o impacto da decisão da Standard & Poor's de rebaixar os EUA? Gustavo Franco - No primeiro momento é simbólico, pois os EUA continuam AAA em duas outras agências. As determinações estatutárias de fundos de pensão e dos bancos centrais geralmente falam de grau máximo em duas agências. Acho que é um belo "wake up call" [chamada para despertar], pois fica claro que a disciplina que se exige de todos num mundo interconectado também deve ser praticada e cobrada na potência central.
Por que as Bolsas caíram? É, de fato, por causa de temores de recessão ou há outros ingredientes? Sim, há temores quanto à recessão, sobretudo no hemisfério Norte, mas o que torna as coisas mais preocupantes é a situação fiscal no Primeiro Mundo, onde as dívidas dos governos chegaram a patamares tão altos que a sensação é a de que se esgotou a capacidade desses países fazerem políticas fiscais expansionistas.
Os governos devem colocar mais dinheiro no mercado financeiro? Haverá nova socialização das perdas? Não é a situação de 2008, não há bancos a salvar. Ao menos por ora, nunca se sabe. A natureza do problema é outra: os países se engasgaram com tanta "socialização das perdas" por cima de "socializações de ganhos" e conquistas sociais e excessos de gasto público em geral.
Se as agências de risco erraram de forma tão dramática em 2008 (não prevendo o colapso do Lehman; qualificando os bancos da Islândia como AAA) e também agora nos cálculos do rebaixamento dos EUA, por que elas seguem tão importantes? Elas vão ser "rebaixadas" por governos e outras instituições? Essa é uma boa pergunta. Em boa medida, na segunda-feira [hoje] os mercados estarão se perguntando se a Standard & Poor's está com essa bola toda. Normalmente as agências reagem defasadamente ao que todo mundo já sabe, padrão que se repete dessa vez. E erram o tempo inteiro, sim e, em muitos casos, no contexto de conflitos de interesse. O Tesouro Americano contesta os cálculos da S&P. Uma das revelações desta segunda vai ser a importância que os mercados atribuem às agências de risco.
Se os títulos dos EUA estão com pior avaliação, qual a opção? Títulos alemães? Títulos dos EUA.
Estamos entrando num período de recessão mais longo e profundo? Recessão é uma palavra forte, não é bem isso. Cresce a consciência de que teremos uma marcha lenta no Primeiro Mundo em razão da necessidade de corrigir os excessos fiscais. Não há espaço para políticas keynesianas de gasto nem para redução dos juros, que já estão no chão. De onde vai vir o crescimento?
De onde? O capitalismo não consegue mais fazer crescimento? Seria errado pensar assim, a julgar pelos quatro séculos de bons serviços que o capitalismo tem com este planeta, e também porque não há alternativa. O desafio será o de direcionar políticas públicas para trabalhar fatores como produtividade, inovação, regulação, ambiente de negócios, infraestrutura e num contexto de economia fiscal, de modo a elevar a confiança da economia privada, de empresas e consumidores.
Se recessão é uma palavra forte, como o sr. definiria a situação atual? Estagnação? Apenas baixo crescimento, ao menos durante o período de acomodação dos efeitos financeiros e fiscais de crise. Há certa ansiedade nesses países, pois há muito crescimento na Ásia e, em menor escala, no Brasil.
Em termos históricos essa recessão seria comparável à recessão de 29 ou à do final do século 19, que resultou no declínio da Grã-Bretanha e na ascensão dos EUA e da Alemanha? A crise de 1929 é uma fonte inesgotável de lições, e o presidente do FED [banco central americano], que é um historiador que conhece o assunto, tratou muito bem de evitar os erros daquele tempo, especialmente no terreno da política monetária. Acho meio exagerado falar da decadência dos EUA como potência econômica.
Vivemos o estouro de várias bolhas? Há quem afirme que a crise desses dias é a prova do fracasso neoliberal. É? Não vejo bolha nenhuma, muito menos fracasso neoliberal. É preciso olhar a situação com frieza, sem preconceitos ideológicos: o que estamos vivendo é o esgotamento do crescimento do Estado nas grandes democracias ocidentais, e mais o Japão, onde os níveis de endividamento público ultrapassaram medidas habitualmente aceitas de responsabilidade fiscal. O mal-estar é causado pelo fato de que há deficits e dívidas enormes. Os gastos públicos têm que cair. Em cada sociedade há um grupo, como o Tea Party, que vai se opor a aumento de impostos. O enredo do impasse americano é global, e, por isso mesmo, foi tão impactante. É uma prévia do que vai ser visto em muitos países. É como se fosse o fim de uma era de keynesianismo fácil, onde tudo sempre se resolve com o gasto público, socializando perdas, ou acomodando sucessivas e inesgotáveis "conquistas", e coalizões cada vez maiores. Essa paralisação fiscal-financeira do Estado representa novo desafio, talvez início de um novo tempo.
