"Aquele garotinho? Tem certeza de
que é com aquele garotinho ali que você quer falar?", perguntou,
incrédulo, o assessor de imprensa do Departamento de Estado americano.
Durante uma festa do governo, ele se
desdobrava para trazer figurões, como a secretária de Estado, Hillary Clinton,
até os jornalistas.
O tal garotinho é Ronan Farrow, 23 anos,
assessor especial de Hillary para questões da juventude mundial.
Ele é também o único filho biológico da
atriz Mia Farrow com o cineasta Woody Allen. Menino prodígio, começou a falar
aos sete meses e ler aos dois anos, entrou para a universidade aos 11 e foi
aceito no curso de direito de Yale aos 16. Mas, no Departamento de Estado, ele
ainda é "aquele garotinho".
"Já passei por vários momentos
embaraçosos por ser jovem e desconhecido. A velha guarda fala comigo com
condescendência e, às vezes, até certo menosprezo. O que importa é que a chefe
dá apoio total ao meu trabalho", diz Ronan, em entrevista à Serafina.
Filho de Woody Allen e Mia Farrow, Ronan
Farrow destaca-se como garoto-prodígio ao lado de Hillary Clinton
Não foi fácil falar com o rapaz. Flashes
e gravadores provocam nele um óbvio desconforto. Natural para alguém que, aos
quatro anos, se viu no centro de um escândalo de repercussão mundial.
Vale relembrar alguns momentos dessa
história. Depois de dois casamentos fracassados -- com Frank Sinatra e com o
músico André Previn --, Mia Farrow teve um relacionamento de 12 anos com Woody
Allen, que também já tinha sido casado duas vezes.
Eles viviam em casas separadas pelo
Central Park, em Nova York. Os dois gostavam de se observar com binóculos, de
caminhar de manhã lado a lado no parque e de trabalhar.
Juntos, fizeram 13 filmes -- entre eles,
"Hannah e Suas Irmãs" (1986), "A Rosa Púrpura do Cairo"
(1985) e "A Era do Rádio" (1987).
Juntos, também adotaram duas crianças e,
finalmente, tiveram Ronan. "A falta de entusiasmo de Woody (com a
gravidez) era deprimente", escreveu Mia em sua biografia, "What Falls
Away", de 1997. O nascimento do garoto não ajudou. De fato, Woody contaria
depois que o relacionamento sexual do casal começou a se deteriorar com a
chegada do filho.
A vida, então, tomou um rumo
"woodyalleano" e, em janeiro de 1992, Mia encontrou fotos polaroides
de Soon-Yi, sua filha adotiva com Previn, na casa do cineasta. A menina de 21
anos estava nua, de pernas abertas.
A atriz ainda estava filmando o que
seria a sua última parceria com o cineasta, o ótimo e muito autobiográfico
"Maridos e Esposas". Na história, ele faz o papel de um professor
casado (com a personagem de Mia), que se envolve com uma jovem aluna (Juliette
Lewis).
Na vida real, Soon-Yi se mudou para o
apartamento de Woody, no East Side. Chocada, Mia ainda acusou o cineasta de
abusos sexuais contra uma das crianças que o casal adotou, Dylan, uma menina
dois anos mais velha que Ronan.
Ele, então, resolveu brigar na justiça
pela custódia dos três filhos. As acusações de abuso nunca foram provadas.
Mas Mia ganhou a briga e ficou com a
guarda das crianças. Woody ganhou o direito de ver Ronan três vezes por semana,
em visitas monitoradas de duas horas.
A relação de pai e filho, que nunca
tinha sido muito boa, se deteriorou. Ronan não tem qualquer contato com o pai
desde 1995, quando ainda tinha sete anos.
De volta a 2011, não é difícil entender
porque o assessor do Departamento de Estado leva mais de dez minutos para
convencer "aquele garotinho" a ir até a área dos jornalistas.
Quando finalmente veio, encheu a
repórter de perguntas. Por fim, deu o contato de sua secretária e, depois de
duas semanas, concordou em dar uma entrevista por telefone -- desde que fosse
sobre sua trajetória profissional.
Só quando o assunto é trabalho, Ronan
abre a guarda, fala sem parar e até dá seu email e o número do telefone
celular.
"Desde cedo, fiz viagens incríveis
com minha mãe para locais de conflito. Em Darfur, no Sudão, sofri muito ao ver
as condições de vida do povo. Na volta, tive minha maior vitória: participei de
um protesto que acabou fazendo com que os fundos de pensão das universidades
parassem de comprar ações de empresas que negociam com o Sudão", conta,
empolgado.
Mia e o filho têm muito em comum. Os
olhos azuis, os cabelos louros acinzentados e o interesse por direitos humanos
são algumas características compartilhadas.
Entre os 14 filhos da atriz -- quatro
biológicos e dez adotivos--, Ronan sempre foi o mais próximo. Quando, aos 11
anos, ele entrou para o Bard College, Mia levava o filho às aulas diariamente.
Dirigia sua minivan verde por uma hora e meia desde a casa da família, em
Connecticut, para onde se mudou depois da separação.
Como Ronan era muito novo para ir de uma
sala de aula à outra, a atriz passava o dia no campus com o filho.
Do pai, ele herdou o corpo franzino, a
pouca altura (1,68m) e o gosto por música. Assim como Woody faz com o clarinete,
Ronan toca guitarra para relaxar: "Tem uma sala de música no Departamento.
É para onde vou quando sobra tempo".
Ao que parece, não sobra muito. Depois
de três anos vivendo em Washington, ele nunca apareceu em colunas sociais.
