segunda-feira, 27 de julho de 2009

DA SÉRIE: LEITURA INEVITÁVEL - ENTREVISTA

Para os meus quase dois (milhões) leitores, abaixo uma otimista e esclarecedora entrevista com o colega Ilan Goldfajn, economista-chefe do Itaú-Unibanco e ex-diretor do Banco Central (BC), com data de 26/07/09 no ESTADÃO e o título “Juros não voltam para nível pré-crise''. Como é interessante ler uma entrevista que faz o leitor tomar uma aula de conhecimento e até fazer sua oposição ao entrevistado, porém após ter analisado as diversas variáveis do mundo econômico. Este é o tipo de entrevista que temos que ler e guardar. Ao final do ano, vamos comparar as "previsões".

Segundo o ex-diretor do BC, a taxa Selic tende a subir nos próximos anos, mas não deve voltar a ter dois dígitos. Os juros de longo prazo no Brasil estão altos demais porque a taxa de juros real de equilíbrio - aquele que faz com que a economia cresça sem inflação - caiu para o nível de 4% a 5% ao ano e não vai voltar para onde estava antes da crise. Ao contrário de parte do mercado, o Itaú-Unibanco, que tem projeção de inflação abaixo de 4% para 2010, só vê a Selic (taxa básica) subindo de novo em 2011, e mesmo assim de forma moderada.

Mas nem tudo são flores para Goldfajn. Ele critica a política de expansão dos gastos correntes, que mantém o Brasil num ritmo potencial de crescimento de 4% a 4,5%, quando poderia estar entre 6% e 7%, com taxa de juros real perto de 3%. Outra consequência do aumento dos gastos correntes, para ele, é a valorização cambial, que pode levar o real a R$ 1,70 em 2010. O mundo está disposto a financiar o investimento no Brasil e empurra o País a consumir, na visão de Goldfajn. A contrapartida, porém, será o aumento do déficit em conta corrente, algo que, ele prevê, deve provocar forte debate em 2010. O risco são políticas equivocadas para conter a valorização cambial sem mexer na política fiscal, que podem elevar a inflação e os juros. A seguir, a entrevista.

Por que os juros de longo prazo estão tão descolados?

Há várias razões, e uma delas está ligada à visão geral dos juros no mundo. Toda vez que há uma recessão, e desta vez ela é global, os juros caem o suficiente para estimular a economia. Depois, quando a economia já foi estimulada, os juros voltam a subir. Hoje, os juros estão no limite do que podem baixar: zero ou próximo de zero nos Estados Unidos, na Europa e no Japão. Uma vez que se chega a esse piso, é normal as curvas se inclinarem para cima: a única coisa que pode acontecer daqui em diante é subir. Isso se traduz em vários mercados e, em alguns deles, faz sentido. No caso do Chile, o juro chegou a 0,5%, então a curva mostra que ele vai voltar ao normal.

E o Brasil?

Bem, pode existir uma economia que não estava com os juros no seu equilíbrio, ou na qual o juro de equilíbrio estava caindo, por diversas razões. Nesse caso, o juro não tem de voltar ao nível anterior, mas sim para onde ele chegaria caso a redução gradual do juro de equilíbrio persistisse e não fosse interrompida pela queda brusca ligada ao estímulo para sair da recessão. Em outras palavras, o juro voltaria para um nível mais baixo do que aquele de onde saiu. Assim, para acreditar que o juro do Brasil tem de voltar para perto de onde estava antes da crise, é preciso acreditar que antes da crise ele estava num nível neutro e constante. A minha visão é de que os juros no Brasil estavam e continuam numa tendência de queda. Falo do que se chama juro de equilíbrio, ou juro neutro, aquele que faz com que a economia cresça sem inflação. Houve momentos em que o juro real precisou ser 15%, depois foi caindo para 10%, para 8%, e hoje acho que estamos próximos de 4% ou 5%.

A recessão ajudou o juro de equilíbrio a cair? A gente sabe que o juro neutro em países emergentes converge para níveis normais de forma mais rápida em períodos de recessão do que de boom. Processos desse tipo ocorreram no Chile, no México e na Polônia. Os bancos centrais derrubam os juros para estimular a economia e, na hora de voltar, descobre-se que o juro neutro é menor. Por algum motivo, a recessão parece ser o momento de se dar um empurrão um pouco maior. Isso é difícil de explicar, mas acontece.

Mas os juros no Brasil então não voltam mais? Bem, as possibilidades são de que volte quase totalmente, volte muito pouco, ou volte para um nível intermediário entre esses dois extremos. Eu acho que volta muito pouco. Acho que a Selic poderia ir até 8,25%, se ficar claro um cenário em que a inflação vai para baixo de 4%. O nosso cenário de inflação para o próximo ano é parecido com o do Banco Central, estamos com pouco mais de 3,8%. Acho que, lá para 2011, quando a economia estiver chegando perto de um ritmo de 4,5% e a inflação começar a voltar para a meta de 4,5%, a Selic poderia subir para, quem sabe, 8,75%. O grande teste é que haja um cenário de inflação consistente com o que falei. Se eu estiver certo, e subirem os juros, a inflação cai muito. Se eu estiver errado, e deixarem o juro onde está, a inflação vai acabar subindo.

