Para quem curte a América, um filme para reflexão.
sábado, 6 de abril de 2013
Discutindo pobreza... na Argentina!
Em recente matéria no ESTADÃO, economistas questionam dados de pobreza... na Argentina.
O governo da
presidente Cristina Kirchner sustenta que a proporção de pobres na Argentina
está no nível mais baixo das últimas quatro décadas: apenas 5,4% da população,
ou 2,2 milhões de pobres. Segundo o governo Kirchner, a Argentina não tinha
uma pobreza tão baixa desde 1974, quando o presidente Juan Domingo Perón -
chamado de "o protetor dos trabalhadores" - estava prestes a morrer.
No entanto, os dados
elaborados pelo Instituto Nacional de Estatísticas e Censos, não são levados
a sério por economistas, sindicatos e entidades universitárias, que
acusam o organismo estatístico de falsificar os números - especialmente os da
inflação - desde janeiro de 2007.
A Universidade
Católica Argentina (UCA) - que elabora há vários anos um índice paralelo -
indicou, porém, em seu novo relatório que a pobreza assola atualmente 26,9%
dos argentinos. Essa proporção quintuplica o número de pobres admitido pela
Casa Rosada. Em vez dos 2,2 milhões de pobres oficiais da presidente Cristina,
o país, segundo a UCA, teria 11 milhões.
O anúncio do índice da
UCA teve ampla repercussão neste ano na Argentina, principalmente, pelo
fortalecimento político e social que a Igreja Católica está tendo no país
graças à recente entronização do cardeal Jorge Bergoglio, um portenho do bairro
de Flores, como o novo papa Francisco.
Enquanto que para o
Indec a pobreza caiu de 6,5% em 2011 para 5,4% em 2012, para a UCA a proporção
subiu de 21,9% para 26,9% no mesmo período. A proporção de indigentes também
apresenta enormes disparidades. Para o governo são 600 mil indigentes em toda
a Argentina, enquanto que para a entidade acadêmica são 2,2 milhões.
Segundo relatório da
UCA, a pobreza estrutural persiste na Argentina, "apesar dos enormes
esforços em matéria de gasto social, pois 20% dos lares recebem algum programa
social".
Para o monsenhor Jorge
Lozano, presidente da Pastoral Social, "existe um estancamento na
situação social". Segundo ele, "se não existe esperança para os
pobres, tampouco existirá esperança para os ricos".
Em
1974, a Argentina era o paraíso da classe média na América Latina. Na época,
contava com menos de 6% de pobres. Mas a sequência de ajustes e crises econômicas
provocaram uma disparada na proporção de pobres, que em 1995 constituíam 20%
da população.
quinta-feira, 4 de abril de 2013
Muita água em Brasília, seca no Nordeste: R$ 2 bilhões resolve?
Enquanto Brasília mostra ao Brasil o elevado debate
sobre questões políticas, o Nordeste continua morrendo de fome e de sede.
Neste momento, cadê o debate para resolver o assunto, em estudo desde o tempo
do Imperador Dom Pedro II?
Sobra investimento para quem tem poder e falta água
para o povo nordestino.
Até quando?
O governo investirá R$ 2 bilhões em ajuda aos 1415
municípios nordestinos. Parece que esta história não é nova. O Brasil melhorou,
mas ainda não merece receber alta médica.
No nosso O POVO de hoje, direto de
Fortaleza, Clayton traduz o nosso forte apelo para a região.
quarta-feira, 3 de abril de 2013
A economia brasileira na análise de Gustavo Franco no Estadão.
Gustavo Franco, hoje
no ESTADÃO. A conferir:
É claro que dá para
mexer em ambas as coisas (crescimento e inflação) independentemente. Se
houvesse uma relação linear entre crescimento e inflação, precisaríamos de 25
anos de recessão para ter reduzido a inflação de 6.000% para 2% no período de
1994 até 1998. Não tem relação entre uma coisa e outra. E nem necessariamente
as políticas ortodoxas são de sacrifício que implicam em dor e sofrimento para
a economia. É uma pequena armadilha retórica de que os ortodoxos são contra o
crescimento. Todos são pró desenvolvimento. A questão é a receita. Escolher
entre estabilidade e crescimento é um falso problema. É conversa de quem não
entende de economia.
Tudo depende do que
seja determinante para o crescimento. Se o determinante é a sustentabilidade
fiscal do Estado, políticas heterodoxas de aumento do gasto público tendem a
reduzir o crescimento. E é curioso porque foi exatamente isso que ocorreu nos
últimos anos. No governo Dilma, as condições fiscais pioraram e o crescimento
caiu. Houve uma deterioração na confiança empresarial em relação ao equilíbrio
das contas públicas. A conclusão é que a receita supostamente
desenvolvimentista heterodoxa foi um fracasso.
O Brasil precisa
retomar as reformas que parou, precisa ter políticas macroeconômicas
responsáveis, e ter uma agenda de ações para retomar a confiança do setor
privado e aumentar o investimento privado. Ainda que isso possa fazer parte da
retórica governamental, as ações não vão nessa direção. Há percepção de
intervencionismo crescente e de aversão a privatizações, concessões e
investimento quando o setor privado tem o controle do processo. Todas essas
posturas são negativas para o crescimento. O crescimento é provocado pelo
investimento. No Brasil, as pessoas relutam em acreditar numa coisa muito
simples: investimento é acumulação de capital. Portanto, as políticas tem que
ser amistosas ao capital. Se o governo é hostil ao capital, não vai ter investimento,
nem crescimento. É simples assim.
Para termos um
crescimento acelerado, digno de pertencer aos BRICS, precisamos de taxas de
investimento bem maiores. O crescimento amparado apenas pelo consumo, como tem
sido nos últimos tempos, é de fôlego curto. Esse crescimento se exauri a medida
que as famílias vão ficando mais endividados - o que também é perceptível nos
últimos tempos. O crescimento com base no consumo vem perdendo força nos
últimos tempos. E o investimento não vem crescendo, vem caindo há vários
trimestres seguidos. Tecnicamente temos uma recessão no investimento. . Já
temos vários trimestres de crescimento negativo do investimento. É um sinal de
que o setor empresarial está insatisfeito com o governo, e isso não é algo que
você vai capturar com os empresários. Hoje ninguém fala essas coisas porque o
governo é dado a represálias. Por outro lado, as ações falam por si. O
investimento é a melhor e mais simples manifestação de bom humor do mundo
empresarial. E esse pessoal não está satisfeito com o que está vendo.