O restaurante que mais frequenta é a
cafeteria do trabalho. "Tem dia que faço as três refeições lá", diz
ele, que costuma contar o que comeu no Twitter. "Se a China soubesse o que
a cafeteria do Departamento de Estado vende como comida chinesa, teríamos um
incidente diplomático", escreveu.
Ronan nunca se interessou pela carreira
dos pais e dos avós maternos. Atriz de "O Bebê de Rosemary" e de mais
de 40 outros filmes, Mia é filha do diretor John Farrow e da atriz Maureen
O'Sullivan, que ficou famosa como a Jane do Tarzan.
Desde cedo, seu interesse é por ativismo
e política. Antes de assumir, em junho, o cargo de assessor de Hillary e
diretor do setor de juventude mundial, Ronan trabalhou dois anos no próprio
Departamento de Estado, como assessor especial para Assuntos Humanitários e
ONGs com foco no Afeganistão e no Paquistão.
Ele também tem no currículo o cargo de
porta-voz da Unicef na Nigéria, Angola e Darfur e o Prêmio Humanitário
McCall-Pierpaoli de 2008. Para completar o histórico, Ronan publicou artigos em
jornais como "Wall Street Journal" e "International Herald
Tribune" e trabalhou, nos tempos de Yale, como advogado para uma firma
conceituada de Nova York.
Um dos próximos destinos do ativista
político é o Brasil, que já foi citado em seus discursos e no Twitter:
"Temos vários programas
interessantes em conjunto, como o dos Jovens Embaixadores. O Brasil tem
aparecido no cenário mundial com uma resposta vibrante à realidade da população
jovem. No ano que vem, finalmente vou conhecer o país durante o Rio+20
[Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, que será
realizada no Rio de Janeiro, em junho de 2012]."
Curiosamente, Ronan Farrow já trocou de
nome duas vezes. Nos primeiros anos de vida, era chamado pelo primeiro nome,
Satchel, homenagem do pai a um famoso jogador de beisebol americano.
Depois que o casal se separou, Satchel
passaria a ser chamado de Seamus. Ao se formar em Yale, virou Ronan.
"Não mudei de nome legalmente.
Tenho vários nomes e posso escolher", justifica, dizendo que na certidão
seu nome é Satchel Seamus Ronan O'Sullivan Farrow.
O sobrenome do pai não entrou porque Mia
já tinha oito filhos quando Ronan nasceu e não queria que ele fosse o único
diferente entre seis Previns e dois Farrows. Quem disse que nome não é destino?
*
Linha do tempo
A vida de Ronan Farrow e a obra de seu
pai.
19/12/1987
Ronan nasce de cesariana e mora com a
mãe e os irmãos no apartamento de oito quartos da Central Park West, onde Allen
filmou os jantares de "Hannah e Suas Irmãs".
1 ano (1988)
Segundo o cineasta, no aniversário de um
ano do filho, a relação já era "totalmente platônica". Neste ano,
Woody lança o filme "A Outra" (1988). Mia faz o papel de uma grávida
que pensa em suicídio.
2 anos (1989)
O cineasta não quer que a atriz amamente
o filho, o que ela faz até os dois anos e meio. Os pais fazem três outros
filmes juntos: "Crimes e Pecados" (1989), "Contos de Nova
York" (1989) e "Simplesmente Alice" (1990). Neste último, a
personagem de Mia deixa o marido, vai criar os filhos sozinha e se dedicar a trabalhos voluntários.
4 anos (1991)
Mia reúne os filhos mais velhos e
Soon-Yi para discutir a crise familiar. O caçula, Ronan, assiste à
"Pequena Sereia" na sala ao lado. Soon-Yi decide deixar a família.
8 anos (1995)
Ronan já lê Kafka, Camus e Sartre. Woody
lança "Poderosa Afrodite" (1995). O filme conta a história de um
casal que adota uma criança brilhante, filho de uma prostituta.
10 anos (1997)
Woody e Soon-Yi se casam na Itália. O
filme do cineasta deste ano é "Desconstruindo Harry" (1997), em que
ele faz o papel de um escritor em crise criativa e odiado pelas três
ex-mulheres.
11 anos (1998)
Ronan se torna o estudante mais jovem do
Bard College e entra para o Hall da Fama dos Jovens Superdotados (YEGS Hall of
Fame, em inglês). Woody, que está lançando "Poucas e Boas" (1999),
fica sabendo da novidade por jornalistas.
12 anos (1999)
O cineasta assina um contrato de cinco
filmes com a DreamWorks, de Steven Spielberg. Seriam considerados alguns dos
piores do diretor.
15 anos (2002)
Ronan escreve uma tese sobre ciência
política e se forma com nota máxima no Bard College. A DreamWorks lança a
comédia "Igual a Tudo na Vida" para atrair
o público jovem
aos filmes de Woody Allen.
16 anos (2003)
Ronan é aceito para o curso de direito
da Universidade de Yale. Ele já trabalha como porta-voz da Unicef e assistente
de político. No filme "Melinda e Melinda" (2004), um personagem diz:
"O importante é quem você conhece. A vida é uma rede de contatos".
17 anos (2004)
O "Daily Mail" entrevista
Ronan: "Ele é meu pai e se casou com minha irmã. Isso é uma transgressão
moral. Eu não posso vê-lo. Não posso ter uma relação com meu pai e ser
moralmente consistente". Woody Allen diz que o escândalo foi um golpe de
sorte em sua vida. O brilhante "Match Point", sobre sorte e destino,
entra em cartaz.
2008 / 21 anos
Ronan entra no Departamento de Estado.
Woody lança "Tudo Pode Dar Certo", sobre o relacionamento de um homem
mais velho com uma mulher jovem. Ele e Soon-Yi continuam juntos e têm duas
meninas adotivas. Elas não conhecem o irmão.