O que permitiu toda essa queda do juro real de equilíbrio?

São 15 anos de estabilidade, de consistência, que você pode ver nas medidas de risco, como o CDS do Brasil (credit default swap, produto ligado ao risco de crédito dos títulos externos do governo brasileiro), em que estamos hoje abaixo do México e próximos do Chile. Tem o investment grade. E há aquela percepção mais geral de que o Brasil é uma democracia que conseguiu ter políticas econômicas com uma certa continuidade, que sobreviveram a mudanças de ministros e de partidos no governo.

Como o sr. vê a política fiscal brasileira?

Nossa visão é que o superávit primário efetivo vai para 1,5% do PIB, embora o resultado oficial a ser divulgado será de 2,5%, por causa de 0,5% de desconto por conta do Projeto Piloto de Investimentos (PPI) e mais 0,5% do Fundo Soberano. Acho que vai ficar em 1,5% por um tempo, e isso é compatível com um juro real de 4% a 5%, quando se pensa na dinâmica da dívida pública. O que aconteceu é que esse governo usou todo o espaço conquistado nos últimos anos, com a queda dos juros por causa da redução do risco, para aumentar os gastos correntes. Tem uma parte que foi para o PAC (Plano de Aceleração do Crescimento), mas é muito pouco.

E o que o sr. acha do aumento dos gastos correntes?

Considero ruim. Isso se dá em prejuízo de maiores investimentos. A opção por mais gastos correntes significa um crescimento mais moderado. Significa que nosso crescimento, que vai ficar em 4%, 4,5%, poderia subir para 6%, 7%. O juro real poderia cair ainda mais, para perto de 3%. Por outro lado, o mundo vai nos ajudar a investir, mas ao preço de aumentarmos nosso déficit em conta corrente. Esse é outro aspecto dessa política fiscal, o câmbio mais valorizado.

Por quê?

O câmbio apreciado ajuda a importar, ajuda a consumir. Ele faz com que possamos consumir e investir ao mesmo tempo, mas a contrapartida é o aumento do déficit em conta corrente, que é a poupança externa. O mundo está dizendo para não nos preocuparmos porque ele vai financiar o nosso investimento.

Como assim?

Nós somos muito bons de consumir. Se tivéssemos que poupar, aí seria um problema. Nós hoje estamos junto com um grupo de países que inclui China, Índia e Indonésia, que são a coqueluche dos relatórios de bancos de investimento e que têm em comum grandes populações e mercados internos. O mundo está investindo nesses países e empurrando-os a consumir. A nossa diferença é que poupamos menos, então teremos um déficit em conta corrente maior. Outra forma de olhar para isso é constatar que o dólar vai ter de ser mais fraco. Quais são as moedas que vão ficar mais fortes? A grande dúvida do mundo é essa, qual é a contrapartida do dólar fraco. Com Europa e Japão com desempenho econômico fraco, é difícil imaginar como é que as suas moedas vão se apreciar. A China, claramente, tem de ser uma contrapartida, mas tem uma viscosidade lá, eles não deixam, tentam segurar o câmbio desvalorizado, na base de não deixar o mercado funcionar. Já as moedas flutuantes dos países emergentes vão sofrer pressão para se valorizar.

Qual a sua previsão para o câmbio no Brasil?

Acho que o câmbio vai se valorizar um pouco mais do que se espera por aí. Penso que pode fechar este ano em R$ 1,80 e ir na direção de R$ 1,70 lá na frente, no fim do próximo ano. Eu acho isso exatamente porque tenho a impressão de que o Brasil se encaixa muito bem no mundo nesse papel de consumidor que está faltando. Daquele consumidor de última instância.

Isso não vai preocupar os economistas desenvolvimentistas?

Na minha opinião, 2010 vai ser um ano de debate sobre déficit corrente, sobre câmbio apreciado, sobre regime cambial. Acho que não deveria ser feito, mas vai haver muito desejo de mexer um pouquinho na política cambial, de tentar deixar o câmbio mais desvalorizado. Há o risco de nós não aceitarmos a consequência de uma política fiscal mais frouxa, que é o déficit em conta corrente. Aliás, é fácil de resolver. Sobe o superávit primário, que significa poupar mais, e investe esse excesso. Mas o perigo é entrar num processo de tentar evitar um déficit em conta corrente sem mexer na política fiscal, o que acaba batendo na inflação e nos juros. Seria tentar manter o câmbio desvalorizado sem mexer nos fundamentos.

Será que esse risco também pode ser parte da explicação para os juros de longo prazo mais altos?

Sim, também é, embora eu tenha a impressão de que aquela questão global que eu mencionei é muito relevante.

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