Politicamente, quais serão os efeitos da decisão da S&P e todo o enrosco de Obama com o Congresso? A China já está reclamando. Acho que o impacto pode até ser positivo, na medida em que mobiliza energias políticas para a busca de soluções. A China é um capítulo à parte, pois não tem os problemas fiscais próprios das democracias ocidentais por uma razão simples e óbvia: não é uma democracia. Para ser, e evitar uma primavera que pode ser tumultuada, teria que alterar muito de suas instituições ligadas ao mercado de trabalho e à seguridade social. O fato é que a China tem sido a fonte de um discurso meio vigarista sobre o "fracasso do modelo liberal" que na verdade é uma velha cantilena sobre a ineficiência da democracia.
Como o sr. avalia a fragilidade de economias como Itália e França? Como está a saúde financeira dos bancos europeus? O temor alcança todos, e por isso era bom ficarmos nós, aqui no Brasil, bem quietos e prudentes, pois os nossos números fiscais não estão muito diferentes daqueles dos países com problemas. Nesses episódios de elevação da aversão ao risco, os mercados ficam procurando os países e as empresas fragilizados.
A situação dos bancos europeus terá impacto no Brasil? Se aparecer algum grande problema bancário europeu, certamente terá efeitos por toda parte. Mas hoje não há clareza sobre isso.
Alguns analistas têm receio do excessivo endividamento privado brasileiro no exterior. Uma virada no câmbio poderia colocar empresas sob risco. O sr. compartilha desse temor? Não compartilho. Acho que o volume não é muito grande, e as empresas sabem fazer hedge. A medida descabida foi o IOF [Imposto sobre Operações Financeiras] sobre derivativos que torna o hedge mais caro para as empresas. O tema do momento é outro: dívida pública. E o que me preocupa no Brasil é o governo achar que tudo está bem nesse terreno, e que o rebaixamento americano seria como uma promoção para nós. Nada mais perigoso.
Qual deve ser o impacto na taxa de juros, no câmbio e no crescimento? Os impactos sobre o Brasil estão ainda indefinidos. As pressões sobre a Bolsa são meio exageradas e fazem as empresas brasileiras ficarem muito baratas relativamente a seus resultados. A oportunidade para comprar parece-me clara.
O sr. prevê novos rebaixamentos de países pelas agências de risco? É provável, ao menos pela S&P, pois, ao alterar a classificação do país, geralmente se alteraram as de todas as empresas ali sediadas. Será interessante verificar se esse protocolo será obedecido dessa vez. Parece que a S&P não tinha muita ideia do tamanho da dificuldade que criou para si. E a impressão que tenho é que o próximo assunto é a Europa, pois é onde estão os maiores problemas de dívida soberana.
O que aconteceu nos últimos dias é uma tragédia inesperada ou é algo de dimensão menor? A recuperação vai demorar mais? A natureza do problema não me parece ser a de um problema agudo, como o pânico bancário provocado por uma sucessão de bancos quebrando como em meados de 2008. Mas de um peso, que dobrou de tamanho em dois anos, que os governos terão que carregar por um bom tempo. É a exaustão fiscal global. Alguns mais fracos, os Piigs [Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha], estão com dificuldades, e mesmo nos países mais sólidos as pessoas estão debatendo sobre como distribuir o peso e os sacrifícios. É uma espécie de marcha forçada, onde será preciso algum tempo para diminuir o peso e ajustar as contas, na qual pode acontecer algum incidente, é claro. Os EUA estão fazendo a sua parte. Talvez amanhã [hoje], por curioso que pareça, as pessoas voltem seus olhos para Itália e Espanha. Na verdade, os assuntos das conversas no âmbito do G7 e de bancos centrais da Europa não serão muito relacionados aos EUA, mas à blindagem da Europa.
O que o sr. recomendará aos clientes? Onde investir? Ouro? Ativos reais? Depende de cada caso. E o nosso perfil é de investidor de longo prazo, e a receita para esse tipo de investidor é contrária ao comportamento da "manada". A oportunidade que se apresenta é a de comprar ações de boas empresas que subitamente se tornaram baratas.