A inflação tem sido
muito mais camarada do que eu esperaria dados os fundamentos fiscais da
economia. Existe certa rigidez nominal dos preços, que tem impedido a inflação
de ser maior. O melhor instrumento para combater a inflação é a política
fiscal. A redução no gasto público substituiria a elevação dos juros com
vantagem. Seria melhor para a economia que houvesse uma percepção de maior
responsabilidade fiscal, quase que uma mudança de regime em direção a uma
política fiscal sadia, ao invés de uma política anticíclica, keynesiana, e
todos esses nomes que o governo inventou para a gastança. Se isso não ocorrer,
teremos uma solução de qualidade inferior que vai ser a subida dos juros. Já
deveríamos ter aprendido a lição de que é muito melhor combater a inflação
atacando sua causa, que é a política fiscal, do que tentar comprimi-la via
política monetária, que cria efeitos colaterais maiores e piores.
A intensidade do
aperto monetário necessário hoje tem a ver com a dosagem. Não tenho como responder
a esse pergunta com precisão. As autoridades - com razão - não querem retomar
aos patamares de juros do passado, mas também não querem os patamares de
inflação do passado. O problema é que não vai dar jogo com essa política
fiscal.
Ao jogar a responsabilidade
para o Banco Central e achar que a política fiscal não muda, estamos jogando
fora o bebê junto com a água do banho. Deveríamos nos concentrar na política
fiscal e não no que o BC vai fazer. O problema está no ministério da Fazenda,
na Presidência da República. É aí que a inflação está sendo criada.
O aperto fiscal é o
que vai tornar sustentável a taxa de juros baixa. É que vai fazer as pessoas
acreditarem que as contas do governo fecham. Hoje só alguém muito sonhador e
chapa branca acredita que o aumento do gasto público tem um impacto relevante
sobre o investimento. Não tem porque o dinheiro do governo é pouco. É muito
mais importante o setor privado crescer de forma sadia do que o setor público
investir diretamente, o que, aliás, não consegue porque não tem capacidade
administrativa.
O governo tem que
deixar o investimento não do setor privado convictamente. Quando o governo faz
coisas em acredita, tudo funciona melhor. Quando não acredita, faz mal feito e
pela metade. E talvez esse seja um drama do qual a não conseguimos sair. É
preciso fazer políticas amistosas para o capital, e, se o governo não consegue
fazer por uma questão de fígado, então nunca vai dar certo. Não vamos ter
crescimento nessa administração. Será preciso eleger um governo mais amistoso
ao capital para ter acumulação de capital e investimento no Brasil."
terça-feira, 2 de abril de 2013
Coreia - tão perto, tão longe: socialista x capitalista? A escolha é sua.
Dois
países e dois modelos políticos e econômicos com resultados contrastantes:
|
Coreia do Norte
|
Coreia do Sul
|
População
|
24.600.000
|
49.800.000
|
PIB em dólares
|
40 bilhões
|
1,1 trilhão
|
PIB per capita em dólares
|
1.800
|
32.400
|
Acesso a saneamento básico - % da população
|
59%
|
100%
|
Exportações em bilhões
|
4,7
|
548
|
Fonte: Exame.
Se
ainda existe dúvida onde está a luz, vide a imagem abaixo:
segunda-feira, 1 de abril de 2013
O homem não é racional?
SAMY
DANA, Ph.D em business, professor da FGV e coordenador do
núcleo de cultura e criatividade GV Cult, publicou na FOLHA uma análise do
gasto por impulso, onde mostra que não somos racionais como nos livros de
economia.
No
último dia 20, o Sistema de Proteção ao Crédito (SPC) anunciou uma elevação de
6,65% no nível de inadimplência em fevereiro de 2013, em comparação com o mesmo
período de 2012.
Podem
explicar isso o incessante incentivo do governo ao consumo (ainda que a
poupança clame por socorro), o crédito fácil oferecido a taxas de juros exorbitantes
e a famigerada inflação.
Por
falar nela, no dia 28, o Banco Central anunciou a projeção do IPCA para 2013:
5,7%, valor bem acima dos 4,5% esperados em 2012.
A
conjuntura em que o consumidor se encontra é bastante desfavorável. Por que, então, o brasileiro, ciente de sua
impossibilidade de sanar dívidas, não para de comprar?
Há muitos fatores envolvidos no consumo que os livros
clássicos de economia não explicam. O homem que vive neles é perfeitamente
racional. Mas a realidade mostra que fatores psicológicos são, muitas vezes, os
mais relevantes nas decisões financeiras.
Estudiosos buscam entender essas motivações subjetivas. As
explicações mais comuns estão relacionadas às emoções e influência exercida
pela sociedade.
Em
pesquisa recente do SPC e da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas,
foram levantadas as causas que levam homens e mulheres a comprar por impulso:
principalmente estresse, ansiedade e vida profissional.
Entre
as mulheres, o estímulo ao consumo se vincula à baixa autoestima, em 49% dos
casos, e à tensão pré-menstrual, em 32%. Já para os homens, as principais
causas são ansiedade (45%) e problemas no trabalho (38%).
Não é fácil controlar impulsos. Gastar mais do que se pode
não há de sanar nenhuma dor. Mas é o que a pesquisa mostra que estamos fazendo.
Conhecer e controlar o seu comportamento de consumo,
especialmente em momentos emocionais vulneráveis, parece ser a chave da
questão.
Desafios para a política monetária.
Carlos Thadeu de Freitas Gomes, chefe da divisão econômica da
Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) e Marianne
Lorena Hanson, economista da Confederação Nacional do Comércio de Bens,
Serviços e Turismo (CNC), escreveram neste texto para o Valor Econômico, os
desafios para a política monetária, onde destacam que é fundamental ancorar as
expectativas inflacionárias dentro do regime de metas .
