terça-feira, 8 de novembro de 2011

Dois mitos sobre a poupança nacional.


Yoshiaki Nakano, professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP ,hoje no Valor Econômico, escreve sobre “Dois mitos sobre a poupança nacional.”

Existem muitos mitos sobre a taxa de poupança no Brasil. Vejamos dois desses mitos. Primeiro, a maioria dos economistas quando fala em poupança está pensando em poupança pessoal, das famílias, ignorando a poupança das empresas. Segundo, a maioria dos analistas assume como óbvio que a baixa taxa de poupança é a responsável pela baixa taxa de investimento na economia brasileira. Vamos verificar se esses dois mitos se sustentam diante dos dados e das pesquisas empíricas.

A maioria dos economistas adquire o "estranho hábito" de raciocinar como se a poupança nacional fosse composta apenas da poupança pessoal, isto é, das famílias. E daí deriva um conjunto de diagnósticos incorretos. De fato, nos fundamentos teóricos dos neoclássicos estuda-se a decisão do consumidor, mas a empresa (firma) é identificada apenas por um conjunto de curvas de custos. Nesse mundo teórico, as categorias lucros, dividendos e lucros retidos não existem.

Quando se considera a empresa como uma complexa organização dirigida por executivos, que busca maximizar lucros e distribuir dividendos para os acionistas e interagindo com outras empresas, o equilibrio geral, para o conjunto da economia, fica indeterminado e as conclusões teóricas se desfazem. Daí o "estranho hábito" de identificar o mundo real com os modelos por eles criados e pior, agem como se fossem portadores da verdade. O que os fatos e o mundo real das análises financeiras nos dizem é algo completamente diferente.

Os dados do IBGE nos mostram que 88,4% da poupança bruta total no Brasil foi gerada pelas empresas, representando, em relação ao PIB, 17,1%, em 2006, último dado disponível. A poupança das famílias representou 26,8% da poupança total, o que representa 5,2% em relação ao PIB no mesmo período. O problema está localizado na Administração Pública, que tem uma despoupança de -15,9% da poupança bruta total, representando -3,1% do PIB. Logo, o setor privado poupou 22,3% do PIB e, se o governo tivesse consumido menos e poupasse o equivalente aos seus investimentos, a taxa de poupança teria atingido 25,4% do PIB.

Na verdade, estes dados apenas ratificam muitos estudos empíricos anteriores. Por exemplo, R. Bebczuk em pesquisas empíricas relatadas no seu livro texto sobre finanças ("Asynmetric Information in Financial Markets", Cambridge University Press, 2003) mostra que na América Latina, em média, 80,6% dos investimentos produtivos em firmas não financeiras eram financiados pelos lucros retidos no periodo 1990-1996. No Brasil esse percentual era pouco menor - 76,1% - dado certamente à elevada participação do BNDES. Nos países desenvolvidos, os lucros retidos financiavam, em média, 71,1% dos investimentos produtivos, tendo em vista a participação de 9,9% de ações.

Outra informação relevante é que nos países menos desenvolvidos a poupança das famílias é pouco expressiva e na America Latina representa apenas 13,6% da poupança privada total, enquanto que nos países desenvolvidos chega a representar, em média, cerca de 50%. No Brasil, a poupança das famílias representou 27,8% da poupança privada total e tenderá a aumentar com o crescimento, aumento da renda per capita e envelhecimento da população.

Portanto, o problema da poupança nacional está localizado no setor público que absorveu 15,9% da poupança do setor privado para financiar suas despesas, e investindo muito pouco produtivamente. Na realidade, o Governo apropria e reduz a poupança privada utilizando-se de dois instrumentos: 1) mantém taxas de juros num patamar recordista mundial; e 2) impõe carga tributária de mais de 36% do PIB.

O segundo mito advém do hábito de imputar a fatores exógenos ao sistema econômico os seus males. Nessa forma de pensar, a taxa de poupança é um dado exógeno, um dado não explicado pelo modelo. Assim, as elevadas taxas de juros, excesso de investimento em relação à poupança e o baixo crescimento seriam explicados por esse dado exógeno. Da mesma forma, é a baixa taxa de poupança doméstica que explica a taxa real de câmbio apreciada e o déficit em transacões correntes.

Na verdade, a taxa de poupança, depende dos lucros e este é endógeno e resultado da operação do sistema econômico: lucro não depende da decisão da empresa, depende do volume de vendas (demanda agregada) e seus preços, que resultam da negociação da taxa de salário com os trabalhadores e da competição e interação com as demais empresas. Em economias abertas, o lucro ou a margem de lucro tem uma relação com a taxa de câmbio, se ela for competitiva tendem a ser maiores, mas a relação é complexa e certamente não linear.

A poupança total, nas economias emergentes, ao depender fundamentalmente dos lucros retidos, e o fato dos trabalhadores (salários) pouparem menos do que os capitalistas (dividendos), fazem com ela seja variável e resultado final da operação e do desempenho do sistema econômico. Assim, quanto maior forem o volume de investimentos produtivos, este sim objeto de decisão das empresas, e o crescimento da economia, maior será a poupança nacional.

O que os dados do IBGE mostram é que não há excesso de investimento sobre a poupança de forma que esta última seja a restrição ao crescimento, ao contrário. Tanto as empresas como as famílias têm um excesso de poupança em relação aos investimentos produtivos, particularmente, nos anos recentes em que houve uma aceleração do crescimento. As empresas não financeiras pouparam 12,1% a mais do que a formação brutal de capital, isto é, os lucros retidos excessivos foram emprestados ou fizeram aplicações financeiras, em 2006, segundo os dados do IBGE. A baixa taxa de investimento sim é a causa da baixa taxa de crescimento da economia brasileira e ela é baixa porque a taxa de juros e a carga tributária são elevadas, assim como a taxa de câmbio está excessivamente apreciada.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Perfil populacional dos próximos anos é receita para desastre


Quando a Terra atingiu o sexto bilhão de seres humanos habitando-a simultaneamente, em 1999, o matemático biológico Joel E. Cohen,67, guardava um certo otimismo.