domingo, 7 de agosto de 2011

Raúl Prebisch.

Aguardo com expectativa a biografia de RAÚL PREBISCH – A construção da América Latina e do Terceiro Mundo, escrita pelo Professor EDGARD DOSMAN, da Universidade de York. Nestes tempos de crises e mais crises, vamos entender as ideias de quem, como Keynes, acreditava mais no Estado do que mercado. Tenho discordância desse Estado ineficiente que somente em impostos hoje absorve 36% do que se produz no país, reconheço falhas no livre mercado, mas ainda compartilho das ideias de Adam Smith.

A Standard & Poor's e o rebaixamento dos Estados Unidos.

Paul Krugman, colunista do The New York Times, hoje no O Estado de S.Paulo, comenta sobre o novo rating AA+ dos Estados Unidos.

Pois é, a Standard & Poor"s fez o que ameaçava fazer: rebaixou o rating dos Estados Unidos. É uma situação estranha.

Por um lado, agora justifica-se a afirmação de que a loucura da direita tornou os Estados Unidos uma nação fundamentalmente doente. Porque, de fato, é a loucura da direita: se não fosse o radicalismo dos republicanos, sempre contrários a impostos, seria possível chegar, sem nenhum problema, a um acordo que garantiria a solvência a longo prazo.

Por outro lado, é difícil imaginar uma entidade menos qualificada para passar um julgamento sobre o nosso país do que as agências de rating. Então as pessoas que classificaram os títulos respaldados em empréstimos subprime agora se declaram os juízes da política fiscal? É mesmo? E, para a coisa ficar mais perfeita, ficou claro que a S&P errou nos cálculos em US$ 2 trilhões; depois de muitas discussões reconheceu - e rebaixou a classificação. Mais do que isso, tudo o que já ouvi sobre as exigências da S&P indica que a agência está falando absurdos a respeito da situação fiscal dos EUA. Ela sugeriu que o rebaixamento se deu por causa do montante da redução do déficit que havia sido negociada para a próxima década, e aparentemente acenou com o mágico número de US$ 4 trilhões.

Entretanto, a solvência dos EUA não depende do que acontece a curto e até mesmo a médio prazo: mais de U$ 1 trilhão de dívidas representa um aumento de apenas uma fração de um ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB) aos custos dos juros futuros. Portanto, U$ 2 trilhões a mais ou a menos não têm grande significado a longo prazo. O que importa é a perspectiva a prazo mais longo, que, por sua vez, depende em grande parte dos custos da saúde.

Então, do que é que a S&P estava falando?

Supostamente, ela possuía alguma teoria segundo a qual a restrição agora é um indicador do futuro - mas não há nenhuma boa razão para se acreditar nesta teoria, e seguramente a S&P não tem nenhuma autoridade para fazer esse tipo de vago julgamento político.Em suma, a S&P fez uma asneira - e, depois da débâcle das hipotecas, não tem mais esse direito. É um escândalo - não porque os EUA estejam numa boa situação, mas porque estas pessoas não têm condições de julgar.

Dependência econômica.

MERVAL PEREIRA, hoje no O GLOBO, comenta estudo de REINALDO GONÇALVES sobre o direcionamento da política econômica atualmente adotada.

No momento em que o governo Dilma reconhece o perigo da desindustrialização e lança um programa de incentivo à indústria nacional, com medidas protecionistas que, em alguns casos, repetem erros do passado, criando reservas de mercado que podem gerar uma indústria sem competitividade, o economista Reinaldo Gonçalves, professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro, publica um trabalho em que pretende demonstrar que, ao contrário do que seus seguidores defendem, o projeto econômico do governo Lula se caracteriza pelo que o economista chama de "Nacional Desenvolvimentismo às Avessas".

Ele classifica seu trabalho como uma crítica "aos analistas que identificam três traços distintivos do Governo Lula: a realização de grandes transformações; a reversão de tendências estruturais; e a predominância da visão desenvolvimentista nas políticas a partir de 2005".

Para Gonçalves, o que se constata claramente é: desindustrialização, aumento das importações (que chama de "desubstituição de importações"); reprimarização das exportações; maior dependência tecnológica; maior desnacionalização quando se desconta a expansão das três maiores empresas do país ligadas à exploração de recursos naturais (Petrobras, BR Distribuidora e Vale); crescente vulnerabilidade externa estrutural em função do aumento do passivo externo; e crescente dominação financeira, expressa na subordinação da política de desenvolvimento à política monetária focada no controle da inflação.