Durante muito tempo, acreditou-se que o sistema
de metas de inflação não só era o conjunto de regras de política monetária mais
eficaz para manter a inflação sob controle, como também era capaz de promover a
estabilidade macroeconômica como um todo, suavizando os ciclos econômicos. De
fato, desde sua adoção e consolidação por boa parte dos bancos centrais pelo
mundo, na década de 1990, experimentou-se um longo período de crescimento
moderado e estabilidade de preços.
O sistema de metas de inflação foi introduzido
pela primeira vez pelo Banco Central da Nova Zelândia, em 1988. Ele consiste em
um conjunto de regras que visa criar uma âncora de política monetária baseada
nas expectativas dos agentes. Ao se comprometer exclusivamente com uma meta
para a inflação e ajustar a taxa de juros para o alcance dessa meta, a política
monetária atua diretamente sobre as expectativas, e a demanda agregada converge
para o pleno emprego no longo prazo. A transparência na comunicação e a
credibilidade da autoridade monetária são premissas essenciais para esse
modelo.
No entanto, no período de "grande moderação" que
precedeu a crise financeira mais aguda desde a grande depressão, o sistema não
foi capaz de impedir desequilíbrios macroeconômicos relacionados ao
endividamento excessivo de famílias, empresas e governos, além da
sobrealavancagem do sistema financeiro, que culminaram no colapso do mercado de
crédito nos países desenvolvidos.
O arcabouço de regras rígidas do sistema de
metas de inflação também não fornecia instrumentos para tratar das
consequências dessa crise. Os canais tradicionais de política monetária
deixaram de funcionar, a taxa de juros foi rapidamente trazida para patamares
próximos de zero e outros instrumentos foram criados para prover expansão
monetária - as políticas de "quantitative easing" (QE).
Adicionalmente, para lidar com os efeitos das políticas monetárias
quantitativas e de taxa de juros reais negativas, foi necessária a adoção de
políticas macroprudenciais por países com diferenciais de juros e de
crescimento, como o Brasil, que foram afetados com forte influxo de capitais e
valorização de ativos.
Países com elevado patamar de endividamento também tiveram que
adotar políticas macroprudenciais - por meio de instrumentos regulatórios -
para lidar com desequilíbrios financeiros. Nesse contexto, sem essas medidas, a
política monetária tradicional pode estimular desequilíbrios nos fluxos de
capitais, no mercado de crédito e no preço de ativos e moedas.
A política monetária teve que se adaptar em tempos de crise. Com o risco iminente de uma prolongada recessão e a
manutenção de taxas de desemprego em patamares muito elevados, as metas para
inflação foram colocadas de lado. A crise atual de endividamento público
engessa a política fiscal e coloca a política monetária ainda mais em evidência,
colocando-a a serviço, inclusive, da própria redução da dívida, por meio da
repressão financeira. Os bancos centrais da zona do euro e dos Estados
Unidos saíram na frente e sinalizaram que aceitam uma taxa de inflação maior,
para não comprometer a recuperação econômica.
O presidente do Banco Central do Canadá, Mark Carney, sugeriu,
recentemente, a adoção de metas para o Produto Interno Bruto (PIB) nominal em
substituição às metas de inflação. Outras propostas incluem a mudança para uma
meta de nível de preços que absorva choques positivos e represente um custo
menor para o nível de atividade.
No Brasil, a política monetária também foi
flexibilizada para combater os efeitos adversos da liquidez excessiva
proveniente da expansão monetária sem precedentes dos países centrais. Para
conter os efeitos do forte influxo de capitais sobre os preços dos ativos, o
mercado de crédito e o câmbio, uma política monetária tradicional anticíclica,
ao aumentar o diferencial de juros, poderia agravar o problema.
Contudo, apesar de o uso de políticas macroprudenciais - tais como
requerimentos de capitais, barreiras aos fluxos de capitais, intervenções no
mercado de câmbio, entre outros - ter tido sucesso ao evitar a fragilidade
financeira e reduzir volatilidades nocivas, não conseguiu impedir os efeitos
dos choques externos sobre preços e atividade.
Embora o PIB tenha crescido apenas 0,9% em 2012,
a taxa de desemprego atingiu patamares historicamente baixos. Ou seja, mesmo
com a atividade mais fraca, a inflação de salários não deixou de ser uma
preocupação. O aumento no custo de produção de um bem devido à elevação dos
salários acaba sendo, ao menos em parte, repassado para os preços,
realimentando o processo inflacionário.
Há uma dinâmica favorável no país, principalmente no que diz
respeito ao consumo das famílias, apoiada no espaço que ainda existe para a
ampliação do crédito e no bônus fiscal gerado pelo desaperto monetário. Se isso
é bom por um lado, por outro, pode implicar taxa de inflação mais elevada à
frente. Adicionalmente, é preciso lembrar que alguns reajustes de preços estão
sendo postergados. No curto prazo, esses adiamentos seguram a inflação mas, no
médio prazo, têm efeito contrário. A elevada
inércia inflacionária remanescente no país e a vulnerabilidade externa latente
aumenta o custo de uma inflação mais alta.
Logo, é fundamental ancorar as expectativas
inflacionárias dentro do regime de metas, mesmo que isso, temporariamente,
afete a recuperação da atividade econômica, permitindo a sua sustentabilidade
no longo prazo. A flexibilização da política monetária teve a sua importância
num contexto de grandes desequilíbrios externos e atividade fraca. Agora, mesmo
que seja reconhecida a necessidade de repensá-la à luz dos episódios recentes,
a política monetária precisa retornar a sua função mais importante, que é
estabilizar as expectativas inflacionárias.
domingo, 31 de março de 2013
Economistas e a economia brasileira hoje.
Excelente matéria do ESTADÃO sobre a atual situação econômica brasileira.
Os
críticos dizem que, com sorte, seis economistas reunidos chegam a sete soluções
para o mesmo problema. A resposta para o dilema do baixo crescimento e da
inflação alta no Brasil, porém, aponta quase um só caminho. Seis dos principais
economistas brasileiros, de correntes de pensamento diferentes, convidados pelo
'Estado' a refletir sobre o assunto, chegaram ao mesmo diagnóstico.