Via exagero no fatalismo com que alguns estudiosos referiam-se ao futuro e achava que a pergunta que dá título a seu livro mais famoso -quantas pessoas a Terra aguenta?- não era para ser respondida com um número, mas com políticas públicas e iniciativas sociais.

Entre o sexto e o recém-alcançado sétimo bilhão, porém, a humanidade -e seus governos- pouco colaboraram para manter o otimismo do matemático, que chefia o Laboratório de Populações na Universidade Rockfeller e leciona em Columbia, ambas em Nova York.

Em entrevista à Folha, Cohen falou sobre controle populacional, educação, investimento em desenvolvimento e o uso da comida que o mundo produz hoje.

Mas o tom que era de expectativa deu lugar à premência em um planeta que, a seu ver, tem seguido uma "receita para o desastre".

Folha - Quando chegamos aos 6 bilhões, o senhor dizia que a pergunta que dá título ao seu livro era algo em aberto. Aos 7 bilhões, continuamos sem resposta?
Joel E. Cohen - Agora percebemos que a mudança climática é uma ameaça à produção de comida, à vida das espécies, incluindo a humana, com mais clareza do que há 12 anos.
O progresso científico trouxe razões para nos preocuparmos mais.
Hoje também temos o maior número de famintos em 40 anos, segundo o braço da ONU para agricultura e alimentação: quase 1 bilhão.
Até recentemente, o número de pessoas cronicamente mal nutridas estava caindo, mas, nos últimos anos o preço dos alimentos subiu muito, em boa medida devido à competição com biocombustíveis e outros usos industriais da comida. Com isso, a fome aumentou.

Os biocombustíveis têm um impacto significativo? Porque a mudança climática também pesa nas colheitas.
Onde há medição, as colheitas diminuíram por causa da mudança climática. Mas acho que pesam os dois fatores, uso industrial e clima.
Outra questão é a crescente riqueza em alguns países em desenvolvimento. A quantidade de carne consumida por pessoa na Terra subiu, se não me engano, quatro vezes desde 1961. Países antes pobres, como a China, aumentaram enormemente a demanda, e muito do gado é alimentado com grãos, cultivados em terra agricultável que podia ser usada para plantar comida.
Os ricos conseguiram melhorar sua dieta, o que é bom, mas às custas dos pobres, que não têm como bancar a competição com os animais.

O que os governos de um mundo superpopuloso deveriam priorizar?
Em 2009-2010, o mundo cultivou 2,3 bilhões de toneladas métricas de cereais. Do total, 46% foi para a boca de pessoas, 34% for para animais e 18% foi para máquinas -biocombustível, plásticos. Nosso sistema econômico não precifica gente que passa fome. A fome é economicamente invisível. Não é que não possamos alimentar as pessoas -com o que se planta agora, poderíamos alimentar de 9 bilhões a 11 bilhões. O problema é que os pobres não têm renda.

O que o sr. sugere?
A primeira coisa é que todas as 215 milhões de mulheres que querem usar métodos anticoncepcionais, mas não têm sua demanda atendida, deveriam ter apoio financeiro para conseguir anticoncepcionais moderno.
Isso custaria US$ 6,7 bi ao ano para o mundo todo. Os EUA, sozinhos, gastaram US$ 6,9 bi para festejar o Halloween há uma semana [segundo a Federação Nacional de Varejistas]. Devemos dividir a conta com países ricos e pobres. Mas o mundo pode bancar isso facilmente.

E o que mais?
Assegurar que todos tenham uma educação de boa qualidade no ensino fundamental e médio, que permita às pessoas ter renda e ser trabalhadores capacitados.
Isso também melhoraria a velhice, pois gente bem educada na juventude envelhece com mais saúde. E, quando os jovens vão à escola, eles se casam mais tarde. Mulheres educadas costumam ter menos filhos, e seus filhos sobrevivem melhor. As taxas de mortalidade caem.
E a minha terceira recomendação é garantir nutrição adequada para todas as gestantes, lactantes e crianças de até cinco anos. Isso é crucial, pois se a criança passa fome antes de chegar à idade escolar, ela não aprende.

Há problemas de desenvolvimento.
Se você quiser que as crianças tenham cérebros que funcionam, é preciso assegurar que tenham acesso a boa comida. Não estamos fazendo isso. Estamos desperdiçando nossas crianças sem ver o custo econômico.
Há um conceito em economia chamado custo de oportunidade, que é o que você perde ao não explorá-la. Nosso péssimo tratamento das crianças é um custo de oportunidade enorme que não é incluído nos sistemas econômicos nacionais.

O sr. está familiarizado com os programas de transferência de renda no Brasil?
Li pouco sobre eles, mas sei que existem programas similares no México. São maravilhosos. O Brasil e o México estão entre os países mais ricos que levam a questão a sério. Na América Latina como um todo, o número médio de filhos por mulher passou de 6, nos anos 60, para 2 ou 2,1 hoje. Uma mudança enorme.

O sr. atribui isso a quê?
É uma via de mão dupla. Por um lado, as mulheres e meninas receberam mais educação, e houve quedas tremendas na taxa de fertilidade. Por outro, a queda na fertilidade faz com que haja menos crianças precisando de escola. As duas coisas andam juntas. A educação reduz a fertilidade, e a fertilidade mais baixa melhora as oportunidades para a educação, se a sociedade quiser.
Na África subsaariana e no Sul da Ásia, inclusive parte da Índia, você não vê uma queda tão drástica na fertilidade, tampouco melhoras na nutrição.

