A FOLHA, sempre com uma fiel análise do Oscar Pilagallo, hoje sobre a Baronesa Thatcher.
Margaret
Thatcher foi um dos poucos políticos contemporâneos a quem se pode aplicar, sem
exagero, o rótulo de revolucionário. O mundo em 22 de novembro de 1990, quando
ela deixou o poder, não era o mesmo de 4 de maio de 1979, data do discurso de
posse como primeira-ministra britânica -- e a transformação se deveu em grande
parte a seu governo.
O nome da
líder dos conservadores britânicos -- posto que assumiu quatro anos antes da
eleição -- estará para sempre ligado ao neoliberalismo que, mais tarde, seria
praticamente hegemônico no Ocidente. Foi ela quem, depois de colocar de joelhos
o poderoso sindicalismo britânico, implantou uma série de políticas que liberou
as forças do mercado.
Ao longo dos
11 anos à frente do governo, Thatcher levou a cabo um ambicioso programa de
privatização, desregulamentou o mercado financeiro, adotou um rígido
monetarismo e desmantelou em grande parte o Estado do bem-estar social
implantado depois da Segunda Guerra.
O ideário de
Thatcher foi seguido em muitos países. No Brasil, o presidente Collor, eleito
em 1989, quando a gestão de Thatcher completava dez anos, adotou seus pontos
ortodoxos, numa orientação que, após o hiato Itamar Franco, seria retomada por
Fernando Henrique Cardoso e mantida por Lula e Dilma.
Do ponto de
vista ideológico, Thatcher foi mais importante que Ronald Reagan, que governou
os EUA na mesma época. Os dois se baseavam na mesma cartilha liberal, mas,
enquanto o presidente americano tinha um enfoque mais pragmático (basicamente,
reduziu o peso do Estado cortando impostos), a premiê britânica estava
empenhada em fundar um capitalismo popular, pulverizando o controle das
estatais e viabilizando o acesso da classe média à casa própria.
O programa
econômico de Thatcher sempre foi atacado pelas esquerdas, obviamente, mas as
críticas não ideológicas só ganhariam maior repercussão nas crises econômicas
mundiais recentes, uma vez que uma de suas causas foi a excessiva
desregulamentação do setor financeiro.
De resto, o
mundo ocidental ainda tem algo da cara que Thatcher lhe deu. No próprio Reino
Unido -- embora os yuppies, símbolos do individualismo que ela tanto incentivou,
tenham perdido prestígio --, o thatcherismo resistiu mesmo sob o governo
trabalhista que o substituiu.
A influência
de Thatcher, no entanto, vai além do campo econômico. Na política internacional,
a vitória do livre mercado sobre a economia de planejamento central ajudou a
minar as bases da União Soviética, que se desmancharia em 1991, um ano depois
da queda de Thatcher.
Na América
Latina, sua influência também não foi pequena -- embora tenha sido involuntária.
Logo depois da vitória militar britânica na reconquista das ilhas Falklands
(Malvinas para os argentinos), em 1982, a desgastada ditadura argentina chegou
ao fim. A influência foi involuntária porque evidentemente ela não estava preocupada
com o destino do regime argentino. Em relação a ditaduras de direita, aliás,
Thatcher apoiou até o fim o general Pinochet, do Chile.
O legado
político de Thatcher é realçado pela marcante trajetória pessoal. Líder
estudantil conservadora, a filha de um quitandeiro tentou uma vaga no
Parlamento em 1950, aos 25 anos, mas só se elegeria em 1959, na terceira
tentativa.
A partir daí,
a carreira decolou: ela foi a primeira mulher a governar um país na Europa e o
político britânico que ocupou por mais tempo o cargo desde o início do século
19, tendo sido reeleita duas vezes, um recorde que só seria igualado pelo
trabalhista Tony Blair.
A firmeza com
que defendia suas ideias lhe valeu o apelido de Dama de Ferro, que ela adotou e
reforçou com um penteado austero. Centralizadora, a governante impunha sua
vontade sobre seus ministros, que dispunham de limitada autonomia.
Após deixar o
poder -- ela foi forçada a renunciar depois de um racha entre conservadores
devido à sua posição contrária à integração europeia --, Thatcher ganhou o
título de baronesa e passou a ser uma das mais requisitadas (e bem remuneradas)
conferencistas do mundo.
No início dos
anos 2000, uma série de pequenos derrames e a morte do marido fizeram com que
ela se afastasse da vida pública.