Da
Casa das Garças, reduto tucano, à Unicamp, de onde saíram os principais condutores
da política econômica do governo, incluindo a presidente Dilma, a resposta é
quase unânime. Para reanimar o crescimento, o governo precisa estimular o setor
privado a investir, e, para domar a inflação, é preciso subir os juros e cortar
gastos do setor público.
É
claro que há divergência sobre como fazer isso. Mas, surpreendentemente, apenas
Luiz Carlos Bresser-Pereira - professor emérito da Fundação Getúlio (FGV) e
ministro nos governos Sarney e FHC - é contra a alta de juros.
Essa
discussão ganhou ainda mais relevância na semana passada, depois da polêmica
provocada por uma declaração da presidente Dilma. "Não concordo com
políticas de combate à inflação que olhem a redução do crescimento
econômico", disse, durante encontro dos Brics na África do Sul. "Esse
receituário que quer matar o doente em vez de curar a doença, ele é complicado,
você entende?"
O
Brasil vive uma situação complexa e paradoxal. Nos últimos dois anos, o
crescimento médio do PIB foi de apenas 1,8%. Ao mesmo tempo, o Índice de Preços
ao Consumidor Amplo (IPCA) bateu em 6% no acumulado em 12 meses até fevereiro,
e só não ultrapassou o teto da meta de inflação (6,5%) por conta de manobras,
como o corte do preço da energia e os pedidos aos prefeitos para não reajustar
a passagem de ônibus.
Em
2012, a taxa de desemprego ficou em 4,6%. O País está em pleno emprego, o que
significa demanda aquecida. A produção industrial, no entanto, caiu 2,7% no ano
passado.
Edmar
Bacha, um dos pais do Plano Real, fundador e diretor da Casa das Garças, não minimiza
os desafios, mas diz que o governo tem hoje todos os instrumentos para lidar
com a situação. "Só precisa decidir utilizá-los de maneira adequada",
diz. Ele defende uma política "eficaz" de concessões de obras de
infraestrutura.
A
conclusão de Luiz Gonzaga Belluzzo, professor emérito da Unicamp, fundador da
Facamp, e um dos conselheiros de Dilma, é parecida. "Se o governo quer
apoiar o crescimento através do investimento, certamente não pode ser leniente
com a inflação", diz. Belluzzo, no entanto, acredita que um aperto
monetário leve será suficiente para recuperar a credibilidade do BC e conter as
expectativas de inflação.
Gustavo
Franco, ex-presidente do BC e hoje sócio da Rio Bravo Investimentos, afirma que
o aumento dos juros é uma solução de "qualidade inferior" e que o
grande problema da economia brasileira é a "gastança" do governo.
"Já deveríamos ter aprendido a lição que é muito melhor combater a
inflação atacando a sua causa, que é a política fiscal."
Para
Yoshiaki Nakano, diretor da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV)
em São Paulo, o Brasil precisa de uma "inversão total" da política
fiscal com contração dos gastos correntes, que permitiria, ao mesmo tempo,
controlar a inflação no setor de serviços e manter juros baixos e câmbio
depreciado para ajudar a indústria.
Affonso
Celso Pastore, ex-presidente do BC e sócio da A.C. Pastore Associados, diz que
o pleno emprego é um sinal inequívoco de que não existe um problema de demanda.
"O País não investe em infraestrutura e, por isso, não cresce. O governo
fica tentando resolver injetando mais demanda na economia e deixando a inflação
subir", resume.
Para
Bresser-Pereira, os empresários não investem porque o câmbio continua
apreciado, apesar da recente desvalorização promovida pelo governo Dilma.
"O câmbio é o interruptor da economia, que liga ou desliga a demanda para
as empresas."
Pelos
sinais mais recentes, como os pacotes de concessão de obras de infraestrutura,
parece que a equipe econômica de Dilma chegou à mesma conclusão que esses
economistas. Mas ainda há muitas dúvidas sobre a convicção e a eficiência com
que as autoridades estão implementando as medidas necessárias. Em breve, o BC
terá de decidir se sobe ou não os juros e com que intensidade. Será um bom
teste.
Deficit é mais um sinal de alerta na política fiscal.
Em recente artigo na FOLHA,
ROGÉRIO MORI, professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação
Getúlio Vargas (FGV/EESP), analisa a atual política fiscal.
Cada
vez mais a política econômica do governo parece perder consistência do ponto de
vista macroeconômico e se perder em meandros, carecendo de um foco mais claro.
Até
poucos anos atrás, a política macroeconômica brasileira era pautada por um
sólido regime de metas para inflação, tendo como pilares o ajuste das contas
públicas e um regime de taxa de câmbio flutuante. Não sem razão, os fundamentos da
economia brasileira foram bem avaliados internacionalmente.
A recente realidade
dos fatos mostra que esse tripé tem se esfacelado gradualmente.
A política monetária
não tem mais reagido de forma coerente com os desvios da inflação em relação à
meta estabelecida.
As recorrentes altas
das projeções de inflação para 2013 têm feito o Banco Central dar sinais mais
concretos de um aperto monetário coerente com a convergência da inflação de
volta para o centro da meta.
Nem a recente
desoneração de produtos da cesta básica trouxe o esperado alívio no ritmo da
alta dos preços, e a trajetória dinâmica inflacionária segue inalterada.
O
resultado das contas do governo central de fevereiro representa mais um sinal
de alerta para mais um tripé que vai se esfarelando aos poucos, o da política
fiscal.
O
surpreendente deficit de R$ 6,4 bilhões em fevereiro ficou bem acima do que era
esperado para o período.
Uma análise
simplista dos fatos poderia dizer que esse é um evento pontual e não indica
maiores razões para preocupações. No entanto, uma avaliação sob um espectro
mais amplo revela que esse é mais um ponto em um quadro de deterioração fiscal
que vem se desenhando há algum tempo no país.
Nesse contexto,
ainda estão vívidas na memória de todos as manobras fiscais realizadas pelo
governo no final do ano passado para fechar suas contas de forma um pouco mais
positiva.