A fertilidade caiu na Europa, e a população envelheceu. O mesmo tem ocorrido na América como um todo. Mas a fertilidade ainda é alta em partes do mundo, sobretudo na Ásia, como o sr. diz. Qual o impacto, para o planeta, de uma população declinante e envelhecida de um lado e países cada vez mais superpopulosos de outro?
Você tem razão, temos pelo menos dois regimes demográficos hoje. Há mais de 50 países onde os níveis de fertilidade caíram abaixo da taxa de reposição. E há outros com crescimento rápido.
Em 1950, havia três vezes mais gente na Europa do que na África Subsaariana. Em 2010, havia 16% mais gente na África Subsaariana do que na Europa. Pelas projeções da ONU, em 2100 haverá 5 pessoas na África Subsaariana para 1 na Europa. De 3 para 1, fomos de 1 para 5 -a proporção aumentou 15 vezes.
Isso pode significar uma tremenda pressão pela imigração da África subsaariana para a Europa se a África continuar pobre. Por outro lado, se os europeus, se a China e se o resto do mundo ajudarem a África a enriquecer, isso pode significar um mercado enorme para o maquinário, os produtos e até o estilo que a Europa produz. E pode significar prosperidade.

O perfil da população mudou, mas a renda não acompanhou -menos gente tem mais, mais gente tem menos.
É lamentável. É uma situação instável ecológica, política, econômica e socialmente. É a receita para o desastre.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Investimento ou poupança?


Diretamente do Valor Econômico de hoje, artigo do Professor Armando Castelar Pinheiro. 

A maior parte das análises sobre o potencial de crescimento do Brasil enfatiza a limitação imposta à expansão da economia pela nossa baixa taxa de investimento. Desde 1995, quando tem início a nova série das contas nacionais do IBGE, em apenas três anos - 1995, 2008 e 2010 - essa taxa superou 18% do PIB. Estima-se que para sustentar um crescimento do PIB da ordem de 5% ao ano é necessário investir algo como 22% do PIB. Isso, mesmo com premissas otimistas sobre a expansão da produtividade total dos fatores.

As consequências do baixo nível de investimento são visíveis: portos, aeroportos e rodovias congestionadas, apagões na rede elétrica, transporte urbano ruim, baixa cobertura da rede de esgotos etc. No setor imobiliário também é óbvia a falta de investimento, estimando-se que alguns milhões de famílias vivem em condições inapropriadas.

Essa carência de investimentos, por sua vez, é em geral atribuída à nossa baixa taxa de poupança: em 1995-2010, de apenas 15,5% do PIB, em média. O argumento básico é que a demanda por investimento no Brasil é alta, dado o grande potencial de crescimento do país, mas ela esbarra em nossa escassa poupança. O resultado é uma taxa de juros elevada e um baixo nível de inversão.

Não há como contestar que a poupança nacional é baixa e que é necessário elevá-la. Sem isso, uma alta do investimento exigiria déficits elevados com o resto do mundo, potencialmente geradores de crises de financiamento externo. Mas será uma alta da poupança também condição suficiente para elevar o investimento, como sugere o argumento acima? Algumas evidências recentes e outras mais antigas sugerem que não.

No Global Competitiveness Report (Relatório de Competitividade Global) de 2011-12, do Fórum Econômico Mundial, por exemplo, só 3,3% dos empresários consultados consideraram as condições de financiamento como o maior obstáculo para fazer negócios no país. Muito mais importantes são a elevada carga tributária (19,3%), a regulação tributária (16,6%) e a má qualidade da infraestrutura (15,1%), para ficar nos principais. Em suma, o problema maior é o ambiente de negócios ruim.

A recém-divulgada pesquisa do Doing Business, do Banco Mundial, confirma o perfil hostil do ambiente de negócios no Brasil. O país ficou na 126ª posição, entre 183 economias pesquisadas, seis colocações abaixo da do ano passado. O Brasil andou para trás em metade dos itens considerados. Vários dos problemas dizem respeito ao número elevado de procedimentos burocráticos e ao tempo necessário para se cumprir as regras administrativas: por exemplo, no Brasil, uma licença para construção leva 469 dias para ser obtida, contra 221 na média da América Latina e 151 na da OCDE.

No quinquênio 2003-07, o Brasil registrou superávits em conta corrente. Portanto, exportou poupança, o que significa que apesar de baixa, esta foi então mais do que suficiente para financiar a demanda por investimento no país. Atualmente o país registra um déficit, mas este poderia ser maior, dada a disposição dos investidores estrangeiros, se houvesse bons projetos a implantar.

O custo de captação via ações no Brasil não é alto, sendo essa uma opção para empresas grandes, e até algumas médias, captarem recursos para investimentos. No último quinquênio, as captações primárias - portanto, recursos novos - na Bovespa somaram 1,5% do PIB, contra basicamente zero na década anterior. Também isso parece ter tido pouco impacto sobre o investimento agregado.

Nos últimos quinze anos aumentou muito a disponibilidade de financiamento a baixo custo pelo BNDES: de 1,0% do PIB em 1995 para 4,6% do PIB em 2010. Neste ano, a TJLP, descontada a inflação, foi zero. O impacto no investimento da alta na oferta e da queda no custo de recursos foi nulo: em 2010, a taxa de investimento (18,4% do PIB) foi igual à de 1995 (18,3% do PIB). Com isso, tudo que se conseguiu foi quintuplicar a razão entre os desembolsos do Banco e a taxa de investimento, de 5% em 1995 para 25% em 2010. Mudou a forma de financiamento, mas não o ritmo de inversão. A reação das empresas à maior disponibilidade de recursos baratos não foi investir.

