Editorial do
VALOR de ontem e os velhos desafios para a política fiscal neste ano.
Acendeu
a luz amarela na política fiscal. Dados divulgados nesta semana mostram
uma forte queda na arrecadação no primeiro semestre e o aumento nas despesas,
indicando que o governo pode ter dificuldade
para cumprir a meta de fechar o ano com um superávit primário de 3,1% do
Produto Interno Bruto (PIB).
Em junho os
números foram ruins. O superávit primário do
setor público foi de R$ 2,8 bilhões, um terço do esperado pelo mercado e
cerca de 80% inferior ao de igual período de 2011. Decepcionaram tanto o
governo central, com superávit primário de R$ 2 bilhões, quanto os governos
regionais, que tiveram déficit de R$ 333 milhões, pela primeira vez desde 2000.
Nos municípios, houve a antecipação de gastos, que geralmente ocorre em ano de
eleição.
No semestre, o superávit primário ficou em R$ 65,7 bilhões,
com queda de 16%, dos quais R$ 48,1 bilhões proporcionados pelo governo
central. O resultado é equivalente a 3,06% do
PIB, praticamente dentro da meta. Mas
está em 2,71% em 12 meses, o menor patamar desde janeiro de 2011. A previsão é
que será difícil fechar o ano dentro da meta porque a arrecadação está
crescendo menos do que as despesas. Afetada pela desaceleração, a
arrecadação federal cresceu 8,7% no semestre, totalizando R$ 427,6 bilhões, e
as despesas avançaram 12,5% para R$ 379,5 bilhões.
Para complicar,
não está havendo neste ano o elevado volume de arrecadações extraordinárias que
caracterizaram 2011. Apenas em julho do ano passado o governo contou com uma
arrecadação extraordinária de R$ 7,54 bilhões, que se somou aos R$ 6,08 bilhões
de junho, permitindo ao governo reforçar o superávit primário em R$ 10 bilhões.
O
governo insiste que conseguirá atingir a meta de superávit primário. Se a esperada
recuperação da economia se confirmar, cumprir o prometido será mais viável. Mas
o governo também conta com apostas menos factíveis. Uma delas é receber R$ 26
bilhões em dividendos das estatais. No primeiro semestre, foram arrecadados
apenas R$ 7,95 bilhões em dividendos, o que significa esperar mais do que o
dobro disso no segundo semestre. É preciso levar em conta também que as
desonerações fiscais anunciadas para estimular a economia devem ter maior
impacto nas contas do governo nos próximos meses.
Ao
mesmo tempo, o governo está precisando investir mais e incentivar os
investimentos privados.
No primeiro semestre, os investimentos públicos cresceram 30,7% em comparação
com igual período de 2011, totalizando R$ 32,8 bilhões. Mas nada menos do que
R$ 25,1 bilhões desse total são restos a pagar, investimentos que deveriam ter
sido desembolsados em anos anteriores. O valor ainda inclui R$ 22,5 bilhões em
despesas do programa Minha Casa Minha Vida, que, desde meados de 2010, passaram
a ser contabilizadas como investimento, mas são, na realidade, subsídios de
equalização de taxa de juros.
A
situação resgata a discussão a respeito do caráter pró-cíclico da política
fiscal, pois a contenção de gastos para se obter o superávit primário prometido
pode, em circunstâncias como a atual, aprofundar a desaceleração do nível de
atividade ao sacrificar os investimentos. O governo debate a questão desde o fim
do ano passado, quando o nível de atividade começou a recuar e alguns setores
passaram a defender uma política anticíclica, em que o superávit seria reduzido
em momentos de desaceleração; e elevado quando a economia estivesse aquecida.
O
núcleo do governo receia, porém, que o rompimento da meta de superávit,
definida para garantir a intenção de se reduzir a dívida pública, atrapalhe seu
objetivo maior, que é reduzir a taxa básica de juros. Além disso, corroeria a
credibilidade da política econômica, pois é um dos seus três pilares, ao lado
do câmbio flutuante e da meta de inflação.
O articulista do
Valor e professor da PUC/Rio, Márcio Garcia, escreveu artigo nesta semana
defendendo uma meta de superávit fiscal estrutural, ajustada pelo ciclo
econômico, que seria reduzida em anos ruins e elevada nos bons períodos. Para
ele, o ponto principal é garantir que só haverá aumento de gastos com
investimentos, e não despesas correntes.
Blindar
o superávit anticíclico, garantindo a liberação de gastos apenas para
investimentos nos momentos de desaceleração econômica, parece um bom caminho
para se aprimorar a ideia. De toda forma, começar com uma ampla discussão com a
sociedade pode ser o mais acertado para evitar prejuízos à credibilidade da
política econômica.