Ainda no campo
fiscal, deve se considerar que a atividade econômica tem se recuperado de
maneira lenta, o que tem impactado negativamente a arrecadação neste ano. Por
fim, a já mencionada desoneração de itens da cesta básica também terá custos
para os cofres públicos.
O
somatório desses elementos revela um quadro fiscal preocupante em 2013. Será
este mais um pilar da política econômica que se vai?
terça-feira, 26 de março de 2013
Inflação versus Desemprego by Sachida.
Hoje no VALOR ECONÔMICO, o artigo de Delfim Netto cita excelente trabalho de três economistas do IPEA, dentre eles, o Sachida. Parabéns!
O furo é, certamente, mais embaixo. A revista "Economia
Aplicada" (16 (3) 2012:475-500) que acaba de ser publicada, traz um
competente artigo de três economistas do Ipea (Mario Mendonça, Adolfo Sachsida
e Luis Medrano), "Inflação versus Desemprego: Novas Evidências para o
Brasil" onde se procura estimar a Curva de Phillips Novo-Keynesiana para o
Brasil. Trata-se de trabalho cuidadoso que utiliza dados mensais de
janeiro de 2002 a março de 2012 submetidos a um hábil tratamento econométrico.
Analisam, também, um subperíodo de janeiro de 1995 a março de 2012. A curva
construída inclui como variável dependente a taxa de inflação do ano e como
variáveis "explicativas" a inflação do ano anterior, a estimativa de
inflação para o ano seguinte, uma variável que represente o "custo
marginal" (de fato a taxa de desemprego) e outra que represente um choque
de oferta (de fato, a taxa de câmbio).
As
principais conclusões do excelente trabalho são as seguintes:
1)
um único resultado permaneceu robusto aos diversos experimentos: a expectativa de inflação e a inflação passada têm
relevância na dinâmica do processo inflacionário. O papel das
expectativas parece aumentar no período mais recente;
2)
com relação ao desemprego, seu impacto de curto prazo sobre a inflação depende
do conjunto de variáveis representativas ("próxies") adotadas. Na
maior parte dos casos essa relação foi negativa, como era esperado. Já no longo
prazo esse efeito torna-se difícil de ser captado, dando a impressão de ser
nulo ou pouco relevante na formação do processo inflacionário. De qualquer forma e em qualquer dos casos, o efeito
real da taxa de desemprego sobre a inflação foi próximo de zero;
3)
o processo inflacionário brasileiro parece não
guardar relação próxima com a Curva de Phillips Novo-Keynesiana. Isso é
de especial relevância porque a grande maioria dos "macromodelos" da
economia brasileira assume formatos parecidos com ela ao descrever a inflação.
É por isso e muito mais que, quando sugere cautela antes de
apressar-se a aumentar a taxa de juro real, mas demonstra disposição de fazê-lo
se necessário, a autoridade monetária brasileira está mais afinada com o mundo
real do que os seus críticos.
segunda-feira, 25 de março de 2013
O colapso do investimento no Brasil.
Hoje, recebi do professor Carlos Pio o artigo que Cláudio R. Frischtak, presidente da Inter.B Consultoria Internacional de Negócios e diretor no país do International Growth Center (London School of Economics e Oxford University), escreveu no VALOR ECONÔMICO, o qual compartilho abaixo.
A baixa taxa
de investimento no Brasil, associada à (quase) estagnação da produtividade, vem
progressivamente solapando a competitividade da economia brasileira e seu
potencial de crescimento no médio e longo prazo. Na última década, a economia
passou por dois ciclos de investimento: um longo, iniciado no segundo trimestre
de 2004 e interrompido no terceiro trimestre de 2008 pela Grande Recessão; e um
curto, partindo no segundo trimestre de 2009, atinge seu pico em 2010, e se
esgota dois anos após seu início (segundo trimestre de 2011, quando a taxa de
crescimento do investimento cai abaixo de 3% frente ao trimestre anterior).
A trajetória
recente do investimento aponta para seu colapso, no sentido de não apenas ter
perdido impulso, mas de ter se contraído em termos absolutos: a formação bruta
de capital fixo em 2012 cai 4% (frente a 2011) e a taxa de investimento no ano
se reduz a 18,1% (19,3% em 2011). Esse desempenho tem algumas explicações
tópicas, a exemplo da contração conjuntural na demanda de caminhões com a
adoção de um novo padrão de consumo de diesel, novos motores e preços mais
elevados. Contudo, em anos recentes, e principalmente desde 2011, foi
introduzido um conjunto de mudanças tributárias e no custo de capital que levou
a uma queda efetiva no custo de investimento. Ademais, incentivos fiscais, a
ampliação do crédito e o aumento real dos salários favoreceu o consumo,
enquanto que compras públicas ampliaram o mercado para máquinas e equipamentos.
Sob a premissa de que o "vazamento" da demanda doméstica em volumes
crescentes vem retirando dinamismo do mercado, o governo introduziu medidas de
proteção, e intervenções no mercado de cambio levaram à desvalorização do real.
No seu conjunto seriam medidas que estimulariam o investimento - a queda de seu
custo e a ampliação da demanda.
Como,
portanto explicar o desempenho do investimento à luz do amplo conjunto de
incentivos voltados à sua ampliação e à expansão da produção? E porque o novo
regime tem sido incapaz de constituir uma efetiva política de apoio à indústria
de transformação?
A decisão de
investimento é formada por um conjunto de informações objetivas a respeito da
economia e dos mercados, e por percepções subjetivas do ambiente de negócios e
de eventos futuros que afetam o ânimo investidor (ou o "espírito
animal", conforme Keynes). Sem necessariamente tentar hierarquizar a
importância relativa de cada fator, os resultados obtidos em 2011-2012 sugerem
que os incentivos diretos e indiretos ao investimento foram sobrepujados por um
conjunto relevante de fatores.