O ponto que se deseja fazer não é o da irrelevância de medidas para elevar a poupança, em especial a pública, que ao manter-se sistematicamente negativa penaliza todo o resto da economia. Longe disso, o Brasil precisa de medidas que fomentem a poupança e aumentem a eficiência com que essa é intermediada. O que se quer é chamar a atenção para a necessidade de, em paralelo, remover as barreiras que desincentivam o investimento no país.

A falta de políticas voltadas para melhorar o ambiente de negócios e investimento no Brasil é compreensível, mas lastimável. Compreensível, pois é um processo lento, que exige persistência e não dá aos políticos a oportunidade de se promover em eventos de inauguração. Uma lástima, pois é uma agenda positiva, de baixo custo financeiro e com grande potencial distributivo, já que beneficia desproporcionalmente os pequenos empresários.

Crescimento menor com Dilma.


LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, hoje na FOLHA DE S.PAULO.  

Pretendia hoje refletir sobre a situação na Europa, depois da aprovação do novo pacote de medidas para enfrentar a crise na zona do euro. Estava relativamente otimista, pois as decisões tomadas superaram as expectativas dos analistas. Como sou adepto da teoria de que para enfrentar um problema estrutural que depende de consenso político é preciso fatiá-lo e resolvê-lo ao longo do tempo, estava confiante.

Mas a decisão do primeiro-ministro grego de levar a questão da adesão ao pacote a uma consulta popular voltou a tornar instável o futuro imediato do euro e a pressionar os governos por uma nova rodada de medidas. A ameaça grega recolocou a Itália na berlinda, provocando nova rodada de aumento no risco político associado a seus títulos soberanos de crédito. Por sorte, essa nova rodada de pânico nos mercados acontece quando os governantes do G20 estão reunidos em Cannes para um de seus encontros formais periódicos.

Talvez seja boa oportunidade para chegar a um entendimento para trazer novos recursos, externos à Europa, para aumentar o poder de fogo do Fundo Europeu de Estabilização Financeira. Mas as decisões do G20 e do Parlamento grego só serão conhecidas depois de ter escrito minha coluna.

Por isso, aproveito para tratar de outra questão que tem dominado o debate econômico no Brasil nos últimos dias: o enfraquecimento mais acelerado da economia, principalmente no segmento da indústria. Segundo projeções da equipe de economistas da Quest, ela não vai crescer em 2011. O crescimento do PIB também deve apresentar resultados mais modestos neste ano.

A desaceleração da economia está sendo maior do que eu esperava. E não se pode jogar a culpa na crise externa, pois seus efeitos no Brasil ainda são muito pequenos e contraditórios. Por exemplo, em relação à inflação, o cenário externo tem tido efeitos benignos via preços das commodities. Por isso, alguns fatores internos, menos conhecidos, devem estar afetando nossa economia.

Uma primeira hipótese que venho trabalhando há alguns meses é a de que forças expansionistas temporárias, que atuaram no segundo mandato de Lula, estão perdendo força.

Um exemplo é o crescimento do crédito, que chegou a dois dígitos em 2007/8 e hoje está na faixa de 6,8%. Em 2007, o total de crédito na economia estava muito abaixo dos padrões internacionais; hoje, principalmente no financiamento de bens duráveis, já está em níveis compatíveis ao de economias mais avançadas e vai crescer bem mais lentamente daqui por diante.

Outro exemplo do esgotamento do crescimento do consumo via crédito pode ser encontrado na chamada classe média emergente. Esses brasileiros que, ao longo dos últimos anos, passaram a ter acesso ao crédito via bancos ou grandes varejistas, já enfrentam problemas para honrar seus compromissos, mesmo com os salários crescendo a taxas reais de cerca de 3% ao ano. Como não temos a incorporação de novos membros das classes de renda mais baixa por total falta de qualificação profissional, esse impulso no consumo tende a desaparecer.

Finalmente, a concorrência das importações também joga a favor de um crescimento mais modesto. Nos anos passados, mais importações representaram válvula de escape contra a inflação via maior oferta de bens; hoje, afetam também o crescimento da indústria.

A tabela ao lado mostra os sinais claros de crescimento mais fraco sob Dilma quando comparado com o segundo mandato de seu criador.

Latino-americanização da Europa.


MOISÉS NAÍM, hoje na FOLHA DE S. PAULO, comparando a América Latina e a Europa. 

Algumas semanas atrás, participei de uma reunião em Bruxelas que coincidiu com a cúpula em que líderes europeus traçaram o plano para estabilizar o velho continente. Também por coincidência, muitas das delegações à cúpula estavam hospedadas no hotel em que minha reunião -que não era ligada à cúpula- estava tendo lugar.

Inevitavelmente, ao final do dia ou durante o café da manhã, vários colegas e eu conversávamos informalmente com amigos que trabalham nas equipes técnicas que dão apoio às negociações de alto nível.

As histórias, a ansiedade e a exaustão deles (trabalhavam sem parar havia vários meses) trouxeram de volta muitas memórias: numa carreira anterior, eu estive envolvido em um processo semelhante em meu próprio país, a Venezuela, e depois trabalhei no Banco Mundial e estive próximo de negociações semelhantes em outros países.

Em Bruxelas, fiquei fascinado com as semelhanças entre a crise europeia e as que testemunhei no passado. Mas fiquei ainda mais surpreso ao constatar que as autoridades europeias ignoravam as experiências de outros países com crises.

Qualquer sugestão de que poderia haver lições úteis a tirar das crises de dívida latino-americanas era rejeitada educadamente, mas com firmeza. "A Europa é diferente" foi a reação automática deles. "Temos o euro; nossas economias e sistemas financeiros são diferentes, assim como nossa política e cultura."