Ele dividiu o estudo em seis partes:

Estrutura produtiva: Desindustrialização e desubstituição de importações

A participação da indústria de transformação no PIB reduz-se de 18% em 2002 para 16% em 2010. Neste período, a taxa de crescimento real do valor adicionado da mineração é de 5,5%; da agropecuária, 3,2%, e da indústria de transformação, 2,7%. "Os diferenciais entre estas taxas de crescimento informam um processo de desindustrialização da economia brasileira no Governo Lula", afirma.

O processo de desindustrialização é acompanhado pela desubstituição de importações. Segundo o estudo, o coeficiente de penetração das importações aumenta, de forma praticamente contínua, de 11,9% em 2002 a 18,2% em 2008.

Padrão de comércio: Reprimarização das exportações

No Nacional Desenvolvimentismo, a mudança do padrão de comércio significa menor dependência em relação às exportações de commodities. Ao contrário, mostra o estudo de Gonçalves, no Brasil de Lula a participação dos produtos manufaturados no valor das exportações mostra clara e forte tendência de queda (56,8% em 2002 para 45,6% em 2010), enquanto há tendência igualmente clara e forte de aumento da participação dos produtos básicos (25,5% em 2002 para 38,5% em 2010).

Progresso técnico: Dependência tecnológica

No Governo Lula, verifica-se também o processo de maior dependência tecnológica. O indicador usado é a relação entre as despesas com importações de bens e serviços intensivos em tecnologia, e os gastos de ciência e tecnologia, que aumenta de 208% em 2002 para 416% em 2010. "Ou seja, há duplicação do grau de dependência tecnológica".

O chamado "déficit tecnológico", a diferença entre o valor das importações de bens altamente intensivos em tecnologia e maior valor agregado e dos serviços tecnológicos e o valor das exportações destes bens e serviços, aumentou significativamente, de US$ 15,4 bilhões em 2002 para US$ 84,9 bilhões em 2010.

Estrutura de propriedade: Desnacionalização

No Nacional Desenvolvimentismo, há preferência revelada pelo capital nacional, público ou privado, com o objetivo de reduzir a vulnerabilidade externa. No Governo Lula, se descontada a grande influência das três maiores empresas (Petrobras, BR Distribuidora e Vale), teremos uma boa idéia do grau de desnacionalização da economia brasileira, segundo Gonçalves.

O trabalho mostra que houve aumento da participação das empresas estrangeiras no valor das 497 maiores empresas no país: 47,8% em 2002 e 48,5% em 2010.

O autor admite, no entanto, que são mudanças "pouco expressivas" quando se considera o período de oito anos do Governo Lula..

Vulnerabilidade externa estrutural: Passivo externo crescente

No Governo Lula há aumento significativo do passivo externo total do país, que passa de US$ 343 bilhões no final de 2002 para US$ 1,294 trilhão no final de 2010.

O passivo externo aumenta de US$ 260 bilhões em 2002 para US$ 916 bilhões em 2010. Considerando as reservas internacionais de US$ 300 bilhões, "verifica-se que o passivo externo financeiro do país é 3 vezes o valor das reservas no final de 2010".

O saldo da conta de transações correntes em relação ao PIB mostra nítida tendência de queda a partir de 2005, e torna-se negativo a partir de 2008. As projeções do FMI apontam que o Brasil deverá experimentar recorrentes déficits de transações correntes do balanço de pagamentos — de 3,0% a 3,5% —, que crescerão de US$ 60 bilhões em 2011 para US$ 120 bilhões em 2016.

Política econômica: Dominação financeira

No Governo Lula a taxa média de rentabilidade dos 50 maiores bancos é sempre superior à das 500 maiores empresas.

De 2003 a 2010, a taxa média de rentabilidade das maiores empresas é de 11% e a taxa dos bancos é 17,5%.

"Além do abuso do poder econômico, os bancos se beneficiam da política monetária restritiva caracterizada por elevadas taxas de juro", analisa Reinaldo Gonçalves.

A importância de debater o PIB nas eleições 2022.

Desde o início deste 2022 percebemos um ano complicado tanto na área econômica como na política. Temos um ano com eleições para presidente, ...