Primeiro, a
perda de competitividade da economia brasileira, agravado pelo contexto de
baixo crescimento da economia mundial. Com a possível exceção da produção
assentada em recursos naturais (as chamadas "commodities"), e alguns
segmentos da indústria de transformação, o país vem deixando de ser uma
plataforma competitiva de exportação de bens e serviços, e crescentemente de
produção de bens transacionáveis. Não há um fator determinante, mas a maior
fragilidade se explica por uma combinação de infraestrutura precária, baixos
níveis educacionais e de qualificação, inflação de custos em serviços, e
pressão tributária - o país sendo um ponto fora da curva em termos de carga
tributária para o nível de renda per capita.
Segundo, e
com impacto direto sobre a decisão de investir, o "capex" (gastos de
capital) dos projetos - e os tempos de execução - vem se elevando nos últimos
anos. Nos anos pré-crise, esse fenômeno se explica pela escassez e elevação dos
preços dos bens de capital, porém crescentemente pelo componente de serviços,
num contexto de custos unitários do trabalho em acentuada elevação no Brasil.
Terceiro,
houve uma deterioração da qualidade da política econômica. No plano macro, há
dificuldades de acomodar de forma simultânea a expansão do consumo (inclusive
do governo) e do investimento, o que se expressa nas tensões inflacionárias a
partir de 2010, e nas dúvidas se o governo continua compromissado com o sistema
de metas e seus fundamentos. As tentativas de encobrir a redução do superávit
primário com manobras fiscais heterodoxas e de comprimir artificialmente a
inflação, e os ruídos dissonantes de diferentes esferas do governo quanto à
política cambial, minaram sua credibilidade. Na realidade, a expansão do
consumo acentuou tensões que desaguam no mercado de trabalho (e no aumento do
déficit em conta corrente), e corroem a competitividade da economia. Porém
"esfriar" o mercado de trabalho seria apagar o ponto brilhante da
economia brasileira, que vem premiando a base da pirâmide com ganhos reais (e
possivelmente desproporcionais ao incremento da produtividade).
Finalmente, o
hiperativismo no plano das políticas industriais e comerciais agrava a
percepção de que, apesar da vontade de estimular a economia no seu conjunto e o
setor industrial em particular, corre-se atrás de um alvo móvel - seja pelo
diagnóstico errôneo, seja pelas falhas de execução. Em qualquer dos casos, a
volatilidade das políticas resultou na perda de confiança dos agentes quanto ao
rumo da economia. Na medida em que o ato de investir é uma aposta no futuro, a
falta de visibilidade quanto à trajetória da economia, combinada com elementos
objetivos relativos à perda de competitividade explica em grande medida o
colapso do investimento no país.
A perplexidade europeia.
Bresser-Pereira, hoje na FOLHA e sua análise sobre a crise europeia.
A crise
financeira da zona do euro foi relativamente superada, mas a crise econômica
continua profunda. A crise financeira soberana do euro de 2010 decorreu da
crise bancária global de 2008 que levou os Estados a se endividarem para socorrer
os bancos.
Ela foi
superada quando o presidente do Banco Central Europeu garantiu que compraria no
mercado secundário os títulos da dívida soberana dos países.
Entretanto a
crise econômica da zona do euro continua sem solução. A economia da Europa como
um todo está estagnada, porque as taxas de câmbio implícitas ou internas dos
países do Sul se apreciaram em relação às dos países do Norte e as suas
empresas deixaram de ser competitivas.
O conceito de
taxa de câmbio interna é relativo ao valor e não ao preço de mercado da taxa de
câmbio. O valor da taxa de câmbio não decorre das variações na oferta e na
procura de moeda estrangeira, que fazem com que a taxa de câmbio de mercado
flutue em torno do seu valor, mas é o valor que deve ter a taxa de câmbio para
tornar competitivas as empresas existentes no país. O valor da taxa de câmbio
depende da relação entre aumento da produtividade e dos salários em um país (o "custo
unitário do trabalho") em relação aos demais países.
Em 2003 o
então premiê da Alemanha, Gerhard Schröeder, através da iniciativa Agenda 2010,
promoveu a flexibilização das leis trabalhistas e, ao mesmo tempo, celebrou um
acordo entre empresas e sindicatos segundo o qual os salários deixariam de ser
aumentados proporcionalmente à produtividade, em troca de segurança no emprego.
Como os
países do Sul não fizeram o mesmo, seu custo unitário do trabalho subiu em
relação à Alemanha, a taxa de câmbio interna se apreciou, as empresas perderam
competitividade e se endividaram, as famílias também se endividaram, e isso se
traduziu em grandes deficit em conta corrente, não obstante as contas públicas
continuassem equilibradas (exceto na Grécia).
Para resolver
a crise econômica é preciso reequilibrar os custos unitários do trabalho, ou
seja, reduzir salários. A forma normal de fazer isso seria cada país recuperar
sua capacidade de depreciar a taxa de câmbio - uma solução que distribui por
toda a sociedade o custo do ajustamento necessário e o faz em um instante -, mas
que exige uma reforma monetária que, de forma planejada, descontinue o euro.
Como os
europeus não têm coragem para fazer isso, uma alternativa seria uma inflação
que reduzisse os salários reais ao mesmo tempo em que os países do Norte da
Europa aumentassem seus salários, mas a Alemanha não aceita perder
competitividade em relação à China e aos Estados Unidos. A terceira alternativa
é a que está sendo adotada: é a "austeridade", ou seja, a redução dos
salários através da recessão e do desemprego. É uma solução desumana cujo peso
cai sobre os assalariados e as pequenas empresas. É a solução contra a qual os
cidadãos europeus, perplexos, protestam nas ruas e nas eleições, mas, afinal, é
a solução possível enquanto não perderem o respeito quase religioso que
desenvolveram em relação à sua moeda única.
domingo, 24 de março de 2013
FHC na ÉPOCA fala também sobre economia.
FHC fala também sobre economia em entrevista na ÉPOCA desta semana.
ÉPOCA – O que
há de errado na economia do país?