Isso tudo é verdade. Mas há outras realidades que também são verdade. Entre 1980 e 2003, a América Latina sofreu 38 crises econômicas, e a região -suas autoridades, os reguladores e, sim, até mesmo o público e os políticos- aprendeu com esses episódios dolorosos.

Talvez a lição principal seja o que eu chamo "o poder do pacote". O "pacote" é um conjunto abrangente, maciço, digno de crédito e sustentável de medidas, que não oferece só cortes e austeridade, mas também crescimento, redes de segurança social, reformas estruturais, empregos e esperança para o futuro.

Decisões econômicas fragmentadas, tomadas em partes e frequentemente contraditórias não funcionam. Elas são muito tentadoras, porque criam a ilusão de uma solução que evita as medidas mais impopulares. Mas, mais cedo do que tarde, a realidade teima em mostrar que as medidas parciais não estão funcionando, que se desperdiçaram tempo e dinheiro e que outra coisa se faz necessária.

E essa outra coisa é o pacote abrangente, que inclui remédios fortes para todos os males que afetam a economia: dívida demais, gastos governamentais demais, bancos insuficientemente capitalizados, supervisão ineficiente, políticas fiscal e monetária não coordenadas, baixa competitividade internacional e regras que inibem o investimento e a geração de empregos.

Quando críticos descrevem a crise europeia como sendo "semelhante à latino-americana", pensam na América Latina que sofreu as crises, não na que sabe como evitá-las.

Hoje, a maioria dos países latino-americanos tem economias em crescimento e bancos sólidos. O que desejamos para a Europa é que suas economias comecem a assemelhar-se mais às da nova América Latina e menos às da velha Europa.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Um Banco Central com três objetivos?


Garimpei este texto do CRISTIANO ROMERO, diretamente da página do ValorInveste.  Na realidade, a insistência em mudar o que está dando certo, um dia conseguirá de fato até colocar  a casa em desordem. Se cumprir um objetivo é difícil, missão impossível para três...  
  
Se o projeto de Lindberg Farias (PT-RJ) for aprovado pelo plenário do Senado, o Banco Central (BC) passará a ter três objetivos: assegurar o poder de compra da moeda; estimular o crescimento econômico e a geração de emprego. Trata-se de uma mudança radical que, se confirmada, poderá representar o fim do regime de metas para inflação, adotado pelo Brasil há 13 anos.

Por esse regime, o BC persegue uma meta – a de inflação, fixada pelo governo via Conselho Monetário Nacional. Para cumprir seu objetivo, o Banco Central utiliza a taxa básica de juros (Selic), levando em conta as condições gerais da economia (demanda do setor público, das famílias e das empresas; oferta de bens e produtos; taxa de desemprego; expectativas de inflação e de crescimento; cenário externo etc.).

Ao justificar seu projeto, o senador petista citou o exemplo do Federal Reserve (Fed), banco central dos Estados Unidos, que perseguiria “as condições monetárias e de crédito na economia em busca do emprego máximo, preços estáveis e taxas de juros de longo-termo moderadas”. Na prática, o Fed persegue uma meta de inflação, mas, ao contrário do Brasil, não tem uma meta explícita e, por essa razão, é bastante criticado em seu país.

Lindberg assegurou que sua proposta está em linha com o que pensa a presidente Dilma Rousseff. “A presidenta tem dito que o objetivo da política econômica do seu governo é perseguir a estabilidade monetária e combater a inflação, mas conjugar isso com crescimento econômico. Nós estamos colocando isso de forma clara”, disse ele, segundo reportagem da repórter Raquel Ulhôa, no portal do Valor.

Por trás do projeto do senador está a ideia de que o BC, ao ter apenas uma meta, não se preocupa com o crescimento da economia nem com as taxas de desemprego. Esta é uma ideia equivocada. No regime de metas, embora o objetivo precípuo do BC seja trazer a inflação para o alvo definido pelo governo, a autoridade monetária procura cumprir sua missão de forma a diminuir a volatilidade do produto.

O regime contempla, por meio do intervalo de tolerância (dois pontos percentuais para cima e dois para baixo), espaço para absorção de choques de oferta. Admite, ainda, a possibilidade de ajuste nos momentos em que fica claro que a busca da meta, no curto prazo, derruba excessivamente a atividade econômica. O Brasil, por exemplo, já recorreu ao mecanismo da meta ajustada em mais de uma oportunidade.

O projeto de Lindberg Farias está no contexto geral da cacofonia que, infelizmente, tem imperado no governo Dilma quanto aos rumos da política econômica. Oficialmente, o regime em vigor – o de metas para inflação, câmbio flutuante e superávit primário – ainda não mudou, mas não faltam ideias e propostas para flexibilizá-lo, em prol de um suposto crescimento econômico mais forte, de uma taxa de câmbio menos apreciada, de juros menores e de uma maior tolerância com a inflação.

O governo tem legitimidade política para mudar o modelo econômico, mas ainda não o fez oficialmente. O resultado de todo o falatório, no qual se insere o projeto do senador Lindberg Farias, tem ajudado, na prática, a derrubar a taxa de crescimento e a aumentar a inflação, o oposto do que pretendem os defensores de mudanças.

A experiência internacional das duas últimas décadas mostra que a maneira mais eficaz de lidar com a inflação e assegurar o pleno emprego é trabalhar com um regime de metas para a inflação, cujo principal instrumento é a taxa básica de juros. O BC brasileiro faz hoje o que fazem inúmeros BCs pelo mundo.

Brasil de 2022, ou seja, Brasil de 2011+11!


O evento "O Brasil de 2022: Ordem e Progresso?", organizado pelo grupo que edita a revista britânica "The Economist", começa na próxima quinta-feira em São Paulo. Mais de 30 palestrantes, especialistas de diversas áreas, do Brasil e do exterior, confirmaram participação.