FHC – Todo mundo reiterou que, no governo Lula, houve continuidade na política econômica. Até a crise de 2008, sim. Com a crise, a política anticíclica adotada foi correta. Aí o governo pressentiu que havia uma espécie de licença para fazer o que quisesse. E isso se agravou nos anos Dilma, com a volta da ideia de que você pode fechar mais a economia, apoiar certas empresas, promover uma política industrial apoiando certas áreas. Voltamos a uma visão nacional-estatista. A política fiscal foi abandonada, como se fosse uma persistência do que eles chamavam de neoliberalismo. Essa incompreensão do que acontecia no mundo já ocorrera antes. Nos anos 1990, quando se tratava de ajustar a economia para lidar com a globalização, eles entendiam que era uma questão de ideologia, o tal neoliberalismo. Não foi só o PT, mas quase todo mundo, por uma posição mais antiquada que propriamente ideológica. Confundiram uma mudança do sistema produtivo, com novas tecnologias e novos métodos de transporte, com ideologia. Meu governo ajustou a economia brasileira à situação do globo. Agora, também está havendo um equívoco de percepção. Quando houve a crise de 2008, eles disseram: “Então vamos voltar. A crise nos dá o direito de fazer o que nós queríamos ter feito antes”.
FHC – Todo mundo reiterou que, no governo Lula, houve continuidade na política econômica. Até a crise de 2008, sim. Com a crise, a política anticíclica adotada foi correta. Aí o governo pressentiu que havia uma espécie de licença para fazer o que quisesse. E isso se agravou nos anos Dilma, com a volta da ideia de que você pode fechar mais a economia, apoiar certas empresas, promover uma política industrial apoiando certas áreas. Voltamos a uma visão nacional-estatista. A política fiscal foi abandonada, como se fosse uma persistência do que eles chamavam de neoliberalismo. Essa incompreensão do que acontecia no mundo já ocorrera antes. Nos anos 1990, quando se tratava de ajustar a economia para lidar com a globalização, eles entendiam que era uma questão de ideologia, o tal neoliberalismo. Não foi só o PT, mas quase todo mundo, por uma posição mais antiquada que propriamente ideológica. Confundiram uma mudança do sistema produtivo, com novas tecnologias e novos métodos de transporte, com ideologia. Meu governo ajustou a economia brasileira à situação do globo. Agora, também está havendo um equívoco de percepção. Quando houve a crise de 2008, eles disseram: “Então vamos voltar. A crise nos dá o direito de fazer o que nós queríamos ter feito antes”.
ÉPOCA –
Voltar para onde?
FHC – Para um Brasil anterior a 1990. Estamos agora na realidade do Ernesto Geisel (presidente brasileiro entre 1974 e 1979). No momento em que o mundo vai sair da crise, o Brasil está voltando nas suas concepções quanto ao desenvolvimento da economia. Isso me preocupa. Novamente, os Estados Unidos sairão na frente, sobretudo com a revolução energética que estão fazendo.
FHC – Para um Brasil anterior a 1990. Estamos agora na realidade do Ernesto Geisel (presidente brasileiro entre 1974 e 1979). No momento em que o mundo vai sair da crise, o Brasil está voltando nas suas concepções quanto ao desenvolvimento da economia. Isso me preocupa. Novamente, os Estados Unidos sairão na frente, sobretudo com a revolução energética que estão fazendo.
ÉPOCA – Neste
momento, Dilma está voltando atrás em algumas políticas e começou com
algumas privatizações.
FHC – Pela força das circunstâncias. Ela é capaz de entender o erro. Vê o número e se assusta. Mas aí, quando vai consertar, tem de fazer coisas que não são da alma dela. Então, tem uma inconsistência. Ela não fala que é privatização, nem fala que é concessão. Fala que é PPP(Parceria Público-Privada). Ela até recuperou uma ideia da Idade Média, o lucro justo. Entendo essa reação, o capitalismo é irritante. Qualquer pessoa sente raiva disso aí. Mas essa é a lógica do sistema – tem de acumular mais, senão não cresce. O capitalismo não é justo. Quem tem de ser justo não é o mercado, é o Estado. Se você é neoliberal, deixa por conta do mercado e comete injustiças. Se você não é, usa o Estado para tentar evitar que o capitalista arrase tudo.
FHC – Pela força das circunstâncias. Ela é capaz de entender o erro. Vê o número e se assusta. Mas aí, quando vai consertar, tem de fazer coisas que não são da alma dela. Então, tem uma inconsistência. Ela não fala que é privatização, nem fala que é concessão. Fala que é PPP(Parceria Público-Privada). Ela até recuperou uma ideia da Idade Média, o lucro justo. Entendo essa reação, o capitalismo é irritante. Qualquer pessoa sente raiva disso aí. Mas essa é a lógica do sistema – tem de acumular mais, senão não cresce. O capitalismo não é justo. Quem tem de ser justo não é o mercado, é o Estado. Se você é neoliberal, deixa por conta do mercado e comete injustiças. Se você não é, usa o Estado para tentar evitar que o capitalista arrase tudo.
ÉPOCA – Por
que o brasileiro é tão relutante em reformar o Estado?
FHC – O livro do Raymundo Faoro Os donos do poder diz que isso vem de longe. Claro que Faoro exagera. Fala que tudo é o Estado, a corporação, o privilégio, desde Portugal. Não é bem assim. Há uma luta permanente entre mais e menos Estado. E ganha sempre o lado do mais Estado. De certa maneira, meu período foi quase um ponto fora da curva. A gente estava modernizando o Estado e aceitando algumas regras do mercado. Agora, o Estado ficou mais resistente. Quanto mais você vai para lugares de menor desenvolvimento no Brasil, mais tem Estado. Mas as pessoas não percebem algo também verdadeiro: quando o Estado intervém demais, aumenta a concentração. A concentração de renda, provavelmente, cresceu muito recentemente.
FHC – O livro do Raymundo Faoro Os donos do poder diz que isso vem de longe. Claro que Faoro exagera. Fala que tudo é o Estado, a corporação, o privilégio, desde Portugal. Não é bem assim. Há uma luta permanente entre mais e menos Estado. E ganha sempre o lado do mais Estado. De certa maneira, meu período foi quase um ponto fora da curva. A gente estava modernizando o Estado e aceitando algumas regras do mercado. Agora, o Estado ficou mais resistente. Quanto mais você vai para lugares de menor desenvolvimento no Brasil, mais tem Estado. Mas as pessoas não percebem algo também verdadeiro: quando o Estado intervém demais, aumenta a concentração. A concentração de renda, provavelmente, cresceu muito recentemente.
ÉPOCA – Mas
há duas maneiras de o Estado intervir. No desenvolvimentismo, ele subsidia
empresas e cria estatais. A partir dos anos 1990, o Estado passou a tratar mais
de saúde, educação e políticas sociais. Essa mudança é inexorável ou voltaremos
ao passado?
FHC – Acho que não. Sabe por quê? No meio dessa mudança, está a democracia. Com a Constituição de 1988, foi desenhado um futuro social-democrata. Nenhum governo pode olhar apenas para a economia. O que tentou resolver só a economia foi o Fernando Collor – e não deu certo. Os governos têm de olhar para os dois lados. Tem de olhar para educação, saúde, reforma agrária. Há uma massa demandante, que tem voto. No fundo, qual a base ideológica do governo Dilma? É o desenvolvimentismo. É crescer o PIB. O meio ambiente atrapalha. A regulação atrapalha. É um pouco a volta do capitalismo selvagem. Ela parece não perceber que o crescimento do PIB não depende só do governo, mas tem ciclos. Infelizmente, tocou a ela um ciclo mau. Como tocou a mim também. Ao Lula, tocou um ciclo bom.
FHC – Acho que não. Sabe por quê? No meio dessa mudança, está a democracia. Com a Constituição de 1988, foi desenhado um futuro social-democrata. Nenhum governo pode olhar apenas para a economia. O que tentou resolver só a economia foi o Fernando Collor – e não deu certo. Os governos têm de olhar para os dois lados. Tem de olhar para educação, saúde, reforma agrária. Há uma massa demandante, que tem voto. No fundo, qual a base ideológica do governo Dilma? É o desenvolvimentismo. É crescer o PIB. O meio ambiente atrapalha. A regulação atrapalha. É um pouco a volta do capitalismo selvagem. Ela parece não perceber que o crescimento do PIB não depende só do governo, mas tem ciclos. Infelizmente, tocou a ela um ciclo mau. Como tocou a mim também. Ao Lula, tocou um ciclo bom.
ÉPOCA – Como
será esse embate entre essas forças contraditórias?
FHC – A linha de força aponta na direção de que esses elementos de corporativismo perderão força. Levaremos mais tempo para fazer o que poderíamos fazer mais depressa. Mas temos caminhos. Temos uma sociedade forte. Somos mais ricos em termos relativos e mais fortes que nossos irmãos aqui da região. Temos um sistema empresarial vigoroso. A ideologia não prevalece sobre a realidade. Ela atrapalha.
FHC – A linha de força aponta na direção de que esses elementos de corporativismo perderão força. Levaremos mais tempo para fazer o que poderíamos fazer mais depressa. Mas temos caminhos. Temos uma sociedade forte. Somos mais ricos em termos relativos e mais fortes que nossos irmãos aqui da região. Temos um sistema empresarial vigoroso. A ideologia não prevalece sobre a realidade. Ela atrapalha.
ÉPOCA – O
governo Dilma elegeu como prioridade, até para efeito de propaganda, a
erradicação da miséria. Mas não é uma vergonha um país como o Brasil ainda ter
tantos analfabetos?
FHC – O Brasil vem numa conquista progressiva da redução da miséria. Segundo o (economista) Ricardo Paes de Barros, a virada começou em 1999. Foi resultado da estabilização, em alguma medida da melhoria da educação e de outras políticas. Claro que um pouco disso também é jogo de palavras. Tem muita miséria ainda. Sobretudo, o emprego oferecido é de baixa qualidade. Com a ascensão da China, não houve o cuidado necessário com o desenvolvimento tecnológico e a indústria. Ela passou de 28% do PIB, nos anos 1980, para 20% no meu governo. Agora caiu para 12%. Isso é uma coisa preocupante, pela qualidade do emprego que a manufatura gera, apesar de extração de petróleo, da produção de soja também dependerem de saber.
FHC – O Brasil vem numa conquista progressiva da redução da miséria. Segundo o (economista) Ricardo Paes de Barros, a virada começou em 1999. Foi resultado da estabilização, em alguma medida da melhoria da educação e de outras políticas. Claro que um pouco disso também é jogo de palavras. Tem muita miséria ainda. Sobretudo, o emprego oferecido é de baixa qualidade. Com a ascensão da China, não houve o cuidado necessário com o desenvolvimento tecnológico e a indústria. Ela passou de 28% do PIB, nos anos 1980, para 20% no meu governo. Agora caiu para 12%. Isso é uma coisa preocupante, pela qualidade do emprego que a manufatura gera, apesar de extração de petróleo, da produção de soja também dependerem de saber.
ÉPOCA – Por
que nossa classe política resiste a entender que o valor da economia moderna
não está, necessariamente, no produto em si, mas no conhecimento que o gera?
Parece que tudo se resolve com mais dinheiro, mais emprego, mais fábrica, mais
máquina...
FHC – Tem razão. Pega a
indústria do petróleo. Do jeito que estava indo, não ia mal não. Estava
criando, também, base tecnológica. A Petrobras tem geólogos, cria gente
preparada, exporta tecnologia. A grande revolução agrícola brasileira dependeu
de quatro fatores: Embrapa, tecnologia, empresários e mudanças no sistema de
financiamento. Estas últimas fui eu que fiz. Foi uma luta danada, para separar
a agricultura da dívida do Banco do Brasil. A base foi a capacidade tecnológica
da Embrapa para aproveitar solos antes não usados, desenvolver sementes e
técnicas de plantio. A ideia de economia primária ou secundária é antiga. Em
lugar de se preocupar com os 12% da indústria no PIB, devíamos nos preocupar
com o resto. Qual o coeficiente tecnológico da indústria? Essa é a chave da
questão. E isso leva à educação de novo. O governo percebeu isso. Criou o
programa Ciência sem Fronteiras. Mas, entre perceber e fazer, há uma distância.
Há a mania de grandiosidade. Tínhamos nos Estados Unidos, no ano passado, 8.500
bolsistas. O governo disse que vamos passar para 100 mil em quatro anos. Claro
que não conseguiremos. Isso é mania de grandeza.
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