Entre eles, Fabio Coelho, presidente-executivo do Google no Brasil, Braulio Mantovani, roteirista dos filmes "Cidade de Deus" e "Tropa de Elite", Barbara Bruns, principal economista do Banco Mundial para América Latina e Caribe, Luiza Helena Trajano, presidente do Magazine Luiza, e Vinicius Torres Freire, colunista da Folha.

A ideia é debater perspectivas para o desenvolvimento nos próximos dez anos.

Embora o Brasil esteja vivendo um ciclo de prosperidade, impulsionado pela alta dos preços das commodities e a industrialização de China e Índia, os desafios são grandes e variados, envolvendo temas como as enormes taxas de desigualdade social, regulamentações onerosas e infraestrutura precária.

"A pergunta é se o Brasil pode fazer os investimentos estratégicos necessários para sustentar o crescimento e aprofundar sua participação na economia global", diz Helen Joyce, chefe do escritório da "Economist" no Brasil.

O Brasil de 2022: Ordem e Progresso, de 3 a 4/11; Hotel Unique - av. Brigadeiro Luis Antonio, 4.700, SP; inscrições: http://brazilsummit2011.eventbrite.com/; valor: para compra de grupos a partir de três pessoas, US$ 1.695 cada uma; para compras individuais, US$ 2.095.

Brasil: IDH 2011.


Copenhague, Dinamarca, 02/11/2011:

Brasil avança no desenvolvimento humano e sobe uma posição no ranking do IDH 2011

RDH 2011 mostra Brasil na 84ª posição entre 187 países; nos últimos 5 anos, o país está entre os 24 que subiram 3 ou mais posições

Entenda o IDH
O IDH varia de 0 a 1 (quanto mais próximo de 1, maior o desenvolvimento humano), e mede as realizações em três dimensões básicas do desenvolvimento humano - uma vida longa e saudável, o conhecimento e um padrão de vida digno. As três variáveis analisadas, dessa forma, são relacionadas à saúde, educação e renda. Desde o ano passado o Relatório de Desenvolvimento Humano deixou de classificar o nível de desenvolvimento de acordo com valores fixos e passou a utilizar uma classificação relativa. A lista de países é dividida em quatro partes semelhantes. Os 25% com maior IDH são os de desenvolvimento humano muito alto, o quartil seguinte representa os de alto desenvolvimento (do qual o Brasil faz parte), o terceiro grupo é o de médio e os 25% piores, os de baixo desenvolvimento humano.

18 países incluídos este ano
Palau, Cuba, Seychelles, Antígua e Barbuda, Granada, Líbano, São Cristóvão e Névis, Dominica, Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas, Omã, Samoa, Territórios Palestinos Ocupados, Kiribati, Vanuatu, Iraque, Butão, Eritreia.

do PNUD
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil avançou de 0,715 em 2010 para 0,718 em 2011, e fez o país subir uma posição no ranking global do Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) deste ano. Com isso, o Brasil saiu da 85ª para a 84ª posição, permanecendo no grupo dos países de alto desenvolvimento humano. O documento foi lançado esta quarta-feira pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em Copenhague, na Dinamarca.

O Relatório de Desenvolvimento Humano 2011 apresenta valores e classificações do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) para um número recorde de 187 países e territórios reconhecidos pela ONU. Um aumento significativo em relação aos 169 países incluídos no Índice de 2010, quando os indicadores-chaves de muitos dos novos países analisados este ano ainda estavam indisponíveis.

No ranking global do IDH 2010, o Brasil obteve a classificação 73, entre os 169 países. No entanto, é enganoso comparar valores e classificações do RDH 2011 com os de relatórios publicados anteriormente . Isto porque, além da inclusão de 18 novos países e territórios (veja a lista no quadro ao lado), os dados e métodos sofreram ajustes e algumas mudanças.

Intitulado “Sustentabilidade e equidade: Um futuro melhor para todos”, o Relatório de Desenvolvimento Humano 2011 mostra que o Brasil faz parte do seleto grupo de apenas 36 dos 187 países que subiram no ranking entre 2010 e 2011, seguindo os dados recalculados para a nova base deste ano. Os outros 151 permanceram na mesma posição ou caíram. No caso brasileiro, esta evolução do IDH do ano passado para este ano contou com um impulso maior da dimensão saúde – medida pela expectativa de vida –, responsável por 40% da alta. As outras duas dimensões que compõem o IDH, educação e renda, responderam, cada uma, por cerca de 30%

Expectativas assimétricas.


MARIO MESQUITA, hoje na FOLHA DE S. PAULO, comenta que o  FMI e economistas preveem cenário pessimista para o desempenho da economia mundial em 2012

A economia mundial deve ter um desempenho razoável, segundo as mais recentes projeções dos economistas do FMI, em 2012. A taxa de crescimento mundial deve situar-se próxima de 4%, marginalmente acima daquela observada em 2011, abaixo das taxas vigentes em 2006/7 (média de 5,3%) e bem acima das taxas de 2,8% e de -0,7% de 2008 e de 2009.

Considerando-se grandes blocos e regiões, o crescimento mundial seguiria, na visão daquela instituição multilateral, sendo liderado pelas economias emergentes, com expansão esperada de 6,1%, sendo 8% na Ásia e 4% na América Latina, ao passo que as economias avançadas teriam crescimento bem mais modesto, de 1,9%, sendo somente 1,1% na zona do euro -que, se as projeções se materializarem, apenas em 2012 terá, por margem estreita, superado a contração de 2008.

Olhando os demais componentes do G4, espera-se crescimento de 1,8% para os EUA em 2012, ante 1,5% em 2011, 2,3% para o Japão, com recuperação expressiva, para os padrões japoneses, depois do terremoto e do tsunami de 2011, quando o PIB deve ter queda de 0,5%. Já a China deve desacelerar para 9% em 2012, ante 9,5% em 2011.

Em resumo, nada muito alentador, mas tampouco desastroso. Ocorre que o próprio Fundo alerta, em suas "Perspectivas Econômicas Mundiais", que os riscos para essas projeções são predominantemente negativos.

Nisso os economistas do FMI estão em boa companhia. Os mais renomados economistas têm, e não é de agora, disputado uma corrida para estabelecer quem é mais pessimista. Em um ambiente de recriminações sobre o papel, dúvidas (excessivas) sobre os fundamentos da profissão, os economistas embarcaram na onda da austeridade e das expectativas deprimidas. Essa atitude, apesar de ter um elemento de "efeito manada", pode perfeitamente estar correta. Os desafios perante a economia mundial são de fato bastante severos.

Nos EUA, temos um ambiente econômico complexo, com recuperação modesta e decepcionante no que se refere à geração de empregos. Aos problemas estruturais da desalavancagem das famílias e do setor imobiliário, pode se somar uma política fiscal contracionista, mais por conta do ambiente político carregado do que por decisão do governo Obama, que provavelmente teria de ser compensada por novas iniciativas do Fed (o BC do EUA).

A Europa vive, mais do que uma crise da dívida, uma crise política (quem determina as decisões de política fiscal da Itália, Roma ou Bruxelas, ou Frankfurt?) bem como uma crise estrutural -como fazer para que a periferia mediterrânea volte a crescer? A falta de informações claras sobre tais questões sugere que o nervosismo dos mercados com a situação do continente tende a persistir.

Mais recentemente, até a China tornou-se objeto de alguma preocupação. Nesse caso, a temática vai desde temores quanto a um pouso forçado, ou seja, crescimento mais para 7% do que para 9%, até uma possível crise financeira derivada do descontrole das finanças dos governos locais e seus efeitos sobre o sistema bancário.

Diante desse quadro, o predomínio do pessimismo é natural e de certa forma prudente -ninguém quer ser acusado de esquecer ou ignorar os chamados "downside risks". A concentração de opiniões nessa região pode, entretanto, apresentar situações interessantes. Em particular, a atual configuração de preços de ativos, em que pese a alta generalizada desde setembro, parece refletir não um cenário central parecido com aquele apresentado pelo FMI, mas sim os diversos riscos negativos que pairam no ar.

Nesse contexto, os economistas diriam que o pessimismo reflete um cenário central insosso e em especial um balanço de riscos para o crescimento mundial desfavorável. Por sua vez, os operadores de mercado diriam que, apesar de as preocupações listadas serem pertinentes, a posição técnica do pessimismo, que concentra a ampla maioria da opinião informada, é desfavorável -nesses momentos de consenso aparentemente inabalável, as mudanças de opinião podem ser substanciais e se traduzir em ajustes expressivos dos preços.

Microeconomia.


ANTONIO DELFIM NETTO, hoje na FOLHA DE S. PAULO.

O Banco Mundial acaba de publicar seu importante relatório anual "Doing Business - 2012", no qual são ordenados 183 países de acordo com as condições apreciadas em cada um deles por agências independentes e de boa qualidade.

O país mais amigável com a realização de "negócios privados" é classificado como número um (Cingapura) e o mais hostil, como número 183 (Chade). No Brasil, o total de informantes é da ordem de cem, com um viés para grandes e bem-sucedidos escritórios de advocacia, que, obviamente, têm "intimidade" com as dificuldades de negócios de seus clientes.

Qual o lugar do Brasil nessa corrida de 183 países? Nada lisonjeiro: 126º. Na inevitável comparação com os Brics, estamos atrás da China (91º) e da Rússia (120º) e ligeiramente à frente da Índia (132º).

O fato dramático é que, entre 2011 e 2012, realizamos apenas um aperfeiçoamento digno de nota na melhoria das condições para fazer negócios no Brasil: a aprovação da lei do cadastro positivo para a concessão de crédito.

Estamos retomando a ideia do Estado-indutor na macroeconomia, mas revelamos ainda enorme letargia para enfrentar as chamadas "reformas" microeconômicas fundamentais para um aumento da produtividade do país. É lamentável que algumas dessas medidas continuem seu sono eterno no Congresso Nacional enquanto se disputa como "aparelhar" mais o Estado.

Para dar uma ideia dessa apatia, basta lembrar que:
1º) No processo de instalar um empreendimento, no qual somos qualificados em 120º lugar, 53 países fizeram reforma em 2011;
2º) No campo do crédito, no qual somos o 98º, fizemos apenas uma reforma (que estava havia anos no Congresso), enquanto 44 países avançaram,
3º) No campo da facilidade de pagamentos de tributos, no qual estamos em 150º lugar, outros 53 países fizeram algum progresso.

Para terminar, uma boa notícia. No campo das permissões ambientais, em que somos o 127º colocado, estamos, finalmente, a ponto de fazer uma revolução com as propostas do governo por meio da eficiente ministra Izabela Teixeira.

Temos saído muito bem das situações de crise que estão abalando a economia mundial, mas é ilusão pensar que a crise passará sem nos atingir de alguma forma. Somos parte do mundo e vamos pagar o preço de sê-lo. Nosso problema é que, com o nosso atual modelo agromineral exportador, não daremos emprego de qualidade aos 150 milhões da população economicamente ativa que teremos em 2030.

Precisamos de um mercado interno industrial e de serviços eficientes. Isso exige que enfrentemos agora, com inteligência, determinação e coragem, os necessários aperfei-çoamentos de nossas políticas macro e microeconômicas.

OWS, capitalismo e democracia.


Luiz Gonzaga Belluzzo, especialmente para o VALOR ECONÔMICO de 01.11.2011.

Os moradores de Flitch, no estado do Michigan, (EUA) perderam o emprego na fábrica de autopeças fechada sob a pressão da concorrência chinesa. Indagado sobre o destino dos desempregados, o economista Gregory Mankiw respondeu candidamente: "As pessoas têm que se mover". Afirmou isso depois de ter proclamado a necessidade de um curso de economia no ensino médio para que o público em geral possa ter uma visão mais acurada da globalização.

O economista de Harvard, Richard Freeman, diz, em artigo recente, que a velha conversa sobre os benefícios do comércio - na situação em que os países avançados produzem bens de alta tecnologia com trabalho qualificado enquanto os menos desenvolvidos se dedicam aos setores de mão de obra não qualificada - "tornou-se obsoleta com a presença da China e da Índia". Nos anos 90, Paul Krugman, o economista laureado com o Nobel, patrocinou uma cruzada ideológica contra os movimentos antiglobalização que profligavam a perda dos bons empregos americanos para os trabalhadores produtivistas da Ásia. Já em meados da primeira década do terceiro milênio, Krugman foi obrigado a reconsiderar seus pontos de vista. Indagado sobre as razões da mudança, Krugman respondeu: o avanço da China.

Os fenômenos centrais da economia de nosso tempo são o acirramento da concorrência entre as grandes empresas internacionais, a escalada da financeirização e as rápidas mudanças na geoeconomia mundial. As posições relativas de países, continentes e classes sociais sofreram alterações tão radicais quanto perturbadoras. Alguém designou esses deslocamentos tectônicos como "desenvolvimento desigual e combinado".

Nas regiões ditas desenvolvidas, já no crepúsculo dos anos 90, era possível ouvir os clamores das manifestações antiglobalização. A toarda subiu muitos decibéis na posteridade da crise iniciada em 2008. Ontem, as gentes do movimento Ocupe Wall Street (OWS) eram dez gatos pingados. Hoje, os céticos de ontem observam o descontentamento dos "perdedores" se alastrar mundo afora. Agora já são muitos e a mídia global cuida de discernir se os manifestantes carregam o "anti-capitalismo" (sic) nos ossos ou apenas nas mochilas que levam às costas.

Nos círculos bem pensantes há desconforto com o mau humor dos cidadãos que não só rejeitam as consequências da crise, mas, sobretudo, contestam o modelo social e econômico que conduziu o planeta à beira de uma (outra) Grande Depressão. Os 99% sofrem as agruras da estagnação dos rendimentos familiares nos últimos trinta anos, das ocupações precárias, do desemprego de longo prazo, do aumento da pobreza e do desamparo na doença.

No torvelinho do desencontro das palavras de ordem, da diversidade de pontos-de-vista, os participantes dos protestos revelam uma percepção comum: a liberdade e a autonomia dos indivíduos de carne e osso não decorre naturalmente do movimento desembaraçado de mercadorias e de capitais. Os arautos do livre mercado asseguravam que a liberdade humana decorre do impulso natural do homem à troca, ao intercâmbio, à aproximação por meio do comércio etc.

É de lei reconhecer que Adam Smith corretamente chamou a atenção para o caráter libertador da economia mercantil capitalista e para as suas potencialidades. Marx, herdeiro e defensor das postulações do Iluminismo, da Revolução Francesa e admirador do caráter transformador do capitalismo, indagou se as relações de produção e as forças produtivas do novo modo de produção permitiriam, de fato, a realização da Liberdade e da Igualdade.

Entre tantas definições, o capitalismo pode também ser entendido como a coexistência de "duas naturezas": 1) a enorme capacidade de criar, transformar, dominar a natureza, suscitando desejos, ambições e esperanças; 2) as limitações à sua capacidade de distribuir a renda e a riqueza, de entregar o bem estar e a autonomia individual a todos os encantados com suas promessas. Não se trata de perversidade, mas do seu modo de funcionamento.

Constrangidos pela concorrência e liberados das travas da regulação pública, os detentores de riqueza, não escapam dos estados de euforia e de apetite pelo risco que, culminam na decepção, na crise e na desvalorização da riqueza. Quando sobrevém o colapso da confiança, os indivíduos racionais e calculadores são açoitados pela "busca desesperada da riqueza líquida".

A volúpia coletiva pela busca do dinheiro, a forma geral da riqueza, termina por destruir, em seu movimento maníaco, não só as suas formas particulares como também as condições de vida dos indivíduos atropelados pelo estouro da manada. Os mercados e seus agentes, diga-se, não estão certos nem errados. Estão simplesmente obrigados a tomar decisões que, em seu imaginário peculiar, são as apropriadas para proteger ou acrescentar o valor de sua riqueza. Na verdade, eles são "pensados" por uma lógica que não controlam.
Nesse ambiente darwinista, são cada vez mais frequentes as arengas dos economistas, sacerdotes da religião dos mercados, contra as tentativas dos simples cidadãos e cidadãs de barrar a marcha do Moloch insaciável e ávido por expandir o seu poder. A gritaria dos sábios das finanças é desferida contra os "desvios" da política, contra os surtos de "populismo".

Os que protestam nas ruas do mundo sabem que as novas formas financeiras contribuíram para aumentar o poder das grandes corporações. As fusões e aquisições suscitaram um maior controle dos mercados e promoveram campanhas contra os direitos sociais e econômicos, considerados um obstáculo à operação das leis da concorrência.

A lógica da economia destravada restringe o espaço democrático e impede que os cidadãos, no exercício da política tenham capacidade de decidir sobre a própria vida.

A importância de debater o PIB nas eleições 2022.

Desde o início deste 2022 percebemos um ano complicado tanto na área econômica como na política. Temos um ano com eleições para